Era fim de tarde de uma quarta-feira quando Sérgio Mamberti entrou no prédio da Editora Abril para uma das muitas entrevistas que vinha dando naquele 2018, quando estreou a quinta temporada do sucesso Visitando o Sr. Green, no Teatro Renaissance. Do outro lado do corredor, o jornalista Dirceu Alves Jr., então crítico de teatro da revista Veja SP, era o responsável por conduzir a entrevista. Prestes a celebrar 80 anos de vida, o ator desfiava planos para comemorar a efeméride. Ele ia se apresentar na Rússia, montaria um clássico de Arthur Miller (Um Panorama Visto da Ponte), abriria uma exposição de colagens na galeria da marchande Regina Boni e finalizaria o livro de memórias que rascunhava há anos.
À exceção do livro, todos os projetos estavam encaminhados e, por isso, manteve o assunto em segredo durante a entrevista, que correu como planejado com o detalhe de que, ao fim do bate-papo, Dirceu Alves, então admirador distante do trabalho do ator, sairia fascinado por sua história.
“A conversa foi se encaminhando. Fomos para um lado humano, que é o que me pega. Entender quem é o cara por trás da arte, entender as motivações que o levaram àquilo. Ele contou a história dos pais, da infância em Santos e por que fazia aquela peça naquele momento: falar da intolerância, porque desde 2015 sentia um país menos tolerante. Me encantei”, lembra o jornalista que, à época, acabara de escrever A Máscara do Improvável, biografia do diretor teatral Elias Andreato, lançada no ano seguinte. Alves, então, abordou o produtor Carlos Mamberti, filho do ator, para incentivar a produção de um livro de memórias. Com a ideia já em curso, o convite para a coautoria foi natural. “O Dirceu tem uma história bonita com o teatro, foi um processo prazeroso. Ele foi meu companheiro de aventura, responsável por organizar alguns pensamentos que estavam vagando. Comecei a escrever o livro sozinho, mas sempre voltava ao começo, ele foi essencial para o processo”, relata Mamberti.
Tendo como inspiração a mãe do ator, a professora Maria José, que escreveu suas memórias num caderno de brochura para que não se perdessem, Sérgio Mamberti – Senhor do Meu Tempo foi idealizado para compor as comemorações dos 80 anos do ator em 2019, ano em que foi produzido a partir de encontros semanais entre ator e jornalista. Pronto para chegar às lojas em 2020, teve seu lançamento adiado pela Edições Sesc por causa da pandemia do coronavírus, chegando às livrarias no final de abril. Neste meio-tempo, o ator se manteve ativo. Estrelou a versão online da peça A Semente da Romã; compôs o elenco da comédia Novo & Normal; estreou solo digital baseado na obra do amigo Plínio Marcos; e se uniu a Miriam Mehler na leitura de A Mosca Verde, de Ed Anderson, dentro do projeto Rede de Leituras.
“Me mantive produtivo, mas nossa classe foi a que mais sofreu e ainda sofre com a pandemia e o desmonte da cultura. Nossos governantes temem os artistas e grandes pensadores, porque deixamos os reis nus. Eles nos atacam e tentam nos destruir, mas nós resistimos!”
“Esse livro tem quase 400 páginas, porque contamos uma trajetória rica. A espinha dorsal é minha carreira do teatro, mas em torno disso temos o cinema, a TV e a entrada na política, ocupando cargos importantes dentro do Ministério da Cultura. Eu fui a primeira pessoa a fazer parte da Secretaria da Identidade e Diversidade, que foi a primeira no mundo. Depois fui presidente da Funarte, fiz o lançamento do primeiro Plano Nacional da Cultura, ou seja, foram coisas muito ricas entremeadas com a carreira artística, da qual também me orgulho”, diz o ator, elogiado pelo francês Jean Genet à época da montagem do clássico O Balcão, em São Paulo, em 1969.
A consciência da importância de sua trajetória no cenário cultural e político fascinou Dirceu Alves Jr. Mas o jornalista confessa que lhe chamou mais atenção a figura de Mamberti pela complexidade com a qual levou a vida e lidou com as perdas, desde sua esposa, Vivian Mehr, em 1980, até o irmão, Cláudio Mamberti, em 2001.
“Ele viveu muitas experiências sexuais e com drogas, mas foi um homem família, apaixonado pela esposa, cuidadoso com os filhos e à frente do seu tempo. Hoje se discute casamento aberto, ele e Vivian já viviam isso nos anos 60. Quando ela morreu, ele criou os filhos sozinho, cuidou da casa, arquitetou toda sua carreira em São Paulo para ficar perto deles, e fez novelas tarde, esperando os filhos crescerem para se permitir trabalhar fora.”
A relação familiar move a publicação, que, na visão do jornalista, descortina o homem por trás do artista. Mamberti enxerga o retrato de um brasileiro que, aos 82 anos, não vê chance de parar. Entre seus futuros projetos estão um filme biográfico, um programa no qual revive o clássico Dr. Victor, do Castelo Rá-Tim-Bum, e a montagem de Fausto, de William Shakespeare. Com o tempo como aliado, ator e jornalista cravam que o livro tem capacidade de ser bem-sucedido mercadologicamente graças a um fator essencial: ele exala esperança num futuro melhor. E que não demora.
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