Bibi Ferreira era diminuta no tamanho físico (media 1,55m), mas gigante na importância artística. Com uma carreira profissional que se estendeu por quase 80 anos, a atriz, diretora e cantora foi uma das mais importantes figuras da cultura brasileira. Nesta segunda, 1º, são lembrados os 98 anos de nascimento e, entre os eventos comemorativos, surge uma nova edição de Bibi Ferreira – Uma Vida no Palco, biografia fotográfica que mostra seus principais momentos, até pouco antes de sua morte, em fevereiro de 2019.
Nascida Abigail Izquierdo Ferreira, em 1922, no Rio de Janeiro, filha do ator Procópio Ferreira e da bailarina argentina Aída Izquierdo, Bibi estava predestinada pelo pai à carreira artística. "Não quero mais morrer! Nasceu a primavera da minha vida. Ganhei uma filhinha de nome Abigail, a quem chamarei de Bibi. Ela vai cantar, representar e fazer muitas coisas bonitas em um palco", escreveu Procópio a um amigo.
Ele não brincava em serviço: Bibi estreou no teatro com apenas 24 dias de vida, ao substituir no palco uma boneca que desaparecera pouco antes do início da peça Manhãs de Sol, escrita por seu padrinho, Oduvaldo Vianna (pai), marido da cantora Abigail Maia. Bibi subiu ao palco no colo de sua madrinha, de quem herdara o nome.
Os críticos apontam Procópio Ferreira como um ator de comunicação exuberante, mestre ao matizar suas frases com as mais ricas inflexões, capaz de levar a plateia ao delírio com um simples revirar de olhos. E, desde seu primeiro êxito, em 1919, com Juriti, de Viriato Corrêa, sua carreira estendeu-se por seis décadas. A vida artística, no entanto, o obrigava a passar longos períodos longe de casa, o que reservou para Aída a tarefa de educá-la.
Por isso, Bibi estou diversos idiomas quando jovem, a fim de se preparar para qualquer carreira. Estou em casa porque, aos nove anos, teve a matrícula negada no Colégio Sion do Rio por ser filha de um ator de teatro.
Sua estreia profissional nos palcos aconteceu em 28 de fevereiro de 1941, quando interpretou Mirandolina, na peça La Locandiera. Em 1944, montou sua própria companhia teatral, reunindo alguns dos nomes mais importantes do teatro brasileiro, como Cacilda Becker, Maria Della Costa e a diretora Henriette Morineau. Pouco mais tarde, foi para Portugal, onde dirigiu peças durante quatro anos, com grande sucesso.
A década de 1960 foi marcada pela participação em musicais de sucesso como Minha Querida Dama (My Fair Lady), em que dividiu o palco com Paulo Autran, seu parceiro também em O Homem de La Mancha.
Já nos anos 1970 foram marcados pela sua participação no musical Gota D’Água, de Chico Buarque e Paulo Pontes. A peça deu à atriz a oportunidade de viver uma personagem de coloração trágica. Talvez Joana tenha sido sua mais memorável interpretação – ninguém nunca superou sua versão para aquelas canções e ela ainda sabia, 40 anos depois, seus diálogos de cor. Impossível esquecer sua imagem no palco, sob rústicos tamancos de solado de madeira e tiras de couro, vestida de negro, cabelos desgrenhados, movendo-se como um bicho acuado. “Ela vai do musical à tragédia grega, um fenômeno raro”, surpreendeu-se, na época, o diretor de Gota D’Água, Gianni Ratto.
Em 1983, ela voltou a brilhar em Piaf, homenagem à grande cantora francesa Edith Piaf. Sob direção de Flávio Rangel (1934-1988), Bibi não deixava mais dúvidas sobre seu talento dramático. Piaf ficou oito anos em cartaz, entre Rio, São Paulo e demais estados brasileiros.
Não satisfeita, Bibi impressionou novamente no início dos anos 2000, no espetáculo Bibi vive Amália, em que homenageava a fadista portuguesa Amália Rodrigues. Fez ainda dois recitais, Bibi in Concert e Bibi in Concert Pop, acompanhada de orquestra e coral. Quando finalmente se apresentou no Lincoln Center, em Nova York, em 2012, em comemoração aos seus 90 anos, a felicidade era pelo ponto alto atingido pela filha de Procópio. “Estou na América”, saltitou ela, tão logo desembarcou no aeroporto.
Em sua última aparição pública, em 2018, Bibi viu-se homenageada em Bibi, uma Vida em Musical, espetáculo de um amigo querido, Tadeu Aguiar, com incrível atuação de Amanda Acosta. “Ela cantou as músicas, respondia quando alguém dizia ‘Bibi’ em cena e demonstrou estar emocionada”, lembra Aguiar.
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