Três amigas de longa data se encontram para uma noite regada a conversas, vinhos e lembranças sobre suas respectivas conquistas na vida profissional, em âmbito pessoal e, claro, no campo dos relacionamentos. É esse o mote inicial de Procuro o Homem da Minha Vida, Marido Já Tive, comédia em cartaz no Teatro J. Safra, em São Paulo. À primeira vista uma comédia de desenvolvimento simples, o espetáculo surpreende justamente ao subverter os discursos batidos sobre o papel de uma mulher após os cinquenta anos e sua vida amorosa. “O assunto é de utilidade pública”, ri Totia Meirelles, que estrela a montagem ao lado de Grace Gianoukas, Leona Cavalli e Maurício Machado.
“Nunca se debateu tanto sobre a maturidade feminina, e cá estamos para ajudar nesse debate. Falamos sobre nossas dificuldades e os entraves que colocaram em nós durante anos e anos”, diz a atriz. Gianoukas faz coro ao analisar o espetáculo como uma porta de entrada para a identificação feminina. “As personagens refletem a respeito de seus relacionamentos tóxicos, de suas ilusões afetivas e consequentes decepções, da educação opressora e machista a que foram submetidas, para, finalmente, encontrarem a si mesmas, suas vontades, seus interesses e sua liberdade e individualidade. É um processo de autodescoberta, e isso pra mim é muito emocionante.” O espetáculo, que teve a estreia adiada pelo menos duas vezes antes de abrir as cortinas no dia 4, nasceu há mais tempo, quando a escritora argentina Daniela Di Segni, de passagem pelo Brasil, assistiu a uma das temporadas da comédia Mulheres Alteradas, baseado no livro homônimo da também argentina Maitena Burundarena e, num café com o diretor Eduardo Figueiredo, lhe propôs dirigir uma adaptação de seu Procuro o Homem da Minha Vida, Marido Já Tive, best-seller em mais de 10 países.
“Ao ler o livro, decidi que precisava ter um olhar da mulher brasileira. Até porque o humor latino é muito peculiar. A obra fala de um perfil de mulheres que pouco se discute. Mulheres acima de cinquenta anos, sua trajetória e perspectivas. Um lugar onde o preconceito é ainda mais intenso, como sabemos”, conta Figueiredo, que convidou a dramaturga Claudia Valli para assinar a adaptação da comédia.“Temas foram atualizados e a perspectiva feminina contemporânea reforçada. E hoje localizamos, no processo de trabalho com elenco, que tem muita reflexão e questionamento permeando o humor presente no espetáculo. Em um momento de tantas manifestações de misoginia, poder realizar uma comédia sobre a ótica feminina é um presente!”, acredita.
Interpretando nada menos do que sete personagens em cena, Maurício Machado enxerga o espetáculo como “um exercício de desconstrução, de escuta e empatia, afinal o machismo está introjetado em nós há gerações”. “Apesar da brincadeira do título, a dramaturgia propõe questionamentos além da relação do divórcio ou da busca desse ‘homem ideal’. É uma reflexão sobre mulheres que têm cinquenta anos ou mais, sua formação e as imposições sociais que tiveram de superar para conseguir optar por sua própria vida, dar um basta no marido e buscar um novo companheiro caso tenha interesse.” Leona complementa: “A peça questiona, ironiza e brinca com o desgaste de antigos padrões e preconceitos machistas, para falar exatamente da busca de reconhecimento de que as mulheres sempre tiveram inúmeros papéis na vida, muito além das relações amorosas!”. “Até porque o homem é só mais um item”, ri Totia, que finaliza: “Há ainda um bom trabalho, uma grana que ela consiga se sustentar, amigas, relacionamentos, enfim, o homem tem o seu lugar, mas não é o principal”.
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