Em centenário de Dias Gomes, 'O Bem Amado' ganha montagem musical

Ator vive o prefeito Odorico Paraguaçu na peça que tem músicas de Zeca Baleiro e segue texto original do dramaturgo

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Por Dirceu Alves Jr.

Prefeito da fictícia Sucupira, Odorico Paraguaçu venceu a eleição com a promessa de construir o primeiro cemitério da cidade baiana. Com a obra concluída, o político corrupto se vê impedido de inaugurá-la por um motivo inesperado: nenhum habitante morre. Esta é a premissa de O Bem-Amado, peça escrita em 1962 por Dias Gomes (1922-1999), que ficou célebre como telenovela 11 anos depois, rendeu um seriado nos anos 1980 e chegou ao cinema em 2010.

'O Bem Amado', peça de Dias Gomes, virou uma comédia musical em que Cassio Scapin interpreta o prefeito Odorico Paraguaçu. Foto: Ronaldo Gutierrez

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Perto do final da peça, o prefeito sugere ao pistoleiro Zeca Diabo que arme um falso atentado contra ele mesmo. “É preciso que aconteça alguma coisa que coloque o povo do meu lado novamente”, fala o personagem. “E depois vamos dizer que foi a oposição. Assim, eu passo de réu a vítima”, completa Paraguaçu. Diálogos como este causaram espanto naqueles que assistiram aos recentes ensaios do espetáculo O Bem-Amado, em cartaz no Sesc Santana. Trata-se de uma demonstração de atualidade da sátira escrita pelo autor de peças como O Pagador de Promessas e O Santo Inquérito, também símbolos resistentes de crítica social e política.

Centenário

O diretor da nova montagem, Ricardo Grasson, conta que mais de uma pessoa perguntou se ele havia mexido no original para traçar paralelos com o Brasil polarizado. “Conservamos o texto na íntegra, porque não há momento melhor para revisitar O Bem-Amado”, afirma o diretor, que idealizou o projeto como homenagem ao centenário do dramaturgo, em outubro. “Dias lida com temas que viraram tabu até em conversas de bar, como política, religião e liberdade de imprensa, de forma que toca imediatamente o espectador.”

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O protagonista, imortalizado pelo ator Paulo Gracindo (1911-1995) na TV e revivido por Marco Nanini no cinema e no teatro, é representado por Cassio Scapin. Sob o comando de Grasson, O Bem-Amado virou uma comédia musical com 11 canções inéditas, criadas pelo compositor Zeca Baleiro e o dramaturgo Newton Moreno. A direção musical ficou por conta de Marco França, que ainda interpreta Zeca Diabo. O assessor lambe-botas Dirceu Borboleta (Eduardo Semerjian), o jornalista Neco Pedreira (Guilherme Sant’Anna) e as irmãs Cajazeiras (Luciana Ramanzini, Kátia Daher e Rebeca Jamir) completam o time de tipos marcantes que voltam à cena. 

Grasson encontrou inspiração no universo do cineasta italiano Federico Fellini (1920-1993). O diretor enxerga na obra de Dias muitas afinidades com a linguagem de Fellini e, em suas pesquisas, descobriu que ele era um grande fã do realizador dos filmes Amarcord e A Doce Vida. Para reafirmar essa proposta, fugiu do realismo para elaborar uma fantasiosa Sucupira e cobrou dos atores um forte trabalho de caracterização. “O realismo fantástico, do qual Dias é o grande representante, inclusive na televisão, está presente em todo o espetáculo”, avisa ele. “Esse é um gênero pouco comum no teatro, ao contrário do que podemos ver na literatura, no cinema e na televisão, por isso procurei valorizá-lo.”

Na televisão, Odorico foi interpretado por Paulo Gracindo. Foto: TV Globo

Scapin confessa que sempre sonhou em interpretar um personagem de Dias e, mesmo na Escola de Arte Dramática (EAD), na qual se formou, jamais emplacou um deles. Odorico Paraguaçu, claro, é seu preferido. Ainda criança, o ator se lembra de acompanhar, pela televisão em preto e branco da família, os capítulos da novela da Globo. 

Para compor o seu Odorico, ele preferiu não rever os capítulos sob o risco de se contaminar e até ficar inseguro diante do trabalho de Gracindo. “O Odorico é uma espécie de Ricardo III da dramaturgia brasileira”, diz o intérprete, em comparação à clássica tragédia de Shakespeare. “O sujeito é tão inescrupuloso que faz da morte uma promoção em seu palanque e, tendo em mãos um vilão carismático, acredito que o público primeiro deve render-se a ele para depois se escandalizar.” 

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