RIO - Claudio Botelho e Charles Möeller, a dupla que há anos mantém o vigor do musical no Brasil, já estavam desistindo do sonho de montar Kiss Me Kate, um dos espetáculos de sua devoção, quando os ventos sopraram a favor. “Adoramos as canções de Cole Porter, mas faltava patrocínio e também encontrar um barítono ideal para o papel principal”, conta Botelho que, ao lado de Möeller, não desistia de sua principal escolha: o ator José Mayer. “Já tínhamos renovado os direitos da montagem várias vezes, sem conseguir nada. Quando pensávamos em desistir, acertamos um patrocínio e o Zé topou”, fala Möeller. O sonho se realiza a partir do dia 30, no Teatro Bradesco do Rio. Charles Möeller e Claudio Botelho assistiram ao musical Kiss Me Kate pela primeira vez em 1999, em Nova York. “Era uma remontagem, mas foi o bastante para acender a chama de Cole Porter em nosso trabalho”, conta Möeller. Como ainda não tinham condição de encenar aquele espetáculo no Brasil, eles lançaram, em 2000, o fruto dessa paixão, Ele Nunca Disse que Me Amava, carinhoso musical que mostrava a relação de Porter com as mulheres de sua vida (esposa, mãe, amiga, intérpretes). Foi um divisor de águas na carreira da dupla, que então se profissionalizou. Era também o início de uma relação com o compositor americano que atinge o auge agora, com a estreia de Kiss Me Kate: o Beijo da Megera, no Rio. O acréscimo do subtítulo se justifica pela importância que Möeller e Botelho descobriram da obra de Shakespeare A Megera Domada no trabalho de Cole Porter. “É um musical sofisticado, pois revela um sério mergulho na obra do bardo”, conta Botelho. “Porter usou frases inteiras de Shakespeare nas canções e a Megera é um ponto de partida para ele usar de sua habitual acidez para tratar de relacionamentos”, completa Möeller.
Kiss Me Kate mostra as agruras de uma companhia de teatro que excursiona com uma montagem de A Megera Domada. As estrelas do espetáculo, Fred Graham (José Mayer) e Lili Vanessi (Alessandra Verney) mantém um conturbado relacionamento, o que acaba refletindo diretamente na encenação. “Muitas vezes, ele parece se esquecer que está interpretando o Petruchio para tirar satisfação com a ex-esposa, que também deixa a Catarina de lado para responder à altura”, diverte-se José Mayer, cuja participação no elenco foi decisiva para o nascimento da montagem. “Há onze anos que temos os direitos de encenação, mas precisávamos de um ator que, além de interpretar muito bem, também fosse barítono”, conta Botelho que, ao lado de Möeller, sabia que o papel era destinado a Mayer - a confirmação veio quando o ator participou de O Violinista do Telhado, em 2011, um dos mais belos trabalhos de Möeller e Botelho. “Quando estávamos desistindo por falta de patrocínio e do ator ideal, surgiu um investidor. Liguei imediatamente para o Zé que, sem muito pensar, aceitou, mesmo cotado para a novela A Regra do Jogo”, confidencia Botelho. Mesmo com os detalhes se acertando, a crise econômica freou o impulso inicial, obrigando uma compressão no período de ensaios. A imersão favoreceu a montagem, que traz ainda verdadeiras pérolas. Fabi Bang, por exemplo, apesar da longa carreira em musicais, tem finalmente seu primeiro papel de destaque, Luísa, ideal para exercitar sua verve humorística e revelar a força de sua voz. Destaque também para Guilherme Logullo, como Bill, em que comprova ser também um sólido ator. A surpresa do elenco está na presença do cartunista Chico Caruso, que faz um dos gângsteres, em sua estreia em musicais. “Sempre gostei do gênero, especialmente de Cole Porter, e, quando Charles e Claudio me convidaram, aceitei na hora o desafio”, conta ele, cuja voz gutural traz uma inédita comicidade ao papel. Ao usar o teatro como pano de fundo para a história, Cole Porter inovou. “O espetáculo começa a preparação da sala, antes da chegada do público. Foi a primeira vez que o bastidor da cena era mostrado no palco”, conta Möeller. Kiss Me Kate foi a redenção na carreira de Porter que, desde o acidente que sofreu em 1937, quando a queda do cavalo que cavalgava esmagou suas pernas, não assinava nenhum espetáculo digno de nota. Até que, em 1948, escreveu aquele que, para muitos, foi seu show de maior sucesso - a partir do texto inteligente do casal Bella e Samuel Spewack, repleto de citações de Shakespeare, Porter criou canções que também remetiam, com humor e sofisticação, à poesia do bardo. O repertório - geralmente considerado o seu melhor - incluía Another Op’nin’ Another Show, Wunderbar, So In Love, We Open in Venice, Tom, Dick or Harry, I’ve Come to Wive It Wealthily in Padua, Too Darn Hot, Always True to You in My Fashion e Brush Up Your Shakespeare. Porter voltava ao topo. “Só há apenas uma balada, o resto é canção cômica”, observa Botelho, autor das versões. “E a graça vem do uso da voz.”Quem é Cole Porter - CompositorNasceu em 1891, nos EUA, foi um dos principais músicos e compositores do teatro americano. Seu trabalho inclui comédias musicais como Kiss Me Kate (1948), Fifty Million Frechmen (1929) e Anything Goes (1934). Criou também canções célebres como Night and Day, I Get a Kick Out of You e I’ve Got You Under My Skin. Apesar de fotografado ao lado de belas mulheres e de ter sido casado, Porter era homossexual, mantendo casos com vários homens. Morreu em 1964.
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