A última edição da MITsp – Mostra Internacional de Teatro de São Paulo foi atravessada e interrompida pela pandemia. Em 2020, quando a programação começou, a covid-19 ainda parecia estar restrita a países estrangeiros. No seu desenrolar, porém, a situação no Brasil se deteriorou. A ponto de, na reta final, alguns espetáculos ter de ser remanejados e até cancelados. Para este ano, quando o festival completaria sua oitava edição, seus organizadores chegaram a acreditar na possibilidade de realizar uma versão híbrida – metade presencial, metade na internet. E ainda sonham com a possibilidade de fazê-la no segundo semestre. Mas, enquanto os planos permanecem em suspenso, surge a MIT+.
Com lançamento previsto para quinta, 11, a plataforma digital vem responder à impossibilidade de se fazer o evento nos moldes tradicionais. Ainda que não se trate, adverte seu curador, de uma edição virtual da mostra. “Desde abril vivemos mergulhados em situações digitais e há um certo cansaço disso. Temos a convicção de que a experiência presencial do teatro é insubstituível. Mas essa é a oportunidade de tornar público o grande acervo que acumulamos ao longo desses sete anos”, conta Antonio Araújo, coordenador artístico da MITsp. Além de ser uma chance de abrir os “baús”, resgatando registros de peças de anos anteriores do evento, também foram selecionados alguns títulos inéditos que dialogam com o presente, caso de Réquiem, de Romeo Castellucci, e Encontro, da companhia inglesa Complicité, de Simon Mc Burney. “Pensamos em propostas que se relacionassem com a doença – algo que estamos vivendo agora –, mas também com a cura, porque existe luz no fim do túnel”, aponta Araújo. Em ambos os casos, privilegiou-se ainda uma relação pregressa de seus criadores com o festival paulista. Saudado como um dos maiores nomes do teatro contemporâneo, o italiano Romeo Castellucci e sua companhia Sociètas Raffaello Sanzio abriram a primeira MITsp, em 2014, com a apresentação de Sobre o Conceito de Rosto no Filho de Deus. Perturbadora, a montagem trazia um filho às voltas com a doença terminal do pai, sob o olhar impassível de uma imagem de Cristo. Agora, o diretor retorna com uma releitura da missa fúnebre de Mozart, porém faz da composição uma celebração ao ciclo da vida. A versão a ser exibida na plataforma da MIT foi gravada em 2019, durante o festival francês de Aix-en-Provence. Haverá ainda a possibilidade de assistir a uma entrevista com o encenador, gravada especialmente para o público brasileiro. Nunca foi possível trazer uma obra do grupo Complicité para a MITsp, mas seu diretor, Simon Mc Burney, participou de um workshop durante uma edição anterior. Foi nessa ocasião que surgiu a oportunidade de ele conhecer a Amazônia – que é justamente o objeto de sua investigação em Encontro. A encenação baseia-se em um episódio dos anos 1960, quando um fotógrafo da National Geographic se perdeu na selva, na região do vale do Javari. A experiência proposta ao espectador é a de uma imersão sonora na floresta por meio do uso de fones de ouvido. A vinculação com a história da mostra também norteou a escolha de outra das propostas inéditas: Go Go Othello, da sul-africana Ntando Cele, que esteve na MITsp em 2017. Mais recente criação da artista, a peça já foi concebida no contexto atual de isolamento e questiona a ausência de protagonistas negros na história do teatro. Com forte carga de performance, Go Go Othello busca elementos de cabaré e da estética das go go dancers. Pela plataforma, será possível conhecer mais da trajetória de Ntando Cele: ela deve participar de um workshop, uma residência artística e uma mesa de debates. Também será possível assistir a Black Off, espetáculo que a intérprete trouxe ao evento com sucesso há quatro anos. Questões como identidade, preconceito e descolonização – que atravessam o trabalho de Cele – norteiam outras obras do acervo da MITsp que poderão ser vistas online. “A ideia de trazer a público a grande coleção que foi formada ao longo dos anos era antiga, mas ganhou forma e mais força com a situação de isolamento que estamos vivendo”, conta Nathália Machiavelli, que coordena o projeto da MIT+. Apesar das aquisições inéditas, ela considera que, na plataforma, o protagonismo recai sobre o acervo. Em 2021, será possível ver – ou rever – 25 vídeos, entre palestras, atividades formativas e montagens como Sal – reflexão sobre o tráfico negreiro, apresentada pela britânica Selina Thompson em 2018 – e Legítima Defesa, encenada em 2017. As inscrições, que são gratuitas, para reservar ingressos ou participar das atividades podem ser feitas diretamente no site mitmais.org.
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