RIO - O Rio de Janeiro das primeiras décadas do século 21 não está tão distante daquele que existiu no começo do século 20. No momento do aniversário de 450 anos, a cidade passa por várias mudanças, como as voltadas para a ampliação do metrô e a revitalização da região do porto. Já no início do século 20, durante a gestão do prefeito Pereira Passos, o Rio também sofreu diversas transformações que procuraram imprimir na cidade uma atmosfera europeia (mais exatamente, parisiense). Avenidas largas foram inauguradas e cortiços, demolidos. “Havia uma luta entre a cidade portuguesa decadente e a cidade francesa moderna”, resume Ruy Castro, autor do livro Bilac Vê Estrelas, que chega ao palco do Teatro Sesc Ginástico, nesta sexta-feira (9), em montagem dirigida por João Fonseca.
É apressado, porém, abordar os dois períodos unicamente pelos pontos de contato. Há, claro, elementos que os distinguem. “Não sonhamos mais com o avião. Agora cabe cuidar do planeta. Estamos correndo o risco da falta de água”, observa Fonseca. O diretor faz referência à jornada do poeta Olavo Bilac (interpretado por André Dias) e do jornalista abolicionista José do Patrocínio (Sergio Menezes), que, engajados no projeto de construção de um dirigível, passam a contar com a ajuda de Santos Dumont, mas têm seus planos ameaçados por dois espiões, a portuguesa Eduarda Bandeira (Izabella Bicalho) e o padre Maximiliano (Tadeu Aguiar).
Apesar de estimulado a traçar associações com o presente, o espectador é transportado para uma época específica - a do efervescente Rio da Confeitaria Colombo e da Rua do Ouvidor - por meio de informações contidas no livro de Ruy Castro, parcialmente preservadas na adaptação teatral. “Os mergulhos que realizo no passado são tão intensos que é como se me mudasse para outra época”, afirma o autor de Chega de Saudade e Ela É Carioca.
Entretanto, Bilac Vê Estrelas, que não tem previsão para desembarcar em São Paulo, não é um projeto atravessado pela nostalgia. “Não sou nada nostálgico até porque carrego o passado comigo. Filmes e músicas antigos estão ao alcance da mão”, conclui Ruy Castro. João Fonseca também não se percebe movido pelo saudosismo. “No caso de Bilac, isso não aconteceu, na medida em que é um passado distante de mim. Senti mais nostalgia nos espetáculos que dirigi sobre Cassia Eller e Cazuza, que trouxeram à tona uma época que vivi”, diferencia Fonseca, que assinou ainda musical sobre Tim Maia. Bilac Vê Estrelas se encontra, na verdade, mais próximo de outros musicais conduzidos por João Fonseca: Era no Tempo do Rei, concebido com mais um livro de Ruy Castro, e Oui Oui... A França É Aqui! A Revista do Ano, de Gustavo Gasparani e Eduardo Rieche, que evocou a influência francesa no Rio de Janeiro.
Bilac Vê Estrelas foi adaptado para o teatro por mãe e filha - Heloisa Seixas, mulher de Castro, e Julia Romeu. “Ao longo do processo, nós nos deparamos com um Olavo Bilac pouco conhecido. Enveredamos pela obra dele e inserimos algumas de suas poesias”, relata Heloisa. Ambas tinham trabalhado juntas em projetos escorados em livros de Castro: o citado Era no Tempo do Rei, que contava com parte do elenco de Bilac Vê Estrelas, e Carmen, centrado na figura de Carmen Miranda, que não chegou a ser concretizado. A escolha de livros de Castro não foi planejada a princípio. “Carlos Lyra teve a ideia de transformar Era no Tempo do Rei em musical. Depois Izabella Bicalho disse que Bilac Vê Estrelas renderia um bom musical”, lembra Heloisa, mencionando Bicalho, que participou de Era no Tempo do Rei. O novo espetáculo traz 15 músicas inéditas, a cargo de Nei Lopes - convidado por Ruy Castro. “Costumam pensar nele ‘apenas’ como sambista. Mas domina todos os outros ritmos”, sublinha Castro.
Heloisa Seixas e Julia Romeu realçam a harmonia no trabalho em parceria. “Na adaptação só entra o que as duas aprovam. É um processo totalmente democrático. Eu fico mais encarregada dos diálogos e ela, da estrutura geral da peça. De qualquer modo, essa divisão não é rígida”, explica Julia. Ruy Castro não se envolve na adaptação. “Ele é muito tranquilo. Nunca tentou se meter. Ele sabe que não gosto de mostrar o que estou escrevendo. Tanto que viu recentemente o resultado da adaptação de Bilac Vê Estrelas, quando assistiu a um ensaio”, diz Heloisa.
O projeto sobre Carmen Miranda foi concebido há alguns anos. “Desejamos reativá-lo. Era para ter sido encenado em 2009. Seria bancado pela prefeitura do Rio, mas acabou não vingando. Destacamos a Carmen brasileira até ir para Hollywood, um lado justamente menos conhecido para nós”, informa Heloisa. Ambas, contudo, escreveram uma biografia sobre Carmen destinada às crianças. Trata-se de A Pequena Grande Notável (Edições de Janeiro), que tem lançamento marcado para o próximo dia 18. Olavo Bilac - PoetaO também jornalista e professor nasceu no Rio em 16 de dezembro de 1865. Trabalhou com notícias políticas, foi perseguido por Floriano Peixoto, substituiu Machado de Assis num jornal e é um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras. Sonetista inspirado no parnasianismo francês, morreu em dezembro de 1918, aos 53 anos.
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