Nos últimos 13 anos, o público se acostumou a ver a atriz e produtora Claudia Raia liderando elencos numerosos, em musicais orçados em vários milhões de reais. Com a nova configuração das leis de incentivo, que agora limita a R$ 1 milhão o valor máximo a ser captado por projeto (antes eram R$ 60 milhões), o mercado busca se reorganizar, o que vai limitar o número de grandes produções em cartaz. Mas, enquanto negocia sua participação em um desses espetáculos, Claudia decidiu pegar a estrada para estrelar uma comédia que, embora de orçamento reduzido, mantém a aura dos grandes musicais.
Trata-se de Conserto Para Dois (com S mesmo), musical em que ela divide o palco apenas com seu parceiro na vida e na arte, Jarbas Homem de Mello. Junto, a dupla interpreta 11 personagens e é acompanhada apenas por um pianista, Guilherme Terra, que controla também a gravação das músicas cantadas ao vivo por Claudia e Jarbas. “É um formato diferente daquele com o qual nos acostumamos nos últimos anos”, observa a atriz, que optou por começar a temporada pelo interior do País, iniciada no sábado, 26, em Uberlândia. “Dentro das atuais dificuldades, estamos tentando nos reinventar.”
Esse, aliás, é o destino da maioria dos artistas de musical. “Em 2020, teremos menos espetáculos que neste ano e muitos estão garantidos porque a captação foi aprovada em 2018, ou seja, sob a antiga lei”, observa Marllos Silva, produtor e diretor – ele assina a direção geral de Madagascar. Conhecedor do mercado, ele prevê não apenas a redução de empregos como também no valor dos salários. “E, quem antes contratava dez pessoas, agora poderá chamar apenas uma.”
Isso porque, com a redução do valor de incentivos fiscais, musicais como O Fantasma da Ópera (que captou R$ 24 milhões), para buscar um exemplo extremo, tornam-se impraticáveis. “E agora, no final de sua temporada, quando já não usa mais a lei, o Fantasma está desobrigado de oferecer ingresso gratuito ou a preço popular, além de não ter sessão com acessibilidade, ou seja, uma contrapartida que favorecia um público de baixa renda”, completa Marllos.
“A mudança na Rouanet praticamente inviabiliza qualquer investimento de vulto”, observa a produtora Stephanie Mayorkis, da EGG Entretenimento e parceira da IMM Esporte e Entretenimento, responsável por espetáculos como o recente Sunset Boulevard. “Se nada for alterado (temos a chance de um ajuste), o musical torna-se o segmento cultural mais drasticamente prejudicado, com pelo menos 13 mil desempregados.”
Como em um efeito em cadeia, o enxugamento nos investimentos poderá também atingir setores que vivem ao redor dos musicais, como as escolas formadoras de artistas. “São entre 2 mil e 3 mil alunos apenas na cidade de São Paulo”, contabiliza Marllos Silva, lembrando que há ainda estabelecimentos em outras seis capitais, além de Brasília. “Nem todos formados terão chance de integrar algum elenco.”
No comando de seis escolas no Estado de São Paulo, a coreógrafa e diretora Fernanda Chamma vê a situação com cuidado. “Perdemos muitas coisas, mas há uma chance para se reinventar. Os alunos terão mais possibilidades, pois o mercado vai ter de se adaptar para sobreviver e eles representam uma mão de obra mais em conta e com talento para ocupar todas as funções”, pontua.
Em sua nova produção, Claudia Raia também passa por adaptações – ela inclusive é produtora enquanto Jarbas assina a direção. E, no formato pocket, os cenários são facilmente transportáveis “Apesar de mais enxuta, decidimos caprichar na produção, para não perder o glamour. Tanto que planejávamos transportar tudo em apenas um caminhão, mas usamos três”, conta a atriz, no comando de uma equipe de 13 pessoas – para se ter uma ideia, na outra ponta, O Fantasma da Ópera conta com 245 profissionais diretos. Mas foi graças à profissionalização de artistas e técnicos, que São Paulo se tornou a terceira maior capital do mundo (atrás de Nova York e Londres) a ter expertise para montar espetáculos sofisticados como o Fantasma.
Prêmios são obrigados a se reestruturarem
Com a diminuição na quantidade de musicais em cena, os prêmios dedicados aos artistas da área também foram obrigados a se adaptarem. Precavido, o Bibi Ferreira, o mais prestigioso, já abriu, na edição deste ano (a sétima), espaço para profissionais do teatro não cantado.
Também alterado será o Prêmio Reverência, criado em 2015 por Antonia Prado: se, até o ano passado, seu formato era tradicional ao premiar os melhores do ano em atuação no Rio e em São Paulo, agora ele deixará de ter um caráter competitivo. E também não contará com uma cerimônia de entregas habitual, transformando-se em um programa a se exibido por uma emissora de TV.
“Eu vinha pensando em uma mudança antes mesmo das alterações nas leis de incentivo”, conta Antonia. “O Reverência nasceu com o objetivo de valorizar a arte dos profissionais do musical, portanto, não havia motivos para apontar ganhadores e perdedores. Penso como evolução.”
Dessa forma, o projeto deixa de utilizar a palavra “prêmio”, tornando-se apenas Reverência. “O momento atual pede união, portanto não podemos ter algo competitivo”, conta ela, que ainda negocia com uma TV.
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