De beleza singular, olhos azuis, voz empostada, sempre elegante e personalidade marcante, Maria Antonieta Portocarrero Thedim ganhou projeção nacional com seus inúmeros trabalhos pelos palcos e telas Brasil afora. Foi em cima de um tablado que Tônia Carrero, seu nome artístico que ficou cravado na história da cultura nacional, surgiu para o estrelato.
A atriz completaria 100 anos no próximo dia 23, mas morreu aos 95, em 2018. Para celebrar esse ícone nacional e seu centenário, o Itaú Cultural preparou a exposição Ocupação em sua homenagem, que será aberta sábado, 13, às 11h, na instituição que fica na Avenida Paulista, em São Paulo.
A ideia da exposição partiu da família de Tônia, encabeçada por sua neta, Luisa Thiré, que tinha em vista o centenário da atriz. Para isso, o material que estava todo guardado no acervo foi oferecido para os pesquisadores do Itaú Cultural. “Eles se debruçaram sobre o acervo da família, mas também saíram pesquisando Brasil afora, em uma pesquisa bem profunda”, conta Luísa, que é cocuradora da mostra. Essa será uma forma, como acentua a neta, de resgatar e apresentar um dos grandes nomes das artes, e não somente pela parte cultural.
Em busca dos sonhos
“Uma mulher à frente do seu tempo”, diz Luísa sobre a avó, e enfatizando que ela, Tônia, sempre se posicionou pela democracia, pelos direitos civis e das mulheres. “Minha avó brigou com a família inteira para poder ser atriz”, ressalta a neta, enfatizando que naquele tempo “era feio ser atriz”, pois o que era reservado para as mulheres “era ser professora, no máximo, ou dona de casa”.
Em sua trajetória, como conta a neta Luísa, após enfrentar a família, a sociedade, Tônia Carrero partiu em busca de realizar seus sonhos. “Minha avó saiu de casa, se casou com meu avô que era cineasta, escritor, e lá foi ela atrás dos sonhos dela, que conseguiu alcançar e ainda realizou tanta coisa maravilhosa”, avalia.
Com carreira diversificada, passando pelos mais variados palcos, certamente o nome Tônia Carrero tem ligação direta com o teatro brasileiro. A atriz pertence a uma geração que precisou superar obstáculos, com relação a costumes e desbravar áreas que estavam começando a surgir. Contar a história dela é traçar os caminhos percorridos pelo teatro. “A geração da minha avó que começou tudo, abrindo todas as portas”, reflete Luísa. “Se debruçar sobre essa história é se debruçar sobre uma bela parte da história da arte do Brasil”, diz a também atriz, que preparou uma encenação muito especial para a homenagem. “Vou apresentar no dia 23, que seria o aniversário da minha avô, a peça Navalha na Carne, fazendo o mesmo personagem, Neusa Sueli, que ela fez, na fase da ditadura militar”, revela.
A exposição
Com expografia do cenógrafo Kleber Montanheiro, a Ocupação Tônia Carrero recebe o público com uma imagem da atriz, em um convite para a mostra. “Mas você pode começar de onde quiser, pois, dependendo de onde entrar, o público confere uma versão da história, que vai se complementando nos outros nichos”, explica Carlos Gomes, coordenador do Núcleo de Artes Cênicas do Itaú Cultural e integrante da curadoria.
Caminhando pelos espaços, o visitante se depara com momentos cruciais na trajetória da atriz. “Há o espaço dedicado ao cinema, sua porta de entrada nas artes que foi a Vera Cruz”, conta o curador. No nicho sobre teatro “é mostrada a grande estreia dela com Paulo Autran, parceria que ela escolhe para surgir no palco”. Nessa parte, o público vai entrar em contato com um momento da história que mostra o lado empreendedor da atriz, uma das fundadoras da companhia Tônia-Celi-Autran, que formou com o marido Adolfo Celi e o parceiro Paulo Autran. “Essa foi uma fase que as mulheres estavam à frente das companhias, como foi com Tônia, Cacilda Becker, Maria Della Costa. É um dado interessante para se observar o contexto histórico”, observa Luísa.
Foi no teatro que Tônia se mostrou de forma transgressora, ao se empenhar em fazer uma peça proibida. Para montar Navalha na Carne, ela enfrentou a censura e venceu. “Com a peça, ela se enfeou e foi buscar uma outra Tônia para viver a Neusa Sueli. Recebeu tanto elogios como recusas do público, que rejeitou os palavrões, a prostituta em cena, e olhar para a marginalidade que a própria sociedade impõe.”
Programação dentro da mostra:
No dia 12, sexta-feira, sobe minimostra de filmes com ela na Itaú Cultural Play (Tico-Tico no Fubá; Apassionata e É proibido beijar)
No dia 13, sábado, abre a Ocupação Tônia Carrero, que, como é vocação dessa série de mostras, faz um mergulho na vida, obra e processo de criação da homenageada, revelando também facetas suas menos conhecidas do público.
No dia 23 - data do nascimento dela -, a atriz Luisa Thiré, neta de Tônia, interpreta o papel da avó na peça Navalha na Carne. O texto de Plínio Marcos foi encenado por Tônia nos anos 60
De 25 a 27, Luisa e mais três netos da atriz homenageada - Carlos Arthur, João e Miguel - fazem a leitura dramática de O monstro de olhos azuis, biografia de Tônia. Eles mesclam leituras a suas próprias lembranças da convivência com ela, a partir de casos contados no livro.
Em setembro, vai ao ar nas páginas do Itaú Cultural em rede uma websérie de teleteatro, assinada po Fabiano Dadado de Freitas. São quatro episódios com recortes de peças que ela encenou: Calúnia, Frankel, Um deus dormiu lá em casa e Quartet.
Serviço
Ocupação Tônia Carrero
Itaú Cultural. Avenida Paulista, 149. Tel. 2168-1777. 3.ª a sábado, 11h às 20h; domingos e feriados, 11h às 19h. Ingressos gratuitos. Abre sábado, 13, às 11h. Até 6/11.
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