Desde as primeiras reuniões com a NBC em 1993, David Crane e Marta Kauffman, cocriadores de Friends, prometiam uma série sobre aquela fase da vida quando “os amigos formam sua família”. Foi a premissa que estabeleceram no primeiro episódio, no ar em setembro de 1994, e que mantiveram pelos dez anos seguintes em 236 episódios inéditos. No primeiro episódio, Rachel Greene abandona o noivo ortodontista no altar e vai encontrar a amiga Monica Geller num café em Nova York, onde também estão o irmão dela, Ross, e os amigos Joey, Chandler e Phoebe. Todos entre 24 e 26 anos. Ela se muda para o apartamento da amiga e todos a convencem a renunciar os cartões de crédito pagos pelo pai e viver “na vida real”, que Mônica também explica ser “um saco, mas que ela vai adorar”. A partir dali, toda quinta-feira passamos a acompanhar as dores e delícias deste grupo de seis jovens se virar no amor, no trabalho e na “vida real”, numa época em que o futuro é enorme, tudo é possível e os perrengues são enfrentados com o apoio dos amigos.
Uma sitcom só faz sucesso se seus personagens provocarem empatia e algum engajamento emocional com quem assiste. Friends acertou em cheio com seus seis encantadores protagonistas numa das séries mais bem escaladas de toda história da TV. Seis atraentes e competentes atores, com timing de comédia perfeito, cabiam naquelas personagens como tubinhos de lycra: nada fora do lugar. Jennifer Aniston, Courtney Cox, Lisa Kudrow, Matthew Perry, David Schwimmer e Matt LeBlanc encarnavam jovens que a audiência podia e queria ter como amigos. Sim, queríamos comer na cozinha de Monica, ouvir Phoebe cantar no metrô, viver no mesmo prédio de Chandler e Ross, ter o cabelo de Rachel, rir da burrice de Joey. A familiaridade foi imediata, embora só nos víssemos uma vez por semana.
A série foi ao ar quando parávamos para ver televisão, todos na mesma hora, sem distração de outras telas, para depois comentar o episódio no dia seguinte. Tínhamos um compromisso semanal com aqueles “amigos”. O texto, fruto de 14 roteiristas muito engraçados e de histórias de vida diversas, era afinado diante de uma plateia ao vivo. Friends inovou na medida que transformou um grupo de amigos em família, com dois deles vivendo o perene arco de casal potencial, “será que eles vão ou não vão?”. Mesmo que de forma tosca, também trouxe temas inéditos para a TV até então, como casamento gay, relacionamento inter-racial, barriga de aluguel, adoção, infertilidade e a rejeição de um pai trans. Sempre com o viés de comédia, o que torna tudo mais palatável. A crítica mais frequente hoje em dia é com a falta de diversidade do elenco e piadas gordofóbicas e transfóbicas. Datadas, sim, mas fruto dos anos 90, quando a época era outra e até um real valia o mesmo que um dólar.
Friends continua fazendo sucesso, onde quer que vá ao ar. A Netflix pagou US$100 milhões para exibi-la de 2015 a 2019 e a Warner Media certamente não vai largar deste que será um dos pilares de seu serviço de streaming. É fácil de assistir. Um grupo de adultos faz graça inofensiva, com temas universais e de conexão instantânea. Não tem bala, droga, sangue, insulto, tensão. Existe até um termo em inglês para este tipo de série: lean back, que é o que o espectador faz quando está assistindo – relaxa.
Quando Rachel, Phoebe, Monica, Joey, Ross e Chandler passaram a ficar mais sérios em seus relacionamentos e ter outras prioridades que não seus amigos, a série acabou. A própria cocriadora da série Marta Kauffman, que veio ao Brasil em 2013 a convite da Globosat, deixou muito claro que nunca haveria um filme derivado de Friends e muito menos um remake. Quando estas personagens começam a ter filhos e formar suas próprias famílias, a premissa da série acaba, vira outra coisa. Até mesmo o especial da HBO Max não será sobre como vivem as personagens hoje em dia. Todos já passaram dos 50 e a restritiva cultura do politicamente correto impera. Sem falar que o dólar já vale quase seis vezes mais que o real.
Assista ao trailer de Friends: The Reunion abaixo:
*Jacqueline Cantore é executiva de televisão, co-autora do livro Séries (Objetiva)
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