No auge das telenovelas brasileiras, entre os anos 1970 e 1980, e, em menor escala, nos anos 1990 e 2000, o último capítulo era o grande acontecimento da trama, o mais aguardado pelo público e explorado ao máximo pelas publicações especializadas no assunto.
Dois exemplos emblemáticos: em Vale Tudo, de 1988, a revelação foi quem matou a vilã Odete Roitman - e o público ainda ganhou de bônus a banana que o corrupto Marco Aurélio deu para o Brasil. Em Roque Santeiro, exibida em 1985, a emoção foi a escolha de Porcina entre Sinhozinho Malta e Roque.

Nos últimos anos, com a perda de importância e de audiência das novelas, e com tramas cada vez mais fracas, o último capítulo, na maioria delas, soou protocolar e sem grandes emoções. Mania de Você, de João Emanuel Carneiro, por exemplo, deve terminar como começou: confusa.
Beleza Fatal, primeira e incursão da plataforma Max no gênero, no entanto, teve um destino melhor. Sucesso nas redes sociais, a novela de Raphael Montes soube cativar, ao longo de 40 capítulos, o desejo do público em esperar, na noite desta sexta-feira, 21, o final de personagens como Lola, Sofia e a família Paixão. E, ainda, pela revelação de quem matou o inescrupuloso médico Benjamin (Caio Blat).
Isso ocorreu porque Montes se propôs a fazer o que tinha que ser feito: escrever um verdadeiro folhetim. Beleza Fatal foi repleta de clichês do gênero, mas também conteve alta dose de ousadia e reviravoltas coerentes. O autor defendeu temas como ética, bissexualidade e transexualidade de maneira natural. Explicitou o embate entre clínicas de estética e clínicas de cirurgia plástica, tendo como pano de fundo questões passionais.
E, o mais importante: autor de livros como Jantar Secreto e Uma Família Feliz, Montes tem um texto envolvente e criativo. Para sua estreia no gênero, contou com a supervisão de Silvio de Abreu e a direção de Maria de Médicis, ambos ex-TV Globo, a emissora mais experimentada em telenovelas, e um elenco estrelado que trouxe nomes como Caio Blat, Herson Capri, Marcelo Serrado, Vanessa Giácomo e Murilo Rosa.
A esteticista Lola, brilhantemente defendida por Camila Pitanga, foi uma vilã carismática, como Montes preferiu defini-la. Venceu na vida, mas colecionou tombos: perdeu a queda de braço contra a poderosa família Argento e viveu atormentada pelos crimes que havia cometido no passado. Sem dúvida, o grande destaque na novela, com frases e expressões que ganharam as redes sociais. Ganhou a empatia do público.
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A cena que fecha o capítulo 20, quando ela é desmascarada pelo filho Gabriel (Enzo Romani), policial dedicado igual ao pai, figura como uma das melhores da novela. Lola desativa as redes, tira sua lace e tenta o suicídio. É salva por Sofia (Camila Queiroz), que nutre um sentimento de amor e ódio pela esteticista.
Depois de um penúltimo capítulo no qual a vida das três protagonistas, Lola, Sofia e Elvira (Giovanna Antonelli), se entrelaçam definitivamente, o episódio final trouxe o derradeiro embate entre Lola e Sofia. Enlouquecida, Lola, na tentativa de matar a inimiga, colocou fogo em sua Lolaland - o sonho de sua vida. “Morre, capirota!”, gritou. Sofia é salva por Gabriel.

Montes ainda teve fôlego para uma cartada final. Lola é presa acusada da morte de Benjamin. Na cadeia, recebe a visita de Sofia, que revela ser a verdadeira assassina do médico. Prova do próprio veneno de, no passado, ter incriminado a mãe de Sofia pela morte de seu marido. Esse era o motivo da cruzada de Sofia contra Lola.
Lola mostra à inimiga que ela está sozinha, presa a ela. “Você não existe sem mim, my love”, diz. “Até o inferno, capirota”, ainda teve forças para gritar. O autor quis mostrar que nem sempre vale tudo por uma vingança.
O final feliz, também clássico nos novelões, foi representado pela superação de Gisela (Julia Stockler), o casamento de Tomás (Murilo Rosa) e Andréa (Kiara Felippe) e a tranquilidade finalmente alcançada pela Família Paixão.
No entanto, Beleza Fatal deixa um questionamento urgente: apresentada na TV aberta desde 10 de março, apenas manteve a audiência que a Band já tinha no horário. O que se faz para o streaming - e Montes jogou muito com isso - fica no streaming, então?
À Max, que pretende lançar o remake de Dona Beja ainda neste ano, apesar do empenho dessa estreia, resta o desafio de se firmar no gênero. Sem a estrutura industrial da Globo, poderá ter criado um filho único e confinado ao streaming e ao barulho das redes sociais, esse último sempre sujeito a grandes variações de humor e de amores.