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Boni sobre demissão da Globo: ‘Não me senti traído, me senti injustiçado’

Nome por trás de alguns dos mais importantes programas de jornalismo e entretenimento da emissora, ele lança ‘O Lado B de Boni’, com memórias e tributo a profissionais da TV. Ao ‘Estadão’, ele relembra bastidores e critica o formato atual dos telejornais: ‘O mundo mudou’; veja vídeo

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Atualização:
Foto: Divulgação/Christina Granato/Record
Entrevista comJosé Bonifácio de Oliveira Sobrinho (Boni)Ex-diretor da Globo

A história da Globo se mistura à história de Boni, um dos maiores revolucionários do audiovisual no Brasil. Na posição de diretor e vice-presidente, ele foi o responsável (ao lado de Walter Clark) pela criação de programas históricos (do Jornal Nacional ao Xou da Xuxa) e novelas inesquecíveis. Ele ainda implementou o chamado “padrão Globo de qualidade”, tanto para a área artística quanto jornalística, e foi responsável por consolidar a emissora carioca como uma potência de audiência.

Depois de repassar os mais de 60 anos de carreira na autobiografia O Livro do Boni (Casa da Palavra, 2011), ele rende, agora, um longo tributo aos talentosos profissionais e amigos que lhe cercaram durante toda essa trajetória em O Lado B de Boni (BestSeller). A sessão de autógrafos em São Paulo será na terça, 20, às 19h, na Livraria da Travessa do Shopping Iguatemi. (Atualização: Veja aqui como foi)

A obra, recheada de histórias saborosas, reúne capítulos dedicados ao dramaturgo Dias Gomes, então diretor artístico da Rádio Clube do Brasil que o acolheu como pupilo; aos astros das telenovelas (Paulo Gracindo, Fernanda Montenegro, Tarcísio Meira); aos músicos (Tom Jobim, Chico Buarque, Caetano Veloso), aos humoristas notáveis (Chico Anysio, Jô Soares, Renato Aragão); aos apresentadores de peso (Faustão, Galvão Bueno, Chacrinha, Glória Maria), além de outros colegas menos conhecidos do público, mas fundamentais na engrenagem da máquina global.

Aos 88 anos, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, pai de Boninho (atual diretor de realities como BBB e Estrela da Casa), conversou com o Estadão por videoconferência durante quase uma hora. Por motivos de compreensão, clareza e espaço, a entrevista abaixo foi editada e condensada.

Direto de sua casa no Rio de Janeiro, ele negou ter se aposentado da TV Vanguarda, afiliada da TV Globo no interior de São Paulo; falou sobre a demissão do canal no final de 1998 e relembrou divertidas histórias de bastidores, além de comentar sua relação com a ditadura e o polêmico debate presidencial entre Lula e Fernando Collor, em 1989, no qual a emissora foi acusada de favorecer Collor. A controvérsia se intensificou após a edição e exibição de um compilado do debate no JN.

Ao opinar sobre o posicionamento atual da Globo, Boni disse que o caminho da emissora, pelo que ele observa como espectador, é “mais à esquerda”. Procurada, a assessoria do veículo não comentou, até o fechamento desta reportagem, as declarações do ex-diretor. E também não comentou sua declaração acerca de seu desligamento.

Como surgiu a ideia do novo livro?

Essa é uma questão de alma. Eu estava devendo para esses amigos um agradecimento público. Pessoalmente eu tinha feito, mas queria registrar isso. O livro foi uma tentativa de expressar a minha gratidão pelo talento e pela competência do artista brasileiro, do técnico brasileiro e de todos aqueles que me ajudaram a fazer a televisão. A televisão é uma obra coletiva. Não fiz nada sozinho. Então, eu precisava desabafar e homenagear meus amigos queridos, aos quais eu respeito e devo tanto carinho.

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O que mais aprendeu com Dias Gomes, seu mentor?

Minha aprendizagem com o Dias foi engraçada. A primeira coisa que ele me falou foi: ‘Eu não vou sentar aqui e ficar te ensinando nada. Onde eu for, você vai atrás’. E aí, ele ia ao banheiro, eu ia também. Um dia, ele foi tomar uma água de coco no bar, saiu andando e falou: ‘sai daí, Boni!’. E eu nem estava ali! (risos). Ele dizia pra mim: ‘qualquer dia você aparece no meio da cama entre eu e a [minha esposa] Janete!’. O Dias foi fundamental para mim porque ele começou a confiar na minha necessidade de trabalhar com arte, no meu talento, se é que eu tinha algum naquele momento.

Outro capítulo com histórias divertidas é o da Dercy Gonçalves...

A Dercy, quando ela abria a boca, saía loucura. Mas, quando ela parava para pensar, ela pensava com o pé no chão. Certa vez, enquanto eu estava em reunião com ela, na casa dela no Rio, roubaram o meu carro. Eu tinha um Fusca. No dia seguinte, mesmo com as revendedoras fechadas e tudo, apareceu um cara na porta do meu apartamento. Ele disse que eu tinha que descer no estacionamento porque tinha um presente da dona Dercy. Eu desci e estava lá um outro Fusca, igualzinho ao meu. Depois, ela estava apaixonada pelo bingo e me disse ‘Boni, tenho dificuldades de entrar num táxi, por causa da minha idade. Preciso arranjar um carro que tem duas portas atrás, com banco confortável para poder ir ao bingo’. Eu lembrei do carro que ela tinha me dado e comprei um carro para ela. No dia seguinte, perguntei para a Dercy se o carro tinha servido. Ela respondeu que havia vendido o carro pois estava precisando de dinheiro (risos).

Boni recebe Fernanda Montenegro no lançamento de sua autobiografia no Rio Foto: Christina Granato/Editora Record

E tem a história que o Tom Jobim ganhou até um crachá da Globo de tanto que ele ia visitá-lo...

Ele ia lá tomar um café, bater papo sobre outros assuntos, não necessariamente sobre música. O Tom era muito inteligente, um analista perfeito do ser humano. Era um grande psiquiatra. Então ele ia todo dia lá, pois morava em frente. Sempre precisava fazer registro, endereço, nome, aquela coisa toda. Aí ele falou assim: ‘você me dá um crachá?’. Eu disse: ‘Você não trabalha aqui, Tom. Se eu mandar um crachá para você, vou ter que te contratar’. Ele disse: ‘mas eu já trabalho para você, não precisa me contratar. Eu sou um prestador de serviço’ [Jobim compôs uma série de trilhas de novelas da Globo]. Aí demos um crachá para ele. Ele era absolutamente completo, o rei das harmonias, um pianista excepcional. Tom renovou a música popular.

E a briga com Chacrinha, como foi?

Foi uma briga de amigos. O Chacrinha vinha muito inseguro no processo do programa de domingo. Ele estava empatando, perdendo, ganhando do Flávio Cavalcanti [apresentador da extinta TV Tupi], então isso o levava a situações extremas de competição. Ele também foi costumeiramente atrasando o encerramento do programa e isso atrapalhava a entrada do filme que vinha em seguida. Então eu disse: ‘Chacrinha, tem que terminar no horário certo’, mas ele continuava a atrasar. Um dia, falei para o Jorge [Barbosa], diretor do programa e filho do Chacrinha: ‘manda o Chacrinha encerrar’ e o Jorge respondeu: ‘papai mandou dizer que só vai acabar o programa quando ele achar que deve terminar’. Fui lá e tirei pessoalmente o programa do ar. Achei que isso ia render uma conversa minha com o Chacrinha, que ele não ia mais me desobedecer. Mas então ele explodiu e disse: ‘ninguém tira o Chacrinha do ar’ e quebrou a estação inteira, o estúdio, e nem veio falar comigo. Muitos anos depois, a dona Florinda [esposa do Chacrinha], me pediu: ‘por favor, dá uma atenção ao meu velho’. Fui jantar na casa dela e conversar com o Chacrinha. Bolamos um novo programa aos sábados [Cassino do Chacrinha] e foram oito anos de pleno sucesso.

Qual novela mais o surpreendeu e qual mais o decepcionou durante todo o período na Globo?

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A que mais me surpreendeu foi Roque Santeiro, porque a novela já havia sido censurada 10 anos antes. Foi um sucesso absoluto. Deu audiência do primeiro dia ao último dia. Não teve nenhuma ‘barriga’, como nós chamamos no jargão da televisão. Foi uma mistura de humor com emoção e política, um modelo especial de novela. A que mais me decepcionou foi O Espelho Mágico, onde o Lauro César Muniz queria fazer uma homenagem aos artistas e à produção da televisão. Mas essa declaração de amor que ele pretendia fazer implicava mostrar os erros, as coisas erradas da televisão, a porta do cenário que cai, a fala que o cara deixou de falar. A novela foi um fracasso de audiência e a correspondência vinha reclamando que eles [telespectadores] queriam ver a novela, não os bastidores da novela. Então, é claro que nós cometemos um erro.

Por que as novelas de hoje não têm o mesmo apelo de antigamente?

A hora que eles quiserem me pagar para ir lá explicar como é que faz, eu volto. A minha ligação com a novela vem do rádio. E eu encontrei o Daniel Filho como companheiro fundamental para isso. Havia um grupo de pessoas que realmente conseguiu formatar o jeito brasileiro de fazer novela. Existe uma linguagem que é a maneira de se comunicar com o público. Novela é a arte de descobrir o que vai acontecer. Novela não é cinema.

Novela é a arte de descobrir o que vai acontecer. Novela não é cinema’

Do ponto de vista cultural, o senhor considera preocupante um programa como o ‘BBB’ liderar a audiência no Brasil?

Acho muito preocupante. Eu pessoalmente não gosto do BBB, mas reconheço que meu filho faz o melhor BBB do mundo. Prefiro um texto de Dostoievski, por exemplo. Eu sempre trouxe a cultura de fora para levantar o nível da cultura da televisão brasileira. Não acho que o BBB contribua para isso, mas ele estuda problemas do ser humano que interessam a uma classe social que identifica aquilo no participante do BBB. Se há consumo, é porque há algum interesse. Mas eu, se fosse programador, preferia não ter.

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Não gosto do BBB. Prefiro um texto de Dostoievski. Mas meu filho faz o melhor BBB do mundo”

Boni, ex-diretor da Globo

Sobre os telejornais, acha que o ‘Jornal Nacional’ ainda é muito sisudo? Terno e gravata, linguagem formal, etc... Está na hora de mudar o estilo?

Está na hora de o jornalismo de televisão dar um salto. Esse jornalismo de hoje, embora o pessoal da Globo o faça muito bem em matéria de conteúdo, do ponto de vista formal tem que mudar. Está na hora de ter mais imagens do que som. E as questões filosóficas que determinam o que você vai colocar na pauta têm que mudar. O mundo mudou, a sociedade mudou. A televisão tem que botar o pé no acelerador e fazer andar mais rápido tudo que ela faz.

A ‘obsessão pela perfeição’, um dos seus lemas, pode provocar um ambiente neurótico nas redações de TV?

Qualquer erro acaba criando outro erro. É como o mofo no queijo. O Sérgio Porto dizia que a televisão é “máquina de fazer doido”. Não se pode negligenciar nada. A comunicação não pode ter ruído. A qualidade do jornalismo, da dramaturgia, ficará prejudicada se o som não for detectado, se a luz não for perfeita. Então, a obsessão pela perfeição deve ser do ser humano. Não é da televisão, não é do rádio, nem nada. A obsessão pela perfeição não leva você à perfeição, mas o conceito de que tudo pode ser melhor leva você à perfeição. Admitimos o erro, mas não podemos admitir a repetição do erro.

No livro, o senhor conta que, se não fosse o Roberto Marinho, talvez o senhor não tivesse retornado de um depoimento no DOPS, durante a ditadura. Por quê?

Havia uma animosidade porque eu dava risada dos censores. Então, fui chamado para depor com muita gentileza, o que não era comum. Talvez tenha sido assim pela minha posição na empresa. Eles queriam saber por que eu ria. Eu ria pelo absurdo das colocações, era espontâneo. As ordens que eles davam [em relação às produções que sofriam censura] eram piadas. Eu não iria pedir para abolir a censura, mas que ela, pelo menos, tivesse diálogo para podermos discutir como é que trataríamos determinado assunto, tirar do ar, etc. Então, foi uma época dificílima, mas depois do depoimento me liberaram.

O senhor já comentou várias vezes sobre a simpatia de Roberto Marinho por Collor e sobre polêmica edição do debate Lula x Collor exibida no ‘JN’. Hoje, diria que a Globo está mais à esquerda ou à direita?

O dr. Roberto nunca infiltrou nada na Globo a favor do Collor. A simpatia dele era pessoal. Ele não nos impôs essa simpatia, tanto que a Globo de hoje impede a edição de qualquer debate. Ou ele vai na íntegra ou vai apenas em tópicos. A reedição é perigosa. (...) Acompanho o jornalismo da Globo, de altíssima qualidade, como acompanho da Band, da Cultura, da CNN, da ABC. Mas a redação da Globo, me parece, e falo como um mero espectador... Acho que o caminho da Globo é mais à esquerda. Ela foi tão pressionada pelo Collor que teve que festejar o Lula - que outrora tinha rejeitado. Então, sinto a Globo numa posição de equilíbrio, mas ligeiramente pendendo para a esquerda, porque o pessoal é muito anti-Bolsonaro. Não é nem a favor do Lula. Eu não conheço ninguém na direção da TV Globo que seja politicamente partidário do PT, nem do Lula. Mas sei que todo mundo tem uma resistência muito grande ao Bolsonaro.

José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, fotografado em 2015 Foto: Hélvio Romero/Estadão

A saída da Globo o magoou?

Não, essas coisas nós enxergamos de forma mais racional do que emocional depois de um certo tempo. O dono tem o direito de trocar as pessoas que ele quiser. Eu não fiquei magoado, mas eu acho que eu merecia um carinho, como aconteceu com o Walter Clark e o Joe Wallach [empresário norte-americano que supervisionou um investimento milionário na emissora]. Eu fui colocado de lado. Não me senti traído, me senti injustiçado.

Saíram algumas notas de que o senhor teria se aposentado da TV Vanguarda. Procede?

Essa aí é a nossa fake news, né? Ou má interpretação. O fato é o seguinte: é necessário que haja um representante permanente junto da Globo para discutir os problemas coletivos que envolvem todas as afiliadas. Também por conta da minha idade, nós nomeamos os dois mais jovens da Vanguarda, meu filho Bruno e o filho do Roberto Buzzoni [sócio], Reinaldo. Mas eu não vou sair tão cedo. Eu gosto muito da Vanguarda. Lá fazemos um trabalho que dá um resultado extraordinário para o espectador. Não vou me aposentar. Ninguém me aposenta.

Capa do livro 'O Lado B de Boni' Foto: Divulgação/Editora Bestseller

O Lado B de Boni

  • Autor: José Bonifácio de Oliveira Sobrinho
  • Editora: BestSeller (576 págs.; R$99,90; R$ 39,90 o e-book)
  • Lançamento: 20/8, na Livraria da Travessa do Shopping Iguatemi (Av. Brigadeiro Faria Lima, 2.232 - São Paulo)

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