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Opinião|Bonitão, Cid Moreira foi a cara do ‘Jornal Nacional’, narrou a Bíblia e compôs centenas de músicas

Um dos rostos mais conhecidos da emissora, Cid, com sua voz inconfundível, estava na bancada do Jornal Nacional na sua estreia, em 1969, mesmo época em que a emissora de Roberto Marinho se tornou líder de audiência

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Por Ricardo Feltrin

Cid Moreira ficou conhecido nacionalmente como âncora daquele que, por décadas, foi o mais importante e influente telejornal do País, o Jornal Nacional, da Globo. Ele morreu nesta quinta, 3, aos 97 anos, em Petrópolis, no Rio de Janeiro, onde morava. A causa mortis foi “falência múltipla de órgãos”, mas ele já passava por diálises havia anos.

Um dos rostos – e vozes – mais conhecidos do Brasil, Cid Moreira estreou no rádio em 1942, na cidade em que nasceu (Taubaté, interior de São Paulo). Tinha apenas 15 anos.

Ainda garoto, já tinha essa voz incomum, encorpada e inconfundível, que pode ser identificada por qualquer brasileiro, inclusive os jovens.

Cid Moreira se tornou um dos rostos mais conhecidos da TV Globo Foto: Cedoc/ TV Globo

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Em termos musicais, sua voz seria classificada como “baixo” – a mais grave e um degrau abaixo do barítono. Seu timbre caiu como um veludo no rádio, tanto para locuções como para os “merchans”.

Cinco anos depois do adolescente estrear na Difusora-AM de Taubaté, já era cobiçado por rádios das capitais. Recebeu de cara uma proposta irrecusável da então badalada Rede Bandeirantes. Mas nem a poderosa rádio conseguiu segurá-lo. Lembremos que estamos na era em que o rádio era “rei”.

Só que, assim que a TV brasileira começou a decolar, ele continuou despertando a cobiça de empresários de mídia.

Bonitão, foi levado pela nova plataforma e trabalhou nas extintas TV Rio (1956), TV Excelsior, TV Continental e na então incipiente Globo (todas em 1969).

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Aqui vale o registro: a Globo estreou em 1965 em quarto lugar na audiência no Brasil, atrás de Record Tupi e Excelsior. Porém, caiu nas graças dos militares graças à subserviência de seu dono, o empresário Roberto Marinho.

Com Sérgio Chapelin, uma das dupla que marcou a bancada do Jornal Nacional Foto: Tasso Marcelo/AE

Coincide que, quando Cid senta na primeira bancada do Jornal Nacional, no dia 1º de setembro de 1969, é quando a Rede Globo se torna a nova líder de Ibope.

Com ajuda militar para construir sua rede (via Embratel), com um jornalismo sabujo e chapa branca, aliados às novelas que caíram nas graças dos brasileiros, a emissora se isolou na liderança de público e dinheiro. Liderança que jamais perdeu nas 24 horas para nenhuma outra emissora – nem por um único dia sequer. Tampouco o JN deixou de ser líder, ainda que esteja completamente decadente e perdendo público a cada dia.

Cid Moreira e seu mais longevo parceiro, Sérgio Chapelin, que chegou à bancada em 1972, se transformaram compulsoriamente em porta-vozes da ditadura.

Também foi o porta-voz da Globo em sua longa batalha contra Leonel Brizola. Quando o político obteve na Justiça um direito de resposta contra a Globo, foi Cid quem leu a nota.

Naquela noite de 15 de março de 1994, essa lenda da TV fez algo tão subliminar que quase ninguém percebeu. Quando pronunciou o nome Leonel Brizola, na nota, Cid virou a boca um pouco para o lado esquerdo. Deu a impressão que se preparava para cuspir. Malévolo, sim, mas simplesmente genial.

Cid Moreira, a Bíblia e os filhos

Nos últimos anos, Cid teve problemas familiares que se tornaram públicos Foto: Fabio Motta/Estadão

Quando deixou a Globo, dedicou-se à sua maior paixão: a Bíblia.

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Mantive contato com Cid e sua adorável esposa, Fátima, nos últimos 10 anos, mais ou menos.

Acompanhei cada momento da triste destruição da reputação dela e do próprio Cid, pelos dois filhos que ele deixou (um deles, adotivo).

Nada curiosamente, nenhum se importou com o pai por décadas. O próprio me contou isso. Porém, quando os problemas de saúde dele começaram a aparecer, por volta de 2006, os filhos pródigos reapareceram “preocupadíssimos”.

Não obstante, foi Fátima que cuidou do marido por mais de 20 anos - na alegria e na tristeza, na saúde e na doença. Mas acabou achincalhada pelos enteados.

Foi chamada de oportunista, aproveitadora, interesseira e canalha, publicamente. Fizeram isso em rede nacional, e mais de uma vez. Acusaram-na de desviar dinheiro do “pai querido” para sua própria conta.

A guerra judicial começou quando o filho Rodrigo processou o pai por danos morais. Rodrigo teve uma irmã, Jaciara. Ela teve um filho, Alexandre. O neto de Cid morreu em 1996 num trágico acidente de carro. Fumante compulsiva, Jaciara morreu em 2020, de enfisema pulmonar.

Somente Roger, o filho adotivo, processou o pai e sua esposa 5 vezes. Perdeu todos os processos, mas não desistiu até hoje.

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Ambos os filhos tentaram Cid sob a acusação de ser senil e incapaz, entre outras ofensas.

Dois anos atrás, o eterno âncora do JN desabafou em público, pela primeira vez: “Adotar esse rapaz foi a pior coisa que fiz na vida”.

Ele chegou a entrar com uma ação para deserdá-lo, e registrou a deserção em seu testamento. Porém, a Justiça tem muito mais para decidir.

Não preciso ser vidente para dizer exatamente o que vai acontecer a partir de agora. Começa hoje mais uma guerra pública pela herança de uma celebridade – estimada em cerca de R$ 40 milhões. Segundo Fátima, é muito menor que isso.

Para quem não sabe, ele também foi um compositor prolífico.

Segundo o Ecad (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição), ele deixou 467 composições e 207 gravações registradas para a posteridade. Segundo a lei 9.610/98, seus herdeiros terão direito a receber os royalties por essa obra pelos próximos 70 anos.

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Espera-se que até lá a guerra pela herança já tenha chegado ao fim. E que ele possa finalmente dormir em paz.

“Boa noite”, Cid.

Opinião por Ricardo Feltrin

Jornalista especializado em mídia

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