Brasil em luto coletivo por Paulo Gustavo, que morreu em decorrência da covid-19

Chorar, sentir raiva ou cansaço: acolher e legitimar a dor é importante

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Sabe aquela sensação de que o artista é praticamente da família? Por vezes, rimos e até conversamos com ele, enquanto aparece em um filme, uma série ou uma novela. Assim é a relação de um fã com seu ídolo. Se distanciar do sentimento de perda quando estamos diante da morte, inclusive em relação àqueles que nunca vimos pessoalmente, é praticamente impossível. É assim com a perda de Paulo Gustavo, que morreu em decorrência de complicações da covid-19 nesta terça-feira, 4. “Eu gostava tanto dele! Parece que se foi um membro da família. Quando vi na TV não deu pra conter as lágrimas”, declara Adriana Pelege, que é auxiliar administrativa.

A psicóloga Juliana Guimarães ressalta que o ator era uma figura de muita relevância, representava resistência, aceitação e amor. Além disso, na análise da especialista em luto, Paulo Gustavo deu uma contribuição importante em tempos de pandemia: o humor. “É uma ferramenta que tem sido fundamental nesse momento que estamos vivendo, de tantas dores, em que esse coletivo já está tão machucado pelo contexto de perdas. Também sentimos a perda em relação às suas obras. É muito comum as pessoas falarem: ‘Nossa, não o conhecia pessoalmente, mas estou sofrendo como se fosse alguém da família’. E, simbolicamente, é. São histórias que ele contou, filmes que participou, coisas que falou e que tocam nossas vidas direta e verdadeiramente”, afirma.

Paulo Gustavo precisou ser intubado no dia 21 de março por complicações da covid-19 Foto: Instagram / @paulogustavo31

O psicanalista Leonardo Goldberg, doutor em Psicologia pela USP, avalia que esse luto desfaz toda a fragmentação social do País e torna a dor coletiva. “O Brasil inteiro conhece os muitos Paulos que se foram: a mãezona Dona Hermínia, o malandro Valdomiro, o descontraído Aníbal. Perdemos, além de um sujeito com o qual era fácil se admirar e se identificar, que era pai, mãe, amante, amado, que abrigava sua família visivelmente pela via do amor, um pedaço de nossas pequenas histórias, do riso que produz intimidade entre o ator e o público e dos compartilhamentos gerados por isso”, ressalta. A jornalista Camila Mattos se sentiu tão mal diante da morte de Paulo Gustavo e as notícias relacionadas ao aumento de casos de infecções por coronavírus que decidiu chamar as amigas para um encontro virtual. “Que tempos difíceis estamos vivendo, né? A morte do Paulo Gustavo, pandemia e a chacina na escola em Santa Catarina me deixaram muito deprimida. Estamos há tanto tempo em casa. Sei que a rotina toma muito do nosso tempo, mas acho bacana esse tempinho pra gente”, afirma. O fato de muita gente buscar justificativas para a morte diante da covid-19, como comorbidades ou idade avançada, parece não fazer sentido. Antes de contrair o vírus, Paulo Gustavo estava sadio, aos 42 anos. “Quando a morte se apresenta através de um desastre e, portanto, a admitimos como um “acidente” de percurso, a primeira coisa que a população faz é uma equação que calcula diferenças entre o falecido e nós mesmos: comorbidades, probabilidades, descuidos. Quando um sujeito novo, saudável, produtivo e alegre se vai, isso desmonta toda nossa equação e emite um alerta: há um incontrolável da pandemia que coloca todos em risco e nossa única opção é acolher os alertas da ciência diante disso”, considera Leonardo Goldberg. A comoção entre os brasileiros começou no instante em que Paulo Gustavo deu entrada na UTI por causa da covid-19, em março. Ele intubado, recebeu um ‘pulmão artificial’ e, a cada boletim médico otimista que era divulgado, a esperança surgia. Não foram poucas as ações nas redes sociais que pediam orações. O mesmo ocorre agora após a morte do artista. “Devido ao distanciamento social, os ritos fúnebres presenciais são evitados, as homenagens e toda escrita para e sobre os mortos pode confortar os vivos através do compartilhamento de lembranças e afetos”, concluiu Leonardo Goldberg, autor do livro Das Tumbas às Redes Sociais. Para tentar aliviar a dor dos brasileiros, a psicóloga Juliana Guimarães enfatiza que é preciso acolher os sentimentos e dar voz às emoções: “Use as redes de apoio possíveis nesse momento. O luto coletivo também traz uma sensação de pertencimento. Não estamos sozinhos. Pode chorar, sentir raiva, cansaço, tudo o que uma experiência de dor nos traz”.

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