O jornalista e apresentador Cid Moreira morreu na manhã de quinta-feira, 3. Ele tinha 97 anos. Um dos rostos - e vozes - mais conhecidos da televisão brasileira, ele estava internado no Hospital Santa Teresa, em Petrópolis.
A causa da morte de Cid Moreira foi falência múltipla de órgãos após quadro de pneumonia.
O jornalista enfrentava problemas nos rins, e já fazia diálise com frequência, segundo Fátima Sampaio, a viúva de Cid Moreira. Em entrevista nesta manhã ao programa Encontro, de Patrícia Poeta, ela comentou sobre os últimos dias com o marido: “Mudamos para perto do hospital quando ele começou a fazer a diálise. Não contei para ninguém para ter o direito como ser humano de privacidade”.
Também ao programa, o médico Nélio Gomes Júnior, que cuidou do jornalista, explicou: “Ele chegou com um quadro de insuficiência renal crônica, com tratamento dialítico [...] Ele apresentou um quadro de peritonite, associado a uma infecção urinária”. Ainda segundo o médico, Cid Moreira tinha atrofia muscular e sofreu complicações por causa de uma trombose venosa nos membros inferiores.
“Infelizmente, é um paciente de 97 anos, com múltiplas comorbidades, que acaba evoluindo para uma falência de múltiplos órgãos”, finalizou.
Fátima explicou também que Cid Moreira pediu para que seu corpo fosse enterrado em Taubaté: “Ele quer ficar perto da primeira esposa e do filho que se foi. Ele ama Petrópolis, então vamos fazer uma despedida em Petrópolis, e outra no Rio”.
A história de Cid Moreira
Nascido em 29 de setembro de 1927, Cid Moreira começou a trabalhar ainda na adolescência. Pretendia ser contador na Rádio Difusora de Taubaté, mas sua voz bonita chamou a atenção e acabou sendo remanejado à função de locutor. Certa vez, um correspondente da Rádio Bandeirantes que cobria o Vale do Paraíba ficou afônico e foi substituído por Cid. Na sequência, foi convidado pelo diretor da emissora, e passou dois anos na nova casa, antes de migrar para a Mayrink Veiga, no Rio de Janeiro.
Além das locuções, emprestava também sua voz a comerciais e cinejornais, como o histórico Canal 100: “Na época a TV estava engatinhando. O Canal 100 já focalizava e filmava os jogadores em close. Isso marcou muito, foi um jornal de cinema maravilhoso”. Teve uma breve passagem pelo teatro na década de 1960, como narrador da peça Como Vencer na Vida Sem Fazer Força, estrelada por Moacyr Franco e Marília Pêra.
Na televisão, começou como um dos apresentadores do Jornal de Vanguarda, da TV Excelsior. Passou ainda pela TV Rio, antigo canal 13, em que ficou até chegar à Globo em maio de 1969. À época, antes da criação do Jornal Nacional, o principal telejornal da emissora chamava-se Jornal da Globo. Em 2018, relembrou ao Estadão as circunstâncias de sua chegada: “Luiz Jatobá, que era o apresentador, deu a opinião dele no ar”.
“Na época, houve um atropelamento na Lagoa e nenhum hospital queria assumir o atendimento do acidentado. Em primeira mão, falou-se que foi determinado hospital, mas, no dia seguinte, foi constatado que o hospital responsável não seria aquele que foi dito no jornal. Então, continuando a matéria no dia seguinte, ele “desdisse aquilo”: ‘Não foi o hospital’, e tal. No final falou assim: ‘Mas eu não estou de acordo. Boa noite’. Alguns dias depois eu estava no lugar dele, e ele no meu lugar”, continuou.
Cid Moreira no Jornal Nacional
Meses depois, em setembro, estreou o Jornal Nacional. Em 2019, Cid relembrou como foi a primeira edição do programa: “Para dizer a verdade, eu não estava ansioso na época, não. Eu e o Hilton Gomes estávamos apresentando, há uns quatro meses, o Jornal da Globo, então tínhamos uma certa tarimba. A novidade era o aumento do público, que deixaria de ser só do Rio de Janeiro. A apreensão maior era dos técnicos, que recebiam e enviavam as imagens através de links nessa nova etapa do jornal.”
“Na época, o Repórter Esso era sinônimo de notícia, o jornal mais famoso na época. Então quando o Jornal Nacional começou a ser visto, eu senti isso. Eu era apontado na rua: ‘Olha lá, o Repórter Esso!’”, relembrava, sobre o momento em que começou a se dar conta do sucesso da atração.
Cid Moreira deu seu “boa noite” cerca de 8 mil vezes à frente do Jornal Nacional - o último deles uma participação especial em breve homenagem aos 50 anos da Rede Globo, em 2015. O apresentador se orgulhava de uma citação no Guinness Book, o Livro dos Recordes, como quem ficou mais tempo à frente de um telejornal, em torno de 27 anos.
Em 1996, quando fazia parceria com Sérgio Chapelin, foi substituído pela dupla William Bonner e Lillian Witte Fibe.
Voz do principal telejornal do País à época da ditadura militar (1964-1985), costumava fugir das polêmicas: “Sou apolítico, detesto política. Eu só chegava à emissora para ler o jornal, não era o editor. Apenas o apresentador”. Em 1994, leu tanto um editorial da emissora contrário ao então governador fluminense, Leonel Brizola, quanto o direito de resposta adquirido pelo político na Justiça.
Foi de sua época de Jornal Nacional uma história curiosa com ares de lenda foi confirmada pelo próprio décadas depois: a de que teria apresentado uma edição usando uma bermuda em baixo do paletó. Segundo relatava, o fato ocorreu num sábado de carnaval, quando estava jogando tênis - esporte que praticou até beirar os 90 anos, época em sofreu uma queda ao perder o equilíbrio durante a prática - em Petrópolis. O telejornal começava por volta das 20h, e Cid costumava chegar à Globo quatro horas antes. “Foi uma vez só [que apresentei de bermuda]. Eu estava na minha casa na serra, desci e fui ‘engolido’ por uma tempestade, que atrasou a minha viagem. Não pude passar em casa para me compor para o Jornal Nacional, mas tinha lá [no estúdio] um paletó, camisa e gravata. Aí fui correndo. O Léo Batista já estava sentado na bancada, e a Alice Maria roendo as unhas. Acabei de dar o nó da gravata e... ‘No ar’. Até hoje eu tenho pesadelos [com essa situação]”, relembrou ao Altas Horas em 2014. Ele também falou sobre o episódio e repetiu o figurino em entrevista à Patrícia Poeta quando completou 96 anos.
Após sair da frente das câmeras no Jornal Nacional, continuou fazendo diversas locuções para a Globo. Entre as mais marcantes, as do quadro do mágico Mister M., no início dos anos 2000, e o grito de “Jabulani!” nas vinhetas esportivas sobre a bola da Copa do Mundo de 2010.
Desde o fim dos anos 1990, também cedeu sua voz à leitura do Novo Testamento. Os discos fizeram sucesso e nas décadas seguintes Cid Moreira seguiu fazendo inúmeros trabalhos voltados à religião cristã e à leitura da Bíblia.
Mais recentemente, buscou modernizar suas atividades, criando perfis nas redes sociais, com centenas de milhares de seguidores. Em 2020, por exemplo, lançou o podcast ‘Bom Dia, Cid Moreira’, na plataforma Deezer, e fez parte de uma rádio online, a Conhecer, com programas em que lia crônicas, poemas e trechos da Bíblia.
Sua vida foi tema do documentário Boa Noite, da diretora Clarice Saliby, exibido no festival É Tudo Verdade em 2020. Aproximando-se mais a um perfil do que a uma biografia, a produção focava em mostrar imagens de arquivo mescladas a falas do próprio Cid Moreira em sua casa, já com mais de 90 anos.
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