Clima extremo do planeta ameaça até a sobrevivência de ‘Survivor’, o maior reality de desafios da TV

Sucesso na televisão mundial, juntamente com o também conhecido ‘The Amazing Race’, enfrenta o dilema de lidar com as mudanças climáticas, a globalização e outras mudanças sísmicas em ilhas remotas

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Por Calum Marsh

Desde sua estreia em 2000, Survivor, o reality show de sucesso da CBS, foi filmado em todo o mundo, cada temporada numa ilha exótica diferente: Pulau Tiga, na Malásia, Ko Tarutao, na Tailândia, Efate, em Vanuatu e muitas, muitas mais.

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Mas, mais ou menos uma década atrás, Jeff Probst, o apresentador e produtor executivo, fez uma constatação alarmante. O crescimento da população dificultava encontrar ilhas remotas sem ninguém nelas. O clima extremo, com aumento do calor e tempestades mais intensas, deixava as filmagens mais perigosas. E a crescente agitação política estava deixando mais difícil trabalhar com certos governos ou em países que já não pareciam seguros.

“Quando começamos, lá no ano 2000, havia muitos lugares disponíveis no mundo”, disse Probst em entrevista por telefone.

“Mas, com o passar dos anos, começando por volta de 2012, 2013, ficou claro que estávamos ficando sem lugares para filmar”.

Tanto Survivor quanto sua série irmã, a competição de aventura mundial The Amazing Race, têm sido grandes sucessos na CBS por quase duas décadas. Ambos continuam atraindo um público considerável: a estreia da 45ª temporada de Survivor e a estreia da 35ª temporada de The Amazing Race em setembro passado, exibidas em sequência na noite de quarta-feira, foram os programas mais transmitidos na Paramount+ naquela noite, de acordo com para a rede.

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Survivor também superou America’s Got Talent, da NBC. Mas, ainda que a popularidade desses programas tenha perdurado, produzi-los continua sendo um desafio extraordinário – especialmente porque o mundo ao redor continua mudando.

'Survivor' resolveu o problema de localização: o programa foi ambientado nas Ilhas Mamanuca, em Fiji, por muitas temporadas. Foto: Robert Voets/CBS

“Nosso programa é uma cápsula do tempo, são mais de 20 anos vendo o mundo crescer”, disse Elise Doganieri , uma das criadoras e produtoras executivas de The Amazing Race ao lado de seu marido, Bertram van Munster.

The Amazing Race desafia times de competidores a traçar extensos percursos internacionais que os levam de um local distante a outro. E muitas das cidades que apareceram na série quando ela estreou em 2001 se transformaram ao longo dos anos. “Voltamos a lugares onde já estivemos, mas o mundo evoluiu e cresceu muito, e a paisagem realmente mudou”.

Desde então, paisagens remotas onde a equipe podia filmar com pouca interferência foram desenvolvidas, e os locais estão mais ligados ao resto do mundo. Quando The Amazing Race visitou Dubai no início dos anos 2000, lembrou Doganieri, a cidade ainda era uma vasta paisagem desértica onde “tudo era velho, com dhows e barcos de madeira”. Hoje, claro, “é exatamente o oposto: uma cidade futurista e ultramoderna”.

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De certa forma, disse Doganieri, fazer um programa como The Amazing Race ficou mais fácil com o tempo: o avanço da tecnologia de câmeras e celulares simplificou aspectos da produção, e a prospecção de locais, que costumava ser feita com fotografia, agora pode ser feita com vídeo.

"The Amazing Race" começou a 35ª temporada no letreiro de Hollywood Foto: Nicolas Axelrod/CBS

Outras mudanças são mais desafiadoras. Tal como acontece com Survivor, as mudanças climáticas começaram a afetar a forma como The Amazing Race é feito, com calor extremo e tempestades tropicais por vezes interferindo na produção. “O clima causou uma grande mudança na maneira como viajamos”, disse Doganieri. “Agora temos mais tempestades, especialmente na Ásia, e passamos por atrasos e cancelamentos de voos que atrapalham o cronograma”.

As altas temperaturas no verão deixaram a filmagem dos elementos da competição mais complicada tanto para os competidores quanto para a equipe. “Prospectamos a Ásia nos primeiros episódios. Estava quente quando fizemos o reconhecimento do local em abril. Quando filmamos, fazia 32, 35 graus”.

Embora Doganieri tenha dito que a produção está preparada para o “insuportavelmente quente”, com “bebidas eletrolíticas, lanches, água, qualquer coisa para manter a hidratação”, ela admite que “está difícil” encarar verões cada vez mais implacáveis. “A maior parte do nosso show é filmada ao ar livre, então realmente afeta as pessoas”, disse ela. “A gente tem que prestar atenção nisso”.

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Survivor resolveu seu problema de prospecção se estabelecendo em um único cenário: o show se passa nas Ilhas Mamanuca, em Fiji, desde a 33ª temporada. As temporadas anteriores se destacavam principalmente pela localização, com títulos como Survivor: Panamá e Survivor: China atraindo o público com o apelo de um novo lugar intrigante. Filmar em Fiji eliminou essa novidade, mas Probst insiste que não era uma característica significante. “Não importa onde a gente filme, desde que seja uma selva de verdade”, disse ele.

“Não dá para ver Fiji”, disse Drea Wheeler, uma ex-concorrente. “Você só está lá numa ilha. E está sofrendo. E está quente. E chove. É terrível”.

“O verdadeiro desafio”, disse Rob Cesternino, duas vezes participante do Survivor que competiu no Panamá e no Brasil, “é manter o programa interessante com novas ideias a cada temporada, sem mudar de local”.

Nos últimos anos, Survivor tentou misturar as coisas criando conceitos como “Davi vs. Golias”, em que “oprimidos” competem contra “alfas”, ou “vencedores na guerra”, que contou com o retorno de 20 vencedores de edições passadas. Embora nem todos esses conceitos tenham se saído bem, Probst disse que preferia “que o programa acabasse por causa de uma ideia ruim do que desaparecesse por causa do tédio”.

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Nos últimos anos, 'Survivor' tem tentado misturar as coisas, criando conceitos abrangentes Foto: Jeffrey R. Staab/CBS

Probst também disse que filmar em Fiji liberou os produtores para passarem mais tempo trabalhando nessas ideias, simplesmente porque o cenário estático “deixou tudo mais simples”. A equipe internacional de 300 pessoas, que também comanda uma vasta infraestrutura – até mesmo 40 barcos e um helicóptero –, agora sabe o que esperar do cenário a cada temporada, eliminando parte da imprevisibilidade ambiental que poderia fazer da produção de Survivor um empreendimento mais arriscado.

O número de opções para a produção só diminuiu à medida que o tempo passou e o clima mudou. E eles nem podiam mais voltar a certos locais depois de deixá-los.

“Muitos dos lugares que visitamos no passado ficaram famosos por causa do Survivor e, depois que fomos embora, alguém construiu um resort na ilha”,

disse Probst.

“Ficou mais difícil encontrar ilhas remotas simplesmente porque tem mais gente no planeta. As tempestades ficaram mais intensas, não tinha como negar – já conhecíamos o lugar e não era assim antes. E ficou menos desejável visitar lugares onde aconteciam coisas políticas que nos deixavam inseguros ou das quais não queríamos fazer parte”. Diante dessas considerações, fazia mais sentido ficar em Fiji, completou.

“Acho que, em muitos aspectos, foi a resposta para um problema que estava se aproximando rapidamente”, disse ele.

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'The Amazing Race' em Lijiang, China, em 2011. A mudança das preocupações geopolíticas restringiu o escopo de onde a equipe pode ir agora Foto: Robert Voets/CBS

Este artigo foi publicado originalmente no New York Times.

/ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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