Nesta segunda, 25, Elas por Elas entra no ar para substituir Amor Perfeito na faixa das 18h da Globo. Quem tem mais de 40 anos já ouviu esse título, exibido em 1982. E se não estiver lembrado, com certeza terá a memória refrescada quando ouvir o nome Mário Fofoca. A volta do folhetim, originalmente escrito por Cassiano Gabus Mendes, é mais uma aposta da emissora em remakes - em vez do investimento em uma obra original.
A trama de Elas por Elas gira em torno da história de sete mulheres: Lara (Deborah Secco), Taís (Késia), Helena (Isabel Teixeira), Adriana (Thalita Carauta), Renée (Maria Clara Spinelli), Natália (Mariana Santos) e Carol (Karine Teles), colegas que não se veem há 25 anos. Após encontrar uma foto antiga das amigas, Lara é tomada por saudosismo e consegue marcar um reencontro. No entanto, lembranças do passado e coincidências do presente – de um caso extraconjugal a um desaparecimento suspeito – surgem, afetando a vida de todas do grupo.
Por que fazer um remake?
Os motivos aventados são muitos, desde o apelo nostálgico ao telespectador à opção por colocar um clássico no ar com melhor qualidade de imagem do que no passado. Fala-se também em remakes como saída para a crise financeira, corrida contra o streaming, além de uma saída a um possível medo da emissora de arriscar em novas histórias de autores mais jovens.
A mensagem da empresa é outra. “Quem acompanha a história da dramaturgia da Globo sabe que remakes são uma tradição. E um remake só acontece se tivermos uma boa história, um sucesso que marcou época, algo para reviver. O público ama, nós também”, comenta José Luiz Villamarim, diretor de gênero de dramaturgia da Globo.
Quem também não vê tanto drama assim na opção por releituras é Leonardo Di Marino Azevedo, doutor em Comunicação Audiovisual pela Universidade Complutense de Madri. Azevedo diz não acreditar na ideia de crise, o que chama de falácia. “Não podemos cair na falácia do discurso que a telenovela está em crise, pois ao contrário do que se pensa está crescendo cada vez mais: Netflix, HBO e outras plataformas digitais estão se dedicando à produção e exibição desse produto”, explica.
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Ele também diz que a aposta numa releitura é uma escolha menos arriscada na hora de disputar com tantas histórias chegando às casas dos brasileiros, inclusive nos serviços de streaming, sejam elas nacionais ou importadas. “A concorrência está cada vez mais acirrada e, claro, um remake ganha na hora de competir com essas novas plataformas. O público prefere isso a uma obra original, pois já sabe que a narrativa é boa, e fica na dúvida com relação à original”, continua.
A questão das obras originais contrapostas às releituras é extensa e envolve diversas escolhas da emissora. Desde a aposta, como dito acima, na nostalgia e na certeza de levar uma história que já foi consagrada ao ar, novamente, em melhor qualidade, até mesmo nas possibilidades de adaptação daquela história ao nosso momento atual. E Villamarim descarta que o problema esteja nos novos autores.
“Nossos sucessos recentes só reforçam a excelência e o quanto acreditamos em nosso time de autores. E é esse mesmo time que faz nossas releituras. Elas por Elas, por exemplo, chegou como sugestão dos próprios autores (Alessandro Marson e Thereza Falcão), profissionais com muitos sucessos no currículo, que criaram uma releitura tão boa e muitíssimo atual”, explica o diretor. “Há anos investimos em nossos times de autores, inclusive com projetos para dar espaço para novos talentos. O novo sempre terá espaço na Globo. Seja com histórias de grande sucesso, que chegam através de releituras, seja com produções novas”, pontua.
Este ponto ainda causa dúvidas, afinal de contas a emissora tem feito escolhas arriscadas e revisto outras. Todas as Flores, por exemplo, sucesso de João Emanuel Carneiro no Globoplay, estava prevista para a faixa das 21h e foi “rebaixada” para o streaming. Diante da explosão de audiência, chegando a ficar entre os conteúdos mais vistos da plataforma, a novela ganhou uma exibição na faixa móvel das 22h.
Recentemente, um projeto de Lícia Manzo, autora de tramas como A Vida da Gente e Sete Vidas (ambas exibidas às 18h), teve seu projeto O País de Alice, que substituiria Elas por Elas, engavetado. O motivo, não confirmado pela empresa, seria o risco de baixa adesão do público às narrativas mais lentas e rica em diálogos da autora, que também não se empolgou tanto com sua última produção, Um Lugar ao Sol, sua estreia na faixa das 21h.
A novela, que foi ao ar durante a pandemia, não teve a possibilidade de corrigir os problemas ao longo da exibição, pois foi totalmente gravada antes de ser exibida. Em contraponto, novelas recentes como Vai Na Fé e Mar do Sertão mostraram que obras originais ainda são capazes de fazer sucesso.
Adaptação ao nosso tempo
Há quem defenda que a aposta em um remake é garantia de sucesso. Não é exatamente assim. Apesar da história já ter sido contada, a nova novela das 18h é uma releitura, isso significa que a trama será adaptada aos nossos dias atuais e isso não garante que quem for acompanhar a nova produção vai aderir de cara aos novos atores e atrizes, à forma de contar a história, ao olhar dos novos autores e da nova direção. Pode até já ter sido contada, mas tem muita novidade.
“Trazemos alguns alinhamentos com essas sete personagens femininas. Acredito que o maior é a personagem da Renée (Maria Clara Spinelli) que é uma mulher trans (corresponde a Carmem, vivida por Maria Helena Dias, que no passado ainda não tinha feito a sua transição) e também nossas opções de elenco por mulheres negras, como Talita Carauta (Adriana), que na primeira versão era Esther Góes e Késia (Taís) fazendo o papel que era da Sandra Bréa”, explica Thereza.
As adaptações, obviamente, conversam com os novos tempos da teledramaturgia. Além de um elenco racialmente mais diverso, as tramas dessas mulheres serão revisadas. Não é só a busca pelo amor que importa. “Elas hoje são mulheres multitarefas, ao contrário das mulheres dos anos 1980″, comenta a autora.
“Vemos essas atualizações como extremamente necessárias porque o mundo hoje é outro. A história é a mesma, mas a forma de contar é outra”, complementa Alessandro. Um dos aspectos da trama que se tornou diferente, por exemplo, é o da troca de bebês, cuja solução não foi revelada pelos autores. “Tivemos que dar uma grande volta porque hoje é impossível uma mãe não saber o sexo da criança que ela estava esperando. E colocar isso em duas mães fica realmente muito inverossímil”, continua Alessandro.
“Sempre sonhei em fazer esse remake porque é uma novela com a qual tenho uma ligação afetiva muito forte. Foi a primeira novela que acompanhei e me lembro de ter assistido”, conta Alessandro. A ideia de fazer uma releitura partiu dele, que se juntou a Thereza. “Mas pelo Cassinho (Cassio Gabus Mendes, filho do autor da obra original), estamos no caminho certo”, brinca, lembrando da aprovação do ator.
A volta de um ícone
A tarefa de reescrever uma obra como Elas por Elas, de autoria de um autor tão consagrado como Cassiano Gabus Mendes, é um desafio, decerto. No entanto, facilitado pela escolha de um elenco de peso. Além das atrizes já citadas (Talita, Késia e Maria Clara), completam o grupo de sete amigas: Deborah Secco (Lara), Isabel Teixeira (Helena), Mariana Santos (Natália) e Karine Teles (Carol).
Outro destaque é a escolha de Lázaro Ramos para fazer o papel do icônico detetive Mário Fofoca, vivido na primeira versão por Luis Gustavo. Lázaro agora tem um desafio nas mãos: fazer seu primeiro remake revivendo um personagem clássico. Mário surgiu em Elas por Elas (1982), ganhou filme, série, apareceu em Sai de Baixo (encarnado pelo próprio Luis Gustavo, que vivia Vavá no dominical) e na releitura de Ti Ti Ti, escrita por Maria Adelaide Amaral, em 2010.
“Sempre neguei personagens que já tinham sido feitos antes, mas quando chegou Mário, quis muito fazer”, conta o ator. “Eu me identifico muito com ele, esse adulto lúdico, curioso, criativo, que tem um elemento de identificação grande com o povo brasileiro”, continua.
Afastado das novelas desde Geração Brasil (2014), Lázaro conta que já tinha assistido às cenas de Luis Gustavo fazendo Mário enquanto criava Foguinho, seu personagem em Cobras e Lagartos (2006). “Em algum momento o Mário passou por mim e eu falei: ‘olha, que legal esse caminho que Luis está fazendo’. Quando o personagem chegou, fui entender como habitar essa encarnação de Mário”, diz.
“O texto é muito bom. Tem um tipo de raciocínio, piada, que já te conduz, com as provocações da Amora (Mautner, que assina a direção). Fui me sentindo à vontade para ser coautor, estou fazendo e entendendo ele”, complementa.
Em tempos de exposição nas redes sociais, tudo sendo registrado em fotos e vídeos, o tempo inteiro, Lázaro defende os métodos ortodoxos do personagem. “O Mario Fofoca vive na era digital, mas ainda é analógico, apesar de todos os recursos que tem. Usa o celular com um pau de selfie, gosta tanto de investigar que ele faz o caminho mais longo possível, demora porque ele tem prazer. Ainda usa disfarces, faz uns interrogatórios bastante esquisitos”, brinca Lázaro.
O ator, que também desenvolveu, nos últimos anos, trabalhos como apresentador, diretor, escreveu livros e atuou em filmes e séries, é daqueles que não param nunca. No entanto, ele conta que usa seus trabalhos em novelas para dar uma “ajustada” na vida.
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“Novela é um trabalho exaustivo, a gente grava muito, tem muito texto para decorar e inevitavelmente o personagem influencia minha vida”, pontua. “Essa já me trouxe ajustes, estou cuidando mais da saúde e da alimentação. Amora fez uma provocação que os personagens sempre estão em ação, estamos brincando com alguns recursos de palhaçaria, de teatro, eu já me sinto mais leve no meu dia a dia”, conclui.
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