Monique Gardenberg teve um momento de nostalgia em janeiro do ano passado. A produtora e cineasta decidiu rever Fina Estampa, o show de Caetano Veloso que ela dirigiu e que foi exibido na HBO. “Fiquei morrendo de saudade de coisas bem-produzidas, musicalmente ricas”, disse ela em entrevista ao Estadão. Ela também sentiu falta dos shows 1.º de Maio, liderados por Chico Buarque, que ela ajudou a organizar quando era estudante. “Comecei a sonhar com uma nova união da música brasileira, em torno de 2022, um ano determinante para a gente e que também marca o centenário da Semana de Arte Moderna”, afirmou a diretora. Assim nasceu 2022, especial em dois atos que entra no ar nesta sexta, 11, na HBO Max, com participação de alguns dos maiores artistas da música brasileira, como Chico Buarque, Caetano, Gilberto Gil, Gal Costa, Racionais MC’s, entre muitos outros.
“De cara eu tive essa ideia de que esse show seria uma reflexão sobre o Brasil”, disse Gardenberg. Mas era o auge da pandemia, e ela ligou para seus cocuradores Hermano Vianna e Lourenço Rebetez para checar se fazia sentido. “Achamos que ela estava louca, sim”, disse Vianna, rindo. “Como pensar em um show grande naquele momento? Mas eu estava muito necessitado de alguma animação, porque estava tão difícil pensar em qualquer possibilidade de alegria, de reflexão. Parecia que estava tudo dando errado.” Com o centenário da Semana de Arte Moderna, o bicentenário da independência e as eleições presidenciais, parecia ser um momento ideal para refletir. “A gente precisa pensar o que quer do Brasil. E ver que o Brasil dá certo, sim. Olha só a nossa música.”
Os três recrutaram outros especialistas para criar listas de músicas. “Queríamos canções que nos lembrassem do que podemos ser”, disse Rebetez. “Existe um sentimento na sociedade de que nascer no Brasil é um acidente. Há uma coisa que irradia de uma certa elite, do sou brasileiro, mas tenho passaporte europeu, estudo em escola americana. Essa crise de identidade, a música brasileira nunca teve. Nas canções, o Brasil soube se inventar. Neste momento de tantos desafios, queríamos olhar para canções que apontassem possibilidades, não só nas letras, mas na maneira de cantar, tocar.”
Não se trata de uma lista de canções favoritas, nem das melhores músicas do último século, portanto. Estão lá no Ato 1 Da Lama ao Caos, de Chico Science, interpretada por Paralamas do Sucesso, Arnaldo Antunes e Nação Zumbi; Um Índio, que Caetano Veloso canta com o rapper Owerá; Negro Drama, dos Racionais MC’s; Rap da Felicidade, de Julinho Rasta e Katia, na voz de Ludmilla; Conselho, de Adilson Bispo e Zé Roberto, que promoveu o encontro de Zeca Pagodinho, Martinho da Vila e Mosquito; e Imagina, de Chico Buarque e Tom Jobim, em versão de Chico e Mônica Salmaso, entre outras. O Ato 2 traz Construção, também de Chico Buarque, com Criolo e Emicida; De Onde Vem o Baião, de Gilberto Gil, no dueto dele com Duda Beat; Vapor Barato, de Waly Salomão e Jards Macalé, cantada por Gal Costa; Chão da Praça, de Junior, Fausto Nilo Costa e Antônio Carlos de Moraes, na versão de Luiz Caldas, Pepeu Gomes e Davi Moraes; Mulher do Fim do Mundo, de Rômulo Fróes e Alice Coutinho, com Elza Soares e Renegado, entre outras.
Ao todo, são 23 números musicais, com cenários criados por Daniela Thomas a partir de obras de artistas plásticos como Denilson Baniwa, Maxwell Alexandre, Thiago Martins de Melo, Vânia Mignone. “Em outro momento do país, seria impossível reunir essas pessoas”, disse Felipe Hirsch, codiretor de 2022 com Gardenberg. “Todos aqueles artistas que estavam ali estavam com vontade de dizer aquelas coisas neste momento.”
Gardenberg, Hirsch, Vianna e Rebetez afirmam que, além da dimensão artística, há uma face política no especial. “Não daria para não ter”, disse Gardenberg. “Mas uma das coisas que nós discutimos muito é que não seria pelo discurso que a gente conseguiria tocar as pessoas.” Rebetez completou. “A gente está em um colapso da racionalidade”, disse, citando as pessoas que não acreditam na vacina contra a covid-19 ou que a Terra é redonda. “Mas a gente achou que tinha a ver dar uma resposta em outro registro, do sentimento. Uma resposta poética.”
São as músicas que falam. Hirsch espera que a emoção por esses encontros e pelas canções desperte sentimentos realmente patrióticos. Ele cita o verso de Olavo Bilac “És a um tempo esplendor e sepultura” para explicar. “A música é um lugar onde o Brasil é esplendoroso, e não a sepultura trágica da escravidão, do extermínio indígena que marcam este país”, disse o diretor, ressaltando a diversidade da música brasileira. “Ela é um lugar para ser lembrado, confraternizado. A música é o cartão de visitas do Brasil.”
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.