Aos 75 anos, Selma Egrei conta que as oportunidades no mundo do audiovisual estão mudando. Ela, com créditos como atriz desde 1970 e que já passou por produções como Velho Chico, Hoje Eu Quero Voltar Sozinho e Nosso Lar, diz que o clima da TV mudou – e não acredita que, neste momento, a situação vá melhorar em breve.
“É muito importante falar sobre isso, especialmente na minha profissão, onde o etarismo é fortíssimo. As pessoas muitas vezes me veem apenas como uma senhorinha, e é preciso mostrar que somos mais do que isso”, diz a atriz, em entrevista por vídeo ao Estadão.
A conversa sobre o tema surgiu a partir de seu novo trabalho, o longa Porto Príncipe, estreia nos cinemas na quinta, 20. É um filme que toca em temas delicados – xenofobia, racismo e etarismo, no que concerne a personagem de Selma, muito limitada pelo seu filho.
Tudo isso é conduzido pela história de Berta (Selma) e Bastide (Diderot Senat). Ela, sozinha, decide contratar um haitiano para auxiliá-la na fazenda da família. No entanto, as coisas não saem tão bem: o filho de Berta reclama do imigrante e ele, por sua vez, passa por situações de racismo e xenofobia, sofrendo para se sentir integrado na comunidade.
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A atriz não tem medo de envelhecer na frente das câmeras, mas precisa refletir sobre seu papel no audiovisual. “Não me preocupo em manter uma imagem do passado. O que fiz há 10 anos já passou, agora sou outra pessoa. O problema é a falta de bons personagens para a nossa faixa etária”, contextualiza a atriz, natural de São Paulo. “Tenho tido sorte em encontrar bons trabalhos, mas muitos colegas não têm a mesma sorte”.
Selma não se importa exatamente com o tamanho do papel – algo complicado para a terceira idade, com os atores geralmente relegados a papéis de coadjuvante. “Não me preocupo com pontas, mas com a história e como me encaixo nela”, diz Selma. “Eu sou intuitiva. Eu nunca me preocupo tanto com o personagem, me interessa mais a história”.
Para além do etarismo
Não é esta a única reflexão que nasce com Porto Príncipe. O filme, o primeiro longa-metragem da diretora Maria Emília de Azevedo, tem outro ponto de discussão: a situação dos haitianos que chegam refugiados no Brasil, fugindo da catástrofe social e política do país da América Central. Essa ideia, conta a diretora, nasceu da observação.
“Observando um grupo de haitianos que encontrávamos sempre em um terminal urbano aqui”, explica. “Esse grupo saía junto para algum lugar de ônibus, mas durante nossos percursos pelo bairro, não víamos mais esse grupo. Eles não frequentavam os cafés, supermercados, não transitavam pelo bairro. É um bairro extremamente burguês, e esse grupo não tinha direito a vivenciar o local. Isso nos chamou muita atenção. Naquela época, os haitianos estavam procurando o Brasil, e a ideia do projeto surgiu dessa observação”.
É algo que diz muito sobre a própria vida de Diderot, o ator que interpreta o haitiano amigo da personagem de Selma. “Foi uma experiência única. Foi uma oportunidade de vivenciar uma história que eu mesmo vivi”, explica o ator haitiano. “Não em Santa Catarina, como no filme, mas em Manaus, quando cheguei ao Brasil e passei por situações semelhantes. Passei 12 dias em um ginásio com outros imigrantes, louco para sair de lá. Para mim, fazer esse filme não era apenas sobre atuar, mas sobre contar uma história que conheço bem”.
No final, com a história de amizade entre essa mulher idosa brasileira sofrendo etarismo e um homem haitiano sofrendo racismo e xenofobia, Maria acredita que fala sobre o Brasil.
“Trabalhamos com dois personagens muito diversos, um homem e uma mulher, em Santa Catarina, um estado historicamente racista”, explica a cineasta. “A ideia inicial era juntar esses dois personagens para que desenvolvessem uma grande amizade, mostrando que a diversidade se complementa. À medida que os personagens interagiam, os temas complexos iam surgindo naturalmente. Nosso objetivo era enfrentar esses temas com sensibilidade e autenticidade, mostrando a importância de entender e aceitar o outro”.
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