‘Independências’, de Luiz Fernando Carvalho, traz a questão: 'foi um golpe da elite?'

Diretor da minissérie da TV Cultura, com Antonio Fagundes, Walderez de Barros e grande elenco, também pergunta: 'A quem realmente interessou a Independência?'

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Foto do author Ubiratan Brasil

Quando iniciou o processo da ambiciosa minissérie Independências, que estreia nesta quarta, 7, às 22h, na TV Cultura, o diretor Luiz Fernando Carvalho estava convicto de que o projeto não poderia refletir a história oficial sobre os acontecimentos de 7 de setembro de 1822. “Não é uma série que se restringe ao bicentenário”, afirma. “Ela me parece mais ampla, partindo desde a fuga da família real de Portugal, em 1808, até a morte de d. Pedro I, em 1834. Ou seja, estamos propondo uma reflexão sobre a aurora do século 19. Estamos diante da colonialidade, sistema fundado pela modernidade. Logo, apresentamos a modernidade como uma sucessão de eventos trágicos. O despontar de uma era trágica.”

Antonio Fagundes e Ilana Kaplan em cena de 'Independências', da TV Cultura Foto: Paulo Mancini

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Portanto, ainda que seja ambientado há dois séculos, o trabalho não é de época. “Nosso presente está repleto de passado. Me parece fundamental essa ponte entre nossas fundações e os desdobramentos que ocorreram nos anos seguintes. O século 19 foi um período estrutural, marcando avanços e retrocessos com os quais lidamos até hoje. A história do Brasil sempre nos foi contada de forma romantizada, quando, na verdade, é trágica, bárbara, marcada por golpes e genocídios que precisam ser iluminados.”

Com esse ponto de partida, durante um ano e meio, Carvalho, em parceria com o dramaturgo Luís Alberto de Abreu, desenvolveu um roteiro que desenha o Brasil a partir de uma releitura que se convencionou chamar de nova historiografia. Assim, além dos já conhecidos participantes dos eventos que culminaram com a Independência – protagonistas da história oficialmente contada nas escolas –, a dupla buscou personagens que foram postos à margem ou que violentamente foram apagados pela história oficial.

Com isso, ganha importância o protagonismo feminino, como o da própria imperatriz Leopoldina, artífice central no processo da Independência, além de figuras como Maria Felipa, essencial na luta pela emancipação da Bahia, e Maria Graham, inglesa que viajou para vários países e foi fiel amiga de Leopoldina. Além das mulheres, destaque ainda para Padre José Maurício, maestro negro da Corte Imperial, hoje ausente dos registros tradicionais.

A inglesa Louisa Sexton e Daniel de Oliveira estão no elenco de 'Independências' Foto: Paulo Mancini

“Por meio de uma fabulação de vozes múltiplas, avistaremos um país nascido sob o signo da pluralidade”, observa Carvalho. “É uma escavação. Iremos escavando em busca do passado, reencontrando fantasmas nas salas do império, colonialismo, violência social, autoritarismo e escravidão. Sem esta reflexão sobre a constante atualização do colonialismo histórico e suas estruturas de poder, me parece uma falácia pensarmos a ideia de um futuro, um país mais belo e justo para todos.”

Nessa toada de desmistificações, algumas são importantes na minissérie. É o caso do envenenamento de d. João VI, que só foi confirmado no início dos anos 2000, após a exumação de seu cadáver. É um fato que altera a história oficial e que deve promover mudanças na “nova dramaturgia histórica” proposta pela minissérie.

“Dom João VI é um sujeito trágico, que não tinha qualquer preparo para governar e tomar decisões enquanto o mundo explodia em torno dele”, analisa Antonio Fagundes, que vive o monarca na série. O elenco, aliás, é formado por grandes nomes da dramaturgia brasileira como Walderez de Barros (d. Maria), Daniel de Oliveira (d. Pedro I), Gabriel Leone (d. Miguel I de Portugal), a inglesa Louisa Sexton (Leopoldina) e Ilana Kaplan (Carlota Joaquina), entre outros

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Minissérie 'Independências' terá 16 episódios

Com 16 capítulos que serão exibidos às quartas-feiras, a produção desde já se coloca como um dos principais lançamentos do ano. A marca dessa atemporalidade, por exemplo, está na sofisticada opção estética de Carvalho para compor as cenas – ainda que vestindo os figurinos de época, os personagens praticamente não aparecem em cenários reais, com toda reconstituição feita em estúdio. Com isso, muitas vezes o fundo é marcado por uma cor característica, que varia entre o amarelo e o verde. Também os atores aparecem em imagem ligeiramente retorcida, como se estivessem em um sonho, reforçando novamente a atemporalidade.

A atriz Walderez de Barros interpreta D. Maria na minissérie 'Independências', de Luiz Fernando Carvalho Foto: Paulo Mancini

“O foco está na palavra, no texto, que é verbalizado com todas as intenções pelo elenco”, explica Carvalho que, antes do período de filmagens (entre janeiro e maio deste ano), promoveu um extenso workshop com o elenco participando de palestras sobre religiosidade indígena e africana, além de discussões sobre figuras cuja importância foi apagada pelo tempo.

Com isso, foi permitido um maior entendimento de questões delicadas que raramente estão no foco das discussões históricas. “A minissérie torna evidente que a Independência se deu como resposta às enormes pressões que surgiam por todos os lados, desde Portugal, passando pelas elites brasileiras, até aos levantes populares nas províncias”, argumenta Carvalho. “Alguns historiadores afirmam que este foi um momento de união entre todas as classes. Resta a pergunta: a quem interessou a tal independência? Ela existiu realmente? Ou foi um golpe da elite? Ou mesmo um ensaio para o golpe da dissolução da constituinte que se deu em 1823. Independência qual? Para quem? Em pleno século 21 ainda vivemos sob a égide de nações estrangeiras?”