Lilia Cabral e Fábio Assunção refletem sobre seus vilões em ‘Garota do Momento’: ‘Ranço’

Nova novela das seis trará os atores como mãe e filho em uma trama que se passa em 1958 e tem todas as características de um melodrama; dupla comenta a história, fala sobre o bem e o mal e como a dramaturgia também entende, hoje, e expressa, que as pessoas são contraditórias - e erram e acertam

PUBLICIDADE

Foto do author Danilo Casaletti
Atualização:

A faixa de novelas da seis da tarde da TV Globo sempre foi reservada para os autênticos melodramas, característica fundamental em uma telenovela, com uma ou outra exceção mais experimental. Garota do Momento, que estreia nesta segunda-feira, 4, não fugirá à regra. Terá mãe dominadora, filho cúmplice, perda de memória e criança trocada, só para ficar em alguns exemplos. Um prato cheio para os noveleiros.

Um dos núcleos centrais da novela criada e escrita por Alessandra Poggi será encabeçado pelos os atores Lilia Cabral e Fábio Assunção. Ela será Maristela Alencar, uma matriarca disposta a fazer de tudo para barrar o casamento de seu filho, Juliano, personagem de Assunção, com Carol Castro, que interpretará Clarice. O motivo? Clarice já tem uma filha. Um verdadeiro escândalo para a década de 1940, quando a trama se inicia.

Lilia Cabral, como Maristela, e Fábio Assunção como Juliano em 'Garota do Momento' Foto: Beatriz Damy/ Globo

PUBLICIDADE

A solução encontrada por Maristela é aproveitar um acidente ocorrido com Clarice, que perde a memória, para forjar um nova vida à nora, a seu gosto. A primeira atitude é trocar as crianças. A filha legítima, Beatriz (Duda Santos), é afastada da mãe. A nova será Bia (Maisa). A menina, na verdade, é filha de uma amante de Juliano, Valéria (Julia Stockler), que morre acidentalmente em uma situação que pode complicar o namorado. Uma falsa irmã é criada para Clarice, Zélia (Leticia Colin). É ela quem vai manipular a vítima, de acordo com as intenções de Maristela.

Maristela, então, será a grande vilã de Garota do Momento? Lilia Cabral, em conversa com o Estadão, recorre a uma personagem que fez no passado, em Páginas da Vida (2006), para responder. Maria Marta, uma das mais lembradas pelos fãs da atriz, considerada a megera da novela, tinha grandes conflitos com a filha e rejeitou uma neta que nasceu com Síndrome de Down.

“Maria Marta era um ser humano como outro qualquer. Ela só não teve todas as possibilidades que queria ter na vida. Ela não tinha o amor que ela queria, ela não tinha o dinheiro que ela queria, a filha morreu... Ela era má? Se pensarmos assim, quebramos qualquer possibilidade das pessoas viverem”, afirma Lilia.

Publicidade

Maristela terá dinheiro. É dona da Perfumaria Carioca, a maior fábrica de sabonetes do País. Mas, assim como Maria Marta, terá seus dramas. Casou-se muito jovem, teve dois filhos, perdeu a filha por problemas no coração. “Lembro muito do Maneco (o autor Manoel Carlos) quando perguntaram a ele por que um personagem do Tarcísio Meira era rico. Ele respondeu: ‘E eu que vou saber?’”, exemplifica Lilia.

A atriz prefere, então, dizer que Maristela tem um “ranço” recebido da vida e que, de alguma maneira, ela vai devolver. “O que machuca essa mulher é o quando ela se lembra da filha que ela perdeu de maneira triste”, aponta. “Não vou fazer cara, boca e olhos de vilã. Vou pelo texto, e ele me leva a ficar com ranço, com um bolo no estômago e, muitas vezes, com raiva.”

Maristela encontrará cumplicidade no filho, Juliano, personagem de Fábio Assunção. E ele dependerá da mãe para ficar livro da acusação de ter matado a amante. “Há uma falha trágica que ocorre e que, depois, não tem como voltar atrás. Ele e a mãe carregam um assombro de uma situação forjada. Isso, qualquer hora, vai estourar, e será um dos pontos bem fortes da novela”, observa Assunção.

O ator afirma que, assim como Lilia, gosta de refletir sobre a função de vilão em uma novela. ”Na dramaturgia, é preciso entender qual é o bem e qual é o mal. Porque precisamos torcer para alguém sempre. Faz parte da condição humana.”

Assunção, que cursou Ciências Sociais na PUC-SP, aprofunda-se. Leva a discussão para a sociedade atual. “No contexto que o Brasil e o mundo vivem, a questão da polarização e do maniqueísmo ficou bastante delicada. Como fazer um vilão hoje, sendo que na dramaturgia contemporânea entendemos que as pessoas são contraditórias, que erram e acertam?”, questiona.

Publicidade

Ele diz escolher sempre por dar certa “humanidade” aos vilões que interpreta, não em busca do perdão, mas para explicitar a riqueza do ser humano. “Mostrar os polos, mas não comprar a narrativa da polarização, na qual o ódio é a força motriz da sociedade contemporânea”, diz.

Uma nova relação com os atores mais jovens

PUBLICIDADE

Com toda a trama de Maristela, Juliano, Clarice, Zélia e Beatriz desenhada, Garota do Momento se fixará no ano de 1958 - e também terá seu lado solar. A efervescência da então capital federal será representada pela música - o jazz, a bossa nova, o chorinho e o rock do Clube Gente Fina e as pistas de boliche e as jukeboxes que reuniam a juventude da época. Nesse núcleo, estarão atores como Tatiana Tiburcio, Cridemar Aquino, Pedro Novaes e Ícaro Silva. Essa será a segunda novela de época escrita por Alessandra Poggi. A anterior, Além da Ilusão (2022), se passou na década de 1930.

“Quando você fala para as pessoas que irá fazer uma novela de época, os olhos delas mudam. Parece que elas ficam inspiradas para assistir”, diz Lilia Cabral. “A novela tem um olhar muito bonito da autora para os tempos que se passaram, mas também para os tempos que hão de vir. Pela dramaturgia, isso é igualmente encantador”, prossegue a atriz.

Lilia Cabral, Letícia Colin, Fábio Assunção e Carol Castro em cena de 'Garota do Momento' Foto: Beatriz Damy/Globo

Com as novelas brasileiras passando por um período de ajustes, com renovação de elenco, autores, diretores e inclusão de novas temáticas, enquanto os doramas asiáticos e as novelas turcas, que fogem do realismo e se fixam no melodrama puro, fazem sucesso nas plataformas de streaming, Lilia e Assunção têm propriedade para analisar o que o público quer assistir em uma produção diária.

Lilia, desde que estreou na TV, em 1981, trabalhou com todos os autores “clássicos” das telenovelas: Benedito Ruy Barbosa, Gilberto Braga (1945-2021), Alcides Nogueira, Ivani Ribero (1922-1995), Dias Gomes (1922-1999), Aguinaldo Silva, Manoel Carlos, Maria Adelaide Amaral, entre outros.

Publicidade

Assunção, idem. Estreou em novelas aos 19 anos, em um folhetim de Cassiano Gabus Mendes (1929-1993), Meu Bem, Meu Mal (1990). Fez Benedito, Gilberto, Manoel Carlos, Glória Perez, João Emanuel Carneiro, entre outros.

“O gênero novela tem um DNA. Se for para fugir disso, existem outras estruturas dramatúrgicas. O público sente falta de que a novela continue sendo um ‘novelão’. Aquela carpintaria, como era o Benedito, no meio do canavial...Esse também é o nosso prazer em fazer”, diz Assunção.

O ator, no entanto, concorda que as temáticas devem contemplar o mundo contemporâneo. “As pessoas estão em trabalhos autônomos, informais. Os jovens não querem mais fazer carreira em grandes empresas. Há novas maneiras de expressar o amor, o desejo. Até o toque entre as pessoas mudou. Nesse sentido, a renovação de autores, atores e diretores é importantíssima”, diz.

Lilia diz que concorda com o colega de elenco. Porém, ela faz um paralelo - e uma crítica - ao que não pode faltar em uma telenovela. “É como uma receita de bolo. O que não pode faltar naquela receita para não desandar? O melodrama. Nossos sentimentos são aguçados para ver alguém chorar ou se divertir. Outra coisa é família, seja ela boa ou má, estruturada ou desestruturada. São coisas que foram plantadas desde que as novelas surgiram”.

Lilia e Assunção também estão abertos para a nova geração, representada em Garota do Momento principalmente por Maisa e Duda Santos. Lilia estreou na TV em Os Imigrantes, na Bandeirantes. Recém saída da Escola de Arte Dramática da Universidade de São Paulo (USP) na época, Lilia conta que levou um susto ao chegar no estúdio e dar de cara com os atores Rubens de Falco (1931-2008) e Othon Bastos, referências para ela.

Publicidade

“Minha atitude de jovem era sentar e observar. Pouco se falava. Nossa forma de interagir era na observação. Era assim, mais formal. Hoje, trocamos mais. Maisa, Duda e outros jovens me perguntam coisas e nossa troca é mais gostosa, mais afetiva. Vejo que eles são muito interessados. Querem acertar. E eu gosto de estar ao lado de gente comprometida”, afirma Lilia.

“Atualmente, os jovens já estão posicionados no mundo com mais liberdade de expressão, mais acesso ao conhecimento, com diversidade de fontes de informação. Quando fui fazer novela, era um garoto de Vila Mariana que deu de cara não com o Rubens de Falco, mas com o Lima Duarte. E não havia escuta, não por esses atores, mas pela sociedade”, diz Assunção.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.