Os Outros, série da Globoplay, chegou ao fim na última sexta-feira, 7, dando deixa para uma 2.ª temporada - cuja produção já confirmada pela Globo, ainda que sem data de estreia ou elenco definidos. Pode-se gostar ou não da trama violenta, mas parece fato que a qualidade de atuações, roteiro e direção é do mesmo nível ou até superior à de muitas produções dos EUA de primeira linha.
Atenção: o texto a seguir pode conter spoilers.
Os Outros
É num condomínio carioca que Os Outros se desenrola. Discussões em reunião de moradores, trapalhadas por parte do porteiro e tentativas de reconciliação entre vizinhos brigões escalam para traições, corrupção, milícias e mortes ao longo dos episódios. Ao fim da trama, o espectador mal se lembra que tudo começou por conta de uma agressão dos adolescente Rogério a Marcinho após uma entrada dura num jogo de futebol.
O artifício de mostrar o “final” de cada episódio logo na primeira cena (com exceção do último capítulo) serve para prender o público, que fica curioso para saber como os fatos se darão para se chegar àquele inesperado momento, mas é um pouco incômodo quando soa como mero “spoiler”.
É uma trama envolvente, ainda que não tenha tanta originalidade. Quem assistiu à novela Amor de Mãe (2019) deve encontrar algumas semelhanças entre as personagens de Adriana Esteves. A história da contratação de seguranças particulares para o condomínio tem um quê de Som Ao Redor (filme de 2012 que inclusive traz Maeve Jinkings no elenco).
O bom elenco de Os Outros
Um dos trunfos da série é mostrar personagens como “problemáticos” para, em seguida, se aprofundar na origem de seus erros, seguindo a fórmula de não definir a maioria do elenco claramente entre “bons ou maus”.
Cibele (Adriana Esteves), por exemplo, é uma mãe superprotetora, capaz de comprar uma arma e entregar seu corpo a um miliciano para salvar o filho - anos antes, perdeu um bebê. Mila (Maeve Jinkings) parece infeliz com o casamento e até se envolve com um vizinho. Ela é casada com o “machão” Wando (Milherm Cortaz), que ensina o filho a ser durão e chega a bater na mulher. Os jovens Marcinho (Antonio Haddad) e Rogério (Paulo Mendes) refletem a criação de seus pais.
O ex-policial e agora criminoso Sérgio é o grande papel da carreira de Eduardo Sterblitch - até agora - e a maior encarnação do mal na série. Ele manda matar, extorque, coage e tortura sem pudor. Nem o cachorrinho da síndica (Drica Moraes) ou sua própria filha Lorrainy (Gi Fernandes), a quem submete a um aborto, escapam.
Perda de fôlego
Há momentos pouco convincentes. Não parece provável que adolescentes de hoje se encontrem em festas de funk que só toquem hits “das antigas” como Me Leva (Latino) ou Princesa (MC Marcinho). A gangue com roupas punk e cabelos longos ou coloridos que persegue Marcinho e Lorrainy numa passarela à noite também parece saída direto de um filme estadunidense dos anos 1980 ou 1990.
A sensação é de que, ao longo dos episódios, Os Outros vai perdendo o fôlego. Algumas cenas se tornam repetitivas, como os erros que Amâncio (Thomas Aquino) comete em seu trabalho, ou momentos que mostrem falas problemáticas de Wando. a saída de Milhem Cortaz no meio da série é sentida nos episódios finais.
O último capítulo parecia acertar ao mostrar a incerteza e a dor de quem sofre com um ente querido desaparecido, mas na busca por um gancho para a 2.ª temporada, acaba chegando a uma trama que parece pouco consistente (ainda que já esperada, uma vez que a cena do tiro em Marcinho não mostre o corpo do jovem). Resta saber se Os Outros conseguirá manter o mesmo grau de qualidade daqui em diante.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.