Cenário emblemático de São Paulo, a Avenida Paulista tem abrigado manifestações, passeatas, protestos. Num domingo, digamos, comum, é aquele lugar, fechado ao tráfego, em que as famílias passeiam, artistas apresentam suas performances, artesãos vendem seus produtos. Mas este domingo, 1.º, será diferente. Várias quadras estarão fechadas – mesmo –, haverá movimentação de seguranças, helicóptero, um tanto de tiroteio, mas calma. Será tudo ficção. Nada de guerra, nem de fim de mundo.
A Paulista abriga neste domingo a produção de Conquest, a série que Keanu Reeves grava em São Paulo. Keanu Reeves, o astro de Matrix, John Wick, Velocidade Máxima? O próprio, mas não exatamente ele. Não existe a menor chance de você ver aquele sujeito conhecido correndo e dando patadas. Keanu Reeves estará bem longe, em casa, mas ele já esteve aqui, há quatro meses. Foi fotografado com o prefeito Bruno Covas, a diretora da Spcine, Laís Bodanzky, assinando o acordo com a São Paulo Film Comission que trouxe à cidade a produção de Conquest.
Grandes cenas já foram gravadas no Anhangabaú, na própria Paulista. Numa noite dessas, alta madrugada, a energia foi desligada e o Anhangabaú ficou totalmente às escuras para uma cena de Conquest. O curioso é que não adianta falar com Laís Bodanzky, nem com Andréa Barata Ribeiro, da O2 Filmes. A legislação exige que produções estrangeiras contratem os serviços de produtoras locais, e a O2, de Fernando Meirelles, está fazendo a prestação de serviços.
Andréa já filmou, aqui mesmo em São Paulo, uma grande produção internacional – Ensaio sobre a Cegueira, que Meirelles dirigiu, a partir do romance de José Saramago, para uma produtora do Canadá. Ela explica – “São Paulo é uma metrópole, uma grande cidade que tem um viés futurista, mas tem uma São Paulo oculta, que nem os paulistanos conhecem. Isso é muito bom, essa riqueza, essa diversidade, para quem filma. A cidade tem infraestrutura hoteleira e de serviços, aeroportos. A equipe de Conquest descobriu que a cidade pode ser um paraíso para filmar.”
Andréa sabe muitas coisa sobre Conquest. Afinal, cabe à equipe da 02 organizar tudo para que cenas grandiosas como a deste domingo deem supercerto. Ela sabe que vai usar seguranças, figurantes, um helicóptero e toda uma estrutura de socorros, o que internacionalmente se chama de ‘safe’. “Vamos ter bombeiros, paramédicos, ambulâncias.” Só não lhe peçam para contar a história de Conquest. “Não sei, de verdade, e o que sei não posso contar. Só sei que é uma trama futurista, num mundo distópico. Tem a ver com refugiados.”
Faça a mesma pergunta a Laís Bodanzky e não será possível avançar. O motivo é simples. “Eles explicaram o conceito, mostraram cenas para definir o visual, mas nunca apresentaram o roteiro, que é mantido secreto.” Em busca de informações, a reportagem foi mais longe. Tentou a produtora executiva Gabriela Rosès Bentancour e o próprio diretor Carl Erik Rinsch. Nada. “Desculpe, querido, mas a gente faz questão de manter o segredo. Acreditamos que o elemento-surpresa será muito importante na série e queremos fazer de tudo para assegurar que o público seja surpreendido ao assistir ao produto final”, explica a produtora.
Acostumada a trabalhar com Fernando Meirelles, Andréa Barata Ribeiro sabe o que são esses diretores meticulosos. “O Carl (Erik Rinsch) tem um cuidado muito grande com os detalhes. Nada lhe escapa.” E Gabriela, que trabalha pela primeira vez com o cineasta. “É um visionário. Estou impressionada com sua visão. Ele chegou aqui e foi logo se interessando por marcos visuais muito fortes da cidade. A Av. Paulista, o Anhangabaú, a arquitetura de Niemeyer. São Paulo pode ser grandiosa e íntima, arrojada e decadente. Quem trabalha com imagem fica louco nessa cidade.”
Na direção da Spcine há quatro meses, Laís Bodanzky conta que o primeiro contato da produção de Conquest com a São Paulo Film Comission começou há oito meses. “É uma história de sedução. Há muitas cidades no mundo que adorariam sediar um filme desses. Então, a gente tem de atrair, seduzir. O que eles podem trazer é muito forte – visibilidade, dinheiro injetado na economia, empregos. Mas a gente também tem de mostrar que tem condições. Fizemos muitas reuniões com secretarias de Estado e do município para mostrar que São Paulo está aparelhada como centro audiovisual.”
Em três anos de atuação, de maio de 2016 a maio de 2019, 2,8 mil obras audiovisuais foram filmadas na cidade, gerando mais de 69 mil postos de trabalho e uma movimentação financeira de pelo menos R$ 1,3 bilhão. Por ano, a cidade recebe cerca de mil produções, entre filmes, séries e publicidades, em mais de três mil diárias de filmagens. Somente em 2019 foram atendidas 644 obras e emitidas 997 autorizações de filmagem que geraram 15,2 mil postos de trabalho. “As solicitações são tantas que outro dia tivemos três filmes sendo feitos no centro e o cuidado era evitar que um set interferisse no outro”, diz Laís.
Ela conversa com o repórter pelo telefone e, de repente, dá uma parada para pegar uma informação com um assessor. “Agora mesmo, enquanto estamos conversando, entrou no ar o Instagram da Spcine, com informações práticas e curiosidades de filmagem para compartilhamento de quem se interessa em acompanhar o movimento do cinema na cidade.”
'Conquest, um testemunho sobre o riscos de desumanização do mundo
Carl Erik Rinsch é a alma do projeto de Conquest. Arrebatou o astro Keanu Reeves, que virou seu produtor. É chamado de detalhista por Andréa Barata Ribeiro, da O2, que faz a produção local, e de visionário pela produtora Gabriela Rosès Bentancour.
Por que escolheu São Paulo como locação? Um dos motivos foi certamente a diversidade pujante dessa metrópole. Encontramos uma diversidade étnica e cultural muito forte. São Paulo já foi centro de imigração europeia e hoje segue acolhendo refugiados da Ásia, da África, da América Latina. Nossa trama tem a ver com isso. A situação dos imigrantes, dos refugiados, virou uma tragédia em todo o mundo. Nos EUA, sob (Donald) Trump, são demonizados. O que nossa história busca é uma reabilitação da dignidade dessas pessoas.
Sua trama passa-se no futuro distópico. Já sei que você não quer falar, mas o que pode dizer? Sou um grande admirador de ficção científica, na literatura como no cinema. Tenho meus mestres. Stanley Kubrick, Ridley Scott, (Andrei) Tarkovski, Neill Blomkamp, para citar um cineasta mais recente. A ficção científica russa é muito rica. São autores que permitem refletir sobre o estado do mundo. Conquest inscreve-se na indústria do entretenimento, mas nasceu da nossa vontade de dar um testemunho sobre o riscos de desumanização do nosso pobre mundo.
Filmagens de 'Conquest' incluem 10 atores brasileiros
Em média 300 pessoas atuaram diariamente na produção de Conquest, entre produtores, técnicos e seguranças. Cerca de 3 mil figurantes participaram de 20 dias de filmagens em locações como Praça do Patriarca, Paulista, Anhangabaú, Memorial da América Latina, Praça Pedro Lessa. Neste domingo, a Paulista recebe 400 figurantes, carros de época, câmera car. Já a equipe internacional é de 25 pessoas, além de 25 atores, sendo 10 brasileiros, com destaque para Bruna Marquezine.
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