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Reality shows: como manter a sanidade mental dos participantes? Quem ajuda nisso?

Psicólogos de reality shows (não é meme) contam como é o trabalho nos programas desde a seleção até questões internas de equipe

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Foto do author Daniel Silveira
Atualização:

Você já deve ter notado que basta janeiro começar que um meme volta a circular nas redes sociais: uma imagem que mostra Boninho sorrindo para a câmera com uma descrição “psicóloga do BBB”. A brincadeira aconteceu porque alguns participantes relataram encontros com psicólogos no programa. A situação pode até ter virado piada, mas eles existem (ou deveriam existir) em equipes de reality shows. Inclusive no Big Brother Brasil.

Juliette, Fiuk e Camila de Lucas, os três finalistas do Big Brother Brasil 2021, em que a primeira saiu vencedora. Foto: Reprodução/TV Globo

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Juliette, a campeã do BBB 21, contou ao Estadão que o primeiro contato com o psicólogo do programa acontece ainda nas seletivas. “Ele fica um período de mais de seis meses fazendo dinâmicas, entrevistas, pergunta sobre várias coisas e vai traçando o seu perfil, antes de você fazer a entrevista final: a ‘cadeira elétrica’”, disse. “E essa psicóloga é a mesma de vários anos, porque fiz várias seletivas e todo ano era a mesma pessoa na entrevista”, continua.

O trabalho do psicólogo que atua em um reality show começa muito antes disso, segundo Paloma Muniz, de 38 anos, que é psicóloga e trabalha na equipe do La Maison - Drag me as a Queen, edição do programa do canal fechado E! Entertainment. O programa está sendo gravada em Salvador e ainda não tem data de estreia. Na verdade, o início dos trabalhos acontece quando as equipes de pesquisa de personagem e roteiro estão decidindo os rumos do programa.

Não é novidade que reality shows têm ideias norteadoras para a escolha dos participantes, os perfis que devem estar no programa, que histórias combinam com aquela temporada. É assim que roteiristas e pesquisadores, responsáveis por encontrar personagens, decidem como devem esses participantes.

“Meu trabalho começa antes de o projeto tomar forma, na parte criativa mesmo”, comenta Paloma. “Vamos pensar assim: esse é um reality com cinco mulheres que vão passar por um processo de transformação. Então que mulheres serão essas, o que estamos buscando?”, continua.

Durante todo o tempo, as equipes de produção conversam para ajustar as expectativas em torno do programa que vai ao ar. Para o La Maison, por exemplo, a ideia é usar arquétipos femininos da mitologia iorubá. “A gente cria a partir de coisas que existem. Traço um perfil que não tem que ser exatamente igual (ao que será escolhido), mas para termos uma noção, um norte”, diz Paloma. “São mulheres diversas com traços de personalidades diferentes, mas que têm algo em comum que as conecte”, explica.

Paloma Muniz é psicóloga e trabalha em reality show; ela contou como é a rotina do trabalho em um set. Foto: Acervo Pessoal/Paloma Muniz

Mas a decisão final é sempre dos produtores, do canal e da direção, como explica o psicólogo canadense Steven Stein, que já trabalhou em programas como Big Brother Canada (4 temporadas), The Amazing Race Canada (4 temporadas) e MasterChef Canada (3 temporadas).

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“Os personagens são inicialmente selecionados pela equipe de casting, os produtores definem os critérios do que estão procurando, os candidatos são escolhidos e depois examinados por psicólogos e, muitas vezes, por médicos”, aponta ele.

No programa

Depois dessa peneira de seleção, entrevistas, avaliação psicológica, médica e tudo mais, é hora de lidar com as pressões de estar no reality show. Juliette contou que, já no confinamento do hotel, é possível receber a profissional para tratar de algumas questões.

“No hotel, se quiser, você tem uma entrevista com a psicóloga. Você pede, ela chega lá e faz uma consulta normal, pergunta como você está se sentindo, se está tudo bem, quais seus medos”, conta a campeã. A reportagem tentou falar com a psicóloga do programa para entender como funcionava, mas integrantes da equipe do BBB não são liberados para dar entrevistas, segundo a comunicação da Globo.

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Stein revela que, dentro do programa, o trabalho é completamente diferente do que foi desenvolvido na seleção. ”Estamos lá para ajudar se houver angústia ou crise no set. Esse é o único momento em que o psicólogo interage com os membros do elenco”, afirma.

Segundo ele, crises são comuns. “Ansiedade, bullying social, medo do que o público vê/interpreta, saudade da família (geralmente dos filhos), solidão/alienação, falta de confiança, problemas interpessoais. Quando o programa não é o que o candidato esperava, a sensação de que a produção não está apoiando o suficiente, entre outros”, enumera o psicólogo.

Participantes do 'Big Brother Canada' após saberem que o programa havia chegado ao fim devido à pandemia. O psicólogo Steven Stein foi um dos responsáveis por darem a notícia ao grupo. Foto: Reprodução de 'Big Brother Canada 8' / Global and Insight Productions

Se não fosse a ajuda da psicóloga, talvez Juliette nem fosse a vencedora do BBB21. Calma, não tem nada a ver com dar dicas... A cantora e influenciadora disse que pensou em deixar a “casa mais vigiada” do Brasil. “Quando eu estava muito ferrada, falei que queria ir embora, disse a ela: ‘acho que estou cancelada, perdida’”, relembra.

Segundo a campeã, isso aconteceu ainda no início do jogo. “E ela falou só o óbvio: ‘nada está perdido, o jogo começou agora, aí dentro é um jogo, são pessoas que você vai conhecer’”, pontua. Desfazendo qualquer ideia de que a psicóloga dava dicas aos participantes, Juliette disse que “era mais para dar clareza às coisas. Ela não dava mensagem ou induzia nada, era um apoio de sanidade, uma opinião não viciada para quem está participando”.

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Paloma conta que, logo no início, reações como a de Juliette são comuns. Afinal de contas tudo é novo, principalmente em casos como o BBB, em que as pessoas ficam confinadas sem contato com o mundo externo. “A ansiedade na primeira semana é algo que já prevíamos. Por isso, desde a seleção final, nos preocupamos em dar apoio psicológico em todos o processo de desenvolvimento, até o momento das gravações, o que teceu uma relação de confiança. Fundamental para que eu fosse acessada em qualquer situação de desconforto emocional, além de encorajá-las a se sentirem livres e bancarem sua autenticidade”, declara a profissional.

No caso de La Maison, o fato de lidar com as emoções e, eventualmente, fraquezas das participantes (este é um reality de jornada, de caminho pessoal) faz o trabalho ser constante e muito bem cuidado. “Como abordamos temas que mobilizam emoções, transitando pela história de vida pessoal, estou sempre atenta a tudo que acontece com elas, durante as gravações, seja quando estão no hotel ou no set”, afirma Paloma.

“É um vínculo criado meses antes de começar e nossa equipe está sempre atenta a mudanças de humor e necessidades que, porventura, possam surgir. Acompanham se estão comendo direito, tomando os remédios, em que período do ciclo (menstrual) estão, se estão dormindo bem, se seus animais de estimação estão bem amparados”, declara.

Em 'Drag me as a Queen', artistas ajudam mulheres a se trasformarem em drag queens. Foto: João Monteiro/E! Entertainment Brasil/Divulgação

Aqui é importante notar que também faz parte da produção um cuidado em manter o ambiente seguro para essas mulheres, com grande parte da equipe feminina, inclusive nos postos mais altos. “Cuidamos para que todo o ambiente seja facilitador de boa saúde mental, para que se sintam acolhidas e seguras. Uma preocupação também da nossa produtora executiva Débora Escobar e da diretora artística Patrícia Guimarães, que estão sempre em comunicação comigo e comprometidas com o bem-estar de todos da equipe, o que faz toda diferença no projeto”, aponta.

Mas e a equipe?

A equipe também não fica de fora. O trabalho em um set como o de La Maison pode ser exaustivo: as diárias podem durar 12 horas e isso, junto da pressão para entregar um bom resultado no prazo, cumprir as metas de dias de gravação, lidar com o número grande de trabalhadores no set e, no caso de programas como o BBB, ainda ter de ficar 24 horas atentos ao que acontece na casa, mantendo boa audiência. Haja gatilho para questões de saúde mental!

Paloma conta que entrou no mercado audiovisual na pandemia, quando as últimas duas edições do Drag Me As A Queen foram gravadas. Ela tinha sido chamada para fazer o acompanhamento apenas da equipe. “Eu não sabia muito bem o que iria fazer ali nem como. Como a gente estava num processo de pandemia a necessidade que já existia se tornou urgente”, afirma. “As pessoas estavam com medo, mas tinha de produzir. Até porque a arte salvou a gente na pandemia”, continua.

“Quando entrei no mercado audiovisual foi para cuidar dos trabalhadores, dar um olhar mais sensível para essas pessoas que trabalham até 12 horas por dia, muitas vezes sem folga, com a saúde mental comprometida”, lembra. “Fui sentindo a necessidade, fiz uma sala de atendimento e foi ótimo, porque pessoas que nunca tinham tido acesso a um psicólogo puderam entender como é que a gente atua, tem acolhimento encaminhamento, orientação, desde o segurança do set até um diretor”, complementa.

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Stein conta que um dos momentos mais difíceis de sua carreira como psicólogo de reality shows foi justamente a crise da covid-19, quando precisou informar aos participantes do Big Brother Canadá o cancelamento do programa. “(Foi um desafio) ter de contar a cada membro do elenco, um por um, que seu sonho de participar do programa terminaria mais cedo. Eles não conseguiam compreender o fato de que uma pandemia tinha de interromper a produção. Foi triste, com muitas lágrimas”, rememora.

Ele também diz que seu trabalho vai além de ajudar os participantes, dando apoio à equipe, da mesma forma que Paloma faz. “Além de treinar a equipe para reconhecer sinais de estresse nos membros do elenco, houve várias vezes em que lidei com problemas que os membros enfrentavam, não necessariamente devido ao programa”, completa.

* Colaborou Gabriela Piva

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