Dr. Evandro, personagem de Julio Andrade em Sob Pressão, tem um lema que segue com afinco: “Ninguém morre no meu plantão”. Assim foi nas três temporadas da série, exibidas na Globo desde 2017. A pandemia de covid-19, no entanto, chegou desfazendo certezas, atropelando planos. Em um hospital de campanha, no Rio, onde ele e a também médica Carolina (Marjorie Estiano) passam a atuar na linha de frente contra o novo coronavírus, Evandro não tem mais esse ‘controle’. São muitas vidas perdidas todos os dias. Essa rotina sem precedentes, enfrentada por Evandro, Carolina e sua equipe, é retratada em Sob Pressão – Plantão Covid, que vai ao ar a partir da terça-feira, 6, depois de A Força do Querer.
Com direção artística de Andrucha Waddington – e música-surpresa gravada especialmente por Chico Buarque e Gilberto Gil para a produção –, essa edição especial terá dois episódios. Marjorie conta que ficou surpresa com a decisão de gravarem Sob Pressão neste momento. “Estava vivendo a pandemia de outra perspectiva. Vivendo o meu medo, as incertezas, sofrendo e assistindo ao sofrimento do mundo todo. Não entendi que seria possível (a gravação), até pelos prazos”, diz a atriz, em entrevista ao Estadão, por e-mail. “Todos nós, de todas as áreas, tivemos um tempo curto de preparo para a realização dos episódios, mas pudemos contar com vários outros elementos que fizeram com que fosse possível. E, de repente, me pareceu fazer todo sentido, justamente por ainda estarmos enfrentando a pandemia. Estamos falando e fazendo algo que talvez ainda possa ser útil.” Foram quatro meses desde a decisão de gravação até a edição especial ir ao ar, lembra a atriz.
Novamente, a série teve consultoria do médico Marcio Maranhão (leia entrevista ao lado), cirurgião torácico, cujo livro Sob Pressão – A Rotina de Guerra de Um Médico Brasileiro deu origem ao filme e às temporadas na TV. Maranhão foi uma figura importante na preparação do elenco, como ressalta Marjorie. “Ele orientou em todo o processo, tanto na preparação quanto no set com os equipamentos de proteção. Mostrava o que podia e o que não podia”, afirma a atriz, que fala também do desafio de gravar usando máscara na maior parte do tempo.
“Atuar tão coberta era preocupante. Em 99,9% das cenas, estou apenas com os olhos expostos e ainda assim sob o face shield (que cobre todo o rosto). E não teria como ser de outra forma”, observa. “Primeiro porque estamos falando da realidade do hospital de campanha, sobre a lida com um vírus que tem a contaminação muito facilitada, e também porque acredito que foi muito em função de todo esse equipamento de proteção que a Carolina protegeu a Marjorie, e saímos ilesos desse processo. Ninguém ficou doente e a produção pôde ser concluída no prazo.”
Segundo o autor Lucas Paraizo, que escreve a série com Marcio Alemão, Flavio Araújo e Pedro Riguetti, era inevitável Sob Pressão abordar a pandemia, já que a produção “se debruça sobre conflitos médicos da saúde pública no Brasil e com um amplo diálogo com a realidade”.
“A dúvida, inicialmente, era como faríamos essa abordagem. Num primeiro momento, pensamos em incluir o tema na quarta temporada, mas, como a exibição está prevista para 2021, tememos que o assunto sofresse defasagem até estrear”, afirma Paraizo, que assina também a redação final da série. “Após um amplo estudo de protocolos de segurança dos Estúdios Globo, entendemos que era possível gravar e exibir ainda este ano e optamos por esse formato de dois episódios, mais adequado e rápido para entrar no ar”, ele completa.
Homenagem. Em Sob Pressão – Plantão Covid, Carolina e Evandro são convocados às pressas pelo doutor Décio (Bruno Garcia) para voltar ao Rio – depois de um período em missão humanitária no interior do Brasil – e atender pacientes infectados pela covid. O hospital de campanha onde a equipe médica atua foi erguido nos Estúdios Globo.
Apesar do tema urgente, a trama da edição especial segue a estrutura característica da série, acompanhando o difícil dia a dia de médicos que enfrentam os problemas da saúde pública, mas também lançando um olhar para os dramas pessoais de pacientes, médicos e outros profissionais da saúde. E, desta vez, não será diferente para Evandro e Carolina. “Ela vai enfrentar um grande drama pessoal, sim. Se vê em meio a uma demanda insana de trabalho, mortes. Sente medo, mas o enfrenta todos os dias. Acho que essa guerra contra o vírus é um dos grandes desafios da vida pessoal e com certeza o maior na carreira dela dentro da medicina”, antecipa Marjorie. Enquanto isso, será revelado um pouco mais do passado de Evandro, em forma de flashback, quando surgem personagens como sua mãe, Penha (Fabiula Nascimento).
De certa forma, os profissionais da saúde também serão homenageados. “Acho que o especial se propõe a revelar um pouquinho do que eles estão enfrentando, do que abdicam, o esforço e o valor que dão ao bem-estar do paciente, do cuidado com ele, da consciência que têm sobre a importância do momento que o paciente está vivendo, junto com toda a família e a responsabilidade do profissional nesse contexto”, diz Marjorie Estiano. “Mostra o valor da equipe, traz a vida pessoal e profissional deles. O marido, a filha, o amigo e a intimidade convidam quem assiste a se colocar um pouquinho na pele do outro e ter alguma dimensão, a valorar. É prático e muito afetuoso também. Tomara que se sintam homenageados, porque do lado de cá, posso dizer por todos, que somos só admiração.”
‘VI SOLIDÃO E HISTÓRIAS DE SUPERAÇÃO’, diz Marcio Maranhão
De que forma as histórias que você viu nos meses de trabalho na linha de frente contra a covid inspiraram esse especial da série?
Procurei contribuir com os roteiristas fazendo a ponte entre a realidade e a ficção; tentando manter certo distanciamento crítico. Mas a ponte foi ficando curta e estreita e o distanciamento, quase impossível. Realidade e ficção transbordavam uma sobre a outra na prática diária. Presenciei muito sofrimento pelas perdas e seus lutos. Vi solidão e tristeza no drama da pandemia que ainda vivemos. Por outro lado, também vi histórias de superação, de solidariedade, de lideranças femininas incansáveis, de confiança entre as pessoas. São essas últimas as que mais me inspiraram.
Imagino o medo diário que vocês, profissionais da saúde, enfrentam de se contaminarem nessa batalha. Como você se sente em relação a isso?
Frente à gravidade dos casos e às incertezas quanto ao tratamento, medo e coragem foram companhias diárias no enfrentamento à doença. Medo não só de adoecer, mas também de contaminar colegas e familiares. Contraí a doença após um longo período de exposição. Felizmente, não precisei de suporte de oxigênio nem de internação. Tive sorte. Retornei ao trabalho após quatorze dias de isolamento total ainda sentindo os efeitos musculares da síndrome pós-covid e com menos seis quilos.
Como encara as imagens de aglomerações nas praias brasileiras, por exemplo, em plena pandemia? O Rio de Janeiro vive um triste momento de abandono. O comportamento da população reflete a ausência de lideranças sanitárias confiáveis no poder público. Banalizam as mortes e menosprezam a vida. Me solidarizo com a dor daqueles que perderam familiares e amigos.
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