Uma hora de puro catatonismo à frente da televisão. Succession, que se despede do público nesta temporada, precisou apenas de seu excepcional elenco e uma reviravolta inesperada para consagrar O Casamento de Connor como um dos episódios mais emblemáticos da TV norte-americana nos últimos anos. ⚠️ Atenção! A partir daqui o texto contém spoilers.
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Logan Roy: um fim antiépico, mas épico
Mais um embate familiar de grandes proporções estava traçado no final do episódio da última semana. Foi quando os irmãos Kendall (Jeremy Strong), Shiv (Sarah Snook) e Roman (Kieran Culkin) se reencontraram com o pai, Logan Roy (Brian Cox), em uma sala privada de karaokê durante a excêntrica e desalentada despedida de solteiro do primogênito Connor (Alan Ruck).
Mas chegou o domingo de Páscoa e tudo desmoronou. Succession atravessou nossas esperanças na contramão e trouxe à tela uma quebra de expectativa avassaladora. O casamento de Connor? Virou nota de rodapé. O conflito? Não veio. Ken, Shiv e Roman não tiveram tempo de um último confronto com o pai, quando a finitude da vida se colocou à frente de tudo. A morte de Logan é tão inesperada que o espectador se pergunta: ela é real? É mais um truque? Isso está realmente acontecendo?
A partida do protagonista, no entanto, acontece como deve ser. Porque ninguém pode dizer quando a morte chega. Ela simplesmente chega. Jesse Armstrong, diretor da série, decidiu fazê-la da maneira mais improvável. E acertou.
“Se vamos fazer isso, simplesmente não queremos ver as pessoas chorando e depois ter um funeral e acabar com a série. Queremos ver como a morte de alguém significativo repercute em uma família”, afirmou Armstrong no vídeo de bastidores do episódio. Assista (em inglês):
O cartaz oficial da quarta temporada já trazia uma mensagem subliminar sobre a morte de Logan: reparem no avião. É durante um voo que o bilionário dono do conglomerado Waystar Royco sofre uma parada cardíaca.
A morte (e a repercussão) minuto a minuto
A grande sacada de Armstrong é simplesmente não mostrar os minutos finais do protagonista. Sem saber de fato o que aconteceu com ele, o cenário é quase como o da partida de uma pessoa real.
O que vemos ali é a fiel representação de como as coberturas de morte de grandes figuras ocorrem hoje em dia. Um burburinho começa… ninguém confirma… mensagens começam a pipocar nas redes sociais… pode ser fake news... Ou será que não? O mundo inteiro para em suspense: morreu ou não? Como ficou Roman, sem se deixar acreditar antes que realmente pudesse ver o corpo do pai.
É aquele intervalo de tempo em que fica a torcida para que um milagre aconteça, mesmo quando se trata de alguém tão inescrupuloso quanto Logan. Até que a notícia é confirmada.
“Acho que é assim que ele gostaria de morrer, em um avião particular, voando para fazer o maior negócio da vida, bem rápido e indolor, e com seus filhos sussurrando em seu ouvido que o amam. Eu acho que é um episódio muito feliz”, diz Armstrong.
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No fundo, o primeiro episódio de Succession lá em 2018 já dava a letra. Nele, Logan também estava voando (mas num helicóptero) quando sofreu um derrame. A ideia inicial do criador da série era matar o personagem de Brian Cox logo no começo da trama e deixar os herdeiros brigando em meio ao ninho de cobras bilionárias. A brilhante atuação do veterano ator fez com que, felizmente, sua morte fosse adiada. Mas a gente sabia que, uma hora, ela chegaria.
Agora, depois de quase quatro temporadas, o pilar fundamental da série vai embora e deixa um ponto de interrogação na cabeça dos filhos, dos funcionários… e do público, que, atônito, assistiu ao episódio deste domingo, entre aplausos e bocas abertas de incredulidade.
HBO continua acertando
Ao entregar uma experiência de vida real em tempo real, na melhor ficção de seu atual catálogo, a HBO conseguiu novamente o que vem fazendo com maestria: segurar milhões à frente da televisão, domingo após domingo, mesmo no auge do streaming.
Na era em que adoramos maratonar séries, em que queremos assistir a tudo em todo lugar o tempo inteiro, eles mantêm o segredo: o ritual dominical de deixar a respiração do público suspensa, até que um grande episódio esteja disponível para encher a tela. Game of Thrones, The Last of Us, Succession, apenas alguns exemplos mais recentes. Sopranos, finalizada em 2007, se quisermos retroceder um pouco mais, a um momento anterior aos conteúdos on demand.
Com os episódios divulgados semanalmente, a HBO obriga seu espectador mais fiel a assisti-los rapidamente para fugir dos possíveis spoilers e entrar na discussão.
Neste domingo, a série conseguiu sua maior audiência: 2,5 milhões de pessoas assistiram ao capítulo nas plataformas disponíveis, ultrapassando os 2,3 milhões do primeiro episódio desta última temporada, que eram a melhor marca até o momento.
Succession também esteve entre os principais assuntos comentados no Twitter aqui no Brasil. Ainda que a disputa com BBB e as finais dos campeonatos estaduais fosse difícil, a série estava lá na lista dos trending topics. Nos Estados Unidos, dominou totalmente o assunto da rede.
Sem apostar numa produção de escala histriônica e global, como a principal concorrente Netflix, a HBO segue construindo atrações com qualidade e cuidado. Em muitos casos, sem a preocupação com renovações desnecessárias. Com exceção a Game of Thrones, que se tornou um universo de alcance gigantesco e acabou sendo esticada por demais (até ganhar um bom spin-off), as principais séries do canal geralmente acertam no tempero da trama e na duração. The White Lotus, Euphoria, I May Destroy You, Mare of Easttown, Chernobyl. Para citar apenas algumas das produções recentes mais bem acabadas.
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Entreguem todos os Emmys
Séries com grande sucesso na crítica costumam ser consagradas no Emmy em sua temporada final. E se isso ocorrer com Succession, não será nada mais que merecido. Até agora, já são 13 estatuetas da maior premiação da televisão norte-americana, sendo duas de Melhor Série de Drama. E outras virão por aí.
Falta espaço para tanta atuação de classe. Se pudessem, Strong, Cox e Culkin deveriam dividir o prêmio de Melhor Ator. Sarah Snook já se consolida para finalmente vencer Melhor Atriz de Drama, que merece desde a temporada passada.
É a interpretação primorosa de cada personagem do elenco, incluindo o maravilhoso coadjuvante Matthew Macfadyen (no papel de Tom Wambsgans), que fizeram do último episódio um primor televisivo. Acompanhamos sem piscar um capítulo basicamente construído no diálogo. O mensageiro entre os dois núcleos - o navio do casamento de Connor e o avião da morte de Logan - eram celulares em viva-voz.
O cenário mais frio possível para o anúncio de uma morte se tornou o mais familiar possível para o espectador graças à emoção entregue por cada um dos atores.
Mesmo sem Brian Cox, os capítulos finais devem manter o nível de roteiro e atuação. Armstrong promete que eles serão chocantes, em especial o de número 8. Succession tem novos episódios disponíveis todos os domingos, às 22h, na HBO Max.