Tim Miller mergulha nos games com ‘Nível Secreto’ e diz: ‘Hollywood é míssil guiado por dinheiro’

Em entrevista durante a CCXP 2024, os produtores por trás do Blur Studio falaram sobre o fortalecimento das histórias sobre games em Hollywood e sobre a série que estreia no Prime Video

PUBLICIDADE

Foto do author Matheus Mans

Os últimos 10 anos foram gloriosos para Tim Miller em Hollywood. Antes conhecido pelo trabalho com efeitos, principalmente no comando do Blur Studio, o americano assumiu grandes projetos. Dirigiu o primeiro Deadpool, criou o sucesso Love, Death & Robots e, agora, se arrisca em Nível Secreto, nova série do Prime Video que estreou na última terça, 10.

Arrisca, afinal, já que tudo parece ser complicado, fora do conforto do audiovisual. Em formato antológico, com cada episódio contando uma história independente, a produção é formada por vários curtas inspirados em grandes títulos do mundo dos videogames.

O cineasta e produtor Tim Miller Foto: Flickr.com/@Gage Skidmor

PUBLICIDADE

“Para os jogos clássicos ou que já estão disponíveis, você já sabe o que os fãs gostam. Eles demonstraram seu amor por certos personagens ou aspectos do jogo, então você quer se concentrar nesses elementos que eles amam tanto e dar mais disso a eles”, explica Miller, sobre o desafio de adaptar esses games. “Ou mostrar algo diferente baseado no que eles já adoram”.

São 15 episódios no total, lançados de uma vez só, inspirados em títulos como Pac-Man, Mega Man, Warhammer 40.000, SIFU, The Outer Worlds, Unreal Tournament, Dungeons & Dragons e Concord. Tudo ainda segue o estilo de Love, Death & Robots, sucesso de Miller na Netflix, em que cada episódio conta com um estilo de animação, do realismo ao cartoon.

Publicidade

A seguir, confira a conversa do Estadão com Miller e Dave Wilson, sócio e parceiro em produções na Blur Studios. Durante a CCXP, os dois falaram sobre a inspiração de Nível Secreto, a dificuldade da adaptação e o atual momento de Hollywood, de olho nos games.

Como surgiu a ideia de ‘Nível Secreto’? Como foi isso?

Tim Miller: Foi justamente a partir de Love, Death & Robots. Ficamos pensando o que mais podemos fazer, já que tivemos uma experiência tão boa com aquilo. Eu disse: “e se fizermos Love, Death & Video Games?”. E todo mundo respondeu: “Hã?” (risos). E isso deu início a uma longa jornada para descobrir como faríamos isso. Como seria?

Dave Wilson: O interessante, no entanto, é que o “arroz com feijão” da Blur, como estúdio, sempre foi trailers de videogames. Isso foi basicamente tudo o que fizemos durante anos. Ficamos conhecidos por coisas como Halo, Mass Effect, Star Wars, e tudo mais. Love, Death & Robots meio que se baseou nisso, além do sucesso marginal de Deadpool. Depois, voltamos para os videogames.

Miller: Na verdade, eu diria que a Blur se tornou conhecida no espaço dos videogames porque sabíamos contar histórias. E fizemos isso nos videogames, o que nos permitiu criar Love, Death & Robots, que nos levou tecnicamente a conseguir Deadpool, o que nos possibilitou fazer ainda mais Love, Death & Robots.

Publicidade

E como foi o processo de escolha dos jogos para ‘Nível Secreto’? Como foi a negociação com títulos como ‘Pac-Man’ e ‘Mega Man’? Foi difícil?

Wilson: Pac-Man e Mega Man foram, na verdade, bem fáceis. Eles ficaram incrivelmente empolgados com o projeto.

Miller: Quero dizer, todo o formato é muito novo. Mas como já tínhamos feito Love, Death & Robots, foi fácil dizer: “Vai ser algo parecido com isso, mas imaginem com os seus jogos”. Ainda assim, é algo novo. E muitas das propriedades intelectuais envolvidas vieram de pessoas que já tinham trabalhado conosco antes. Então, havia um certo nível de confiança. Sinto que esse é o tipo de projeto que apenas alguém como a Blur poderia fazer, porque temos toda essa experiência, como o Dave mencionou. E muitas pessoas simplesmente entenderam. Foi só dizer: “Ei, vamos fazer algo como Love, Death & Robots, mas se vocês nos emprestarem seus personagens e mundos, contaremos as histórias”.

Astros como Keanu Reeves dublam e inspiram personagens de 'Nível Secreto' Foto: Amazon Prime Video/Divulgação

Há um entendimento generalizado de que é difícil adaptar games para as telas e que nem sempre são adaptações que dão certo. Como veem isso? Algo mudou na forma como enxergam esse processo?

Wilson: É complicado, mas fazemos isso há muito tempo. Obviamente, todos os trailers que criamos ao longo dos anos são essencialmente uma tentativa de capturar o que faz do jogo o que ele é. O que facilitou um pouco foi que não estamos tentando vender mecânicas de cobertura, seleção de armas, classes de personagens ou coisas assim. É apenas uma história. E temos todos os ingredientes à nossa disposição. Então, na verdade, isso torna o processo um pouco mais fácil. Lembro que quando fizemos Love, Death & Robots, estávamos acostumados a contar histórias em três a cinco minutos. De repente, tínhamos 15, e foi como: “Eu não sei o que fazer com tanto tempo”. É definitivamente um processo para descobrir o que é importante.

Miller: Mas também tem o benefício de que, em alguns casos, os jogos ainda não foram lançados, então isso não se aplica. Mas para os jogos clássicos ou que já estão disponíveis, você já sabe o que os fãs gostam. Eles demonstraram seu amor por certos personagens ou aspectos do jogo, então você quer se concentrar nesses elementos que eles amam tanto e dar mais disso a eles. Ou mostrar algo diferente baseado no que eles já adoram.

Publicidade

Depois da ‘febre’ dos quadrinhos, chegou a hora dos games em Hollywood?

Miller: Hollywood é um míssil teleguiado por dinheiro. Eles procuram qualquer coisa que renda. Então acho que eles pensam: “Oh, veja, todas essas pessoas amam esses mundos, essas histórias e esses personagens. Vamos dar mais disso a elas, porque talvez elas nos paguem”. Eu sei que parece um processo muito comercial, e é. Porque precisamos de dinheiro para fazer grandes animações. Não porque eu me importe com dinheiro — eu não me importo. Mas eu preciso pagar o Dave (risos), assim como todos os outros animadores .

Wilson: Mas fazemos isso porque amamos. Precisamos de dinheiro para fazer, mas fazemos porque amamos. O que Hollywood está fazendo, o que é ótimo, é que mesmo com os quadrinhos, inicialmente, eles não levavam as adaptações a sério. E então alguém levou, e todo mundo adorou, e foi um grande sucesso. Não é a primeira vez que videogames são adaptados, mas certamente é a primeira vez que estão levando os games realmente a sério. The Last of Us foi incrível. Arcane é incrível. E acho que as pessoas estão começando a pensar: “E se levássemos isso a sério, como fizemos com os quadrinhos por um tempo?”. A ironia é que os videogames são a maior plataforma de entretenimento do planeta. Não há nada maior. Então, por que os games sempre foram negligenciados por Hollywood? Eu ia dizer que é surpreendente, mas não é, considerando como Hollywood funciona.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.