Análise | ‘Vale Tudo’: Se o primeiro capítulo fosse um brasileiro, ele seria o ‘isentão’; leia comparação

Primeiro capítulo tem roteiro parecido com o da primeira versão - mas parece desconectado do Brasil atual. A quem irá a banana no capítulo final? Leia crítica e comparação da versão original e a de agora

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Foto do author Danilo Casaletti
Atualização:

Não fosse pela presença de músicas das cantoras pop contemporâneas Chappell Roan e Chloe Qisha - e o celular nas mãos de Maria de Fátima -, o primeiro capítulo do remake de Vale Tudo poderia se passar em qualquer ano, inclusive em 1988, quando a versão original escrita por Gilberto Braga, Aguinaldo Silva e Leonor Bassères mobilizou o país justamente por refletir o Brasil pós-redemocratização, tomado pela corrupção e com a inflação esvaziando o bolso dos brasileiros.

Tudo ali, na primeira versão, já no episódio inicial, cheirava a Brasil. A cena que justamente dava esse tom para a trama - e, de cara, revela a intenção dos autores - era a que Maria de Fátima pede ao avô Salvador, um fiscal da Receita Federal prestes a se aposentar, liberar equipamentos eletrônicos na fronteira entre Brasil e Paraguai. A cena é reproduzida quase tal e qual em 2025.

Antonio Pitanga, Bella Campos e Taís Araujo nos bastidores da gravação de 'Vale Tudo' Foto: Manoella Mello/TV Globo

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Fátima questiona o avô sobre o porquê dele se recusar a fazer um favor ao amigo que ela acabara de conhecer, o modelo César, a quem ela deposita a esperança para mudar de vida.

“Custa a minha integridade. Em 35 anos como fiscal, nunca fiz vista grossa”, diz Salvador, em interpretação brilhante de Antônio Pitanga.

“Quem você vai prejudicar se ajudar sua neta?”, questiona Fátima.

“Quem deixa passar uma mercadoria sem pagar imposto está prejudicando o Brasil. Porque esse dinheiro é do povo brasileiro”, explica o avô.

“Até parece que se o senhor livrar a cara de um amigo meu esse país vai à falência”, rebate a neta.

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“Esse país já foi à falência. Falência econômica, moral, social. Um país onde um desconfia do outro. É cada um por si”.

Não há nada que puxe para o Brasil de hoje. A polarização política, o preço dos alimentos, as queimadas, o avanço predatório do agronegócio, a guerra protecionista deflagrada pelos Estados Unidos, entre outros temas urgentes. E, sobretudo, o racismo - trata-se de uma família preta, vivendo em um país racista. Tudo isso está estritamente ligado à corrupção e à falta de ética.

Em entrevista recente ao Estadão, a autora do remake, Manuela Dias, afirmou que, de acordo com pesquisas, o Brasil não é tão polarizado quanto a mídia e as últimas eleições fizeram parecer. Por isso, quer mostrar um país mais unido. Não é exagero afirmar, então, que, se o primeiro capítulo desse remake fosse brasileiro, ele seria o isentão. Talvez agrade mais ao público em geral e não compre brigas. A quem irá a banana no último capítulo? A conferir.

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No mais, o primeiro capítulo tem um lado bom - para os noveleiros. O roteiro é bastante parecido com o original e as referências (easter eggs) são muitas, o que torna o ato de assistir à novela bastante interessante.

Estão lá a sombrinha vermelha e o inglês à Joel Santana de Raquel. O samba Isso Aqui o Que É na voz de Caetano Veloso. A porta de vidro do apartamento de Bartolomeu, Ivan fazendo mistério para a família antes de contar que conseguiu o emprego que tanto desejava.

Taís Araújo é a batalhadora Raquel no remake de 'Vale Tudo', personagem que foi de Regina Duarte em 1988 Foto: Fabio Rocha/TVGlobo

Em outras questões, Manuela Dias avança. Na primeira versão, em uma discussão, Rubinho agride Raquel, que chora, sem revidar. A Raquel de 2025 revida o tapa na cara, diz ser a mulher da casa e repele o machismo. Em outra cena, diz à amiga que levou anos para perdoar o ex-marido.

Acerta ainda ao colocar o sonho de Maria de Fátima ser influencer em detrimento da carreira de modelo. O caminho é mais curto mesmo e os ganhos - e ilusões - podem até ser maiores. Manuela também acelera o sexo entre Fátima e César.

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Taís Araújo faz uma Raquel menos histriônica do que a de Regina Duarte. Bella Campos convence como Maria de Fátima, mas lhe falta uma certa malandragem tão natural na interpretação de Glória Pires. Cauã Reymond parece ter optado por um tom mais cômico para o cafajeste César Ribeiro.

Vale Tudo também trouxe cenas e diálogos mais longos, como nas produções do passado. Tudo muito bem dirigido - a direção geral ficou nas mãos de Paulo Silvestrini, discípulo de nomes como Ricardo Waddington e Dennis Carvalho, dois nomes que modernizaram a direção.

Cauã Reymond deu um tom mais cômico a Cesar Ribeiro Foto: Fabio Rocha/TVGlobo

A história caminhou mais lentamente. Em 1988, o primeiro capítulo já mostrava Maria de Fátima no Rio de Janeiro, atrás de César, depois de vender a casa à revelia da mãe. Agora, isso ficou para o segundo capítulo.

Passada a estreia, o remake de Vale Tudo terá ainda uma nova prova de fogo pela qual não passou no passado: a chegada de Odete Roitman, personagem de Débora Bloch, prevista para ocorrer no capítulo 24. A vilã das vilãs, com uma nova intérprete, que não Beatriz Segall, vai convencer?

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Análise por Danilo Casaletti

Repórter de Cultura do Estadão

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