“Sou de uma geração em que algumas práticas abomináveis de machismo e etarismo eram comuns”, diz Veruska Donato ao Estadão. A jornalista de 51 anos acaba de ganhar um processo contra a Rede Globo, onde trabalhou por 20 anos, e deu mais detalhes sobre o que motivou a ação que resultou, por ora - ainda cabe recurso -, na condenação da emissora que deverá pagar uma indenização de R$ 50 mil por danos morais e outra de R$ 70 mil por direitos trabalhistas.
Segundo o processo, iniciado em fevereiro de 2023, a imposição de um “padrão de beleza” no trabalho teria agravado um quadro de burnout (entenda o que é e conheça os sintomas). O texto fala ainda em preconceito pela idade e misoginia por parte da emissora. Veruska trabalhou na Globo entre 2001 e 2021.
O Estadão entrou em contato com a Globo para um pronunciamento sobre o caso, mas a empresa afirmou que não comenta casos sub judice. O espaço segue aberto.
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Também no documento, ao qual o Estadão obteve acesso, a jornalista relatou que teria recebido críticas do chefe de figurino da Globo “quanto à flacidez, ruga ou gordura fora do lugar”. Ela também citou uma suposta divulgação interna encaminhada às funcionárias da emissora que teria resultado em uma “ditadura da magreza”.
“No início da carreira, era mais fácil se encaixar no padrão da empresa, mas, com o tempo, você não esconde a maturidade. Ou você envelhece, ou você morre”, descreveu Veruska. “E eu envelheci, e passei a sentir o peso de um tratamento diferenciado na TV.”
A jornalista, que, conforme o processo, chegou a ficar 77 dias afastada por conta de um quadro de burnout, disse que ter “adoecido” foi o “gatilho” para que entrasse com a ação contra a emissora. “Tive burnout porque trabalhava demais, com exigências absurdas, e, ainda assim, tudo o que eu fazia não tinha resultado”, relatou ela na entrevista.
Em um dos trechos da ação, jornalista alegou que teria trabalhado no Bom Dia São Paulo das 5h até às 13h ou 14h para, na mesma semana, trabalhar no Jornal da Globo, entrando às 14h e saindo à 1h. Após o afastamento, Veruska afirmou ter sentido dificuldade para “voltar ao topo que ocupei no passado nos principais jornais da casa”.
“Conversei com a minha chefia, e de nada adiantou”, disse ela. Segundo a ex-repórter, à época, duas repórteres “mais jovens e menos experientes” teriam sido promovidas na emissora. Veruska também teria perdido o cargo como apresentadora de um podcast que havia criado com um dos produtores da empresa “porque ele era direcionado a um público jovem”, conforme explicou. “Detalhe: meu parceiro tinha 26 anos, e eu, 49″, descreveu.
Sobre a decisão do juiz Adenilson Brito Fernandes, do Tribunal de Trabalho da 2ª Região, responsável pelo processo, a jornalista relata ter se sentido “aliviada”. “Tinha medo de que não acreditassem em mim”, comentou ela, que completou: “Recebi muitas mensagens de colegas e amigas da Globo me agradecendo pela coragem porque alguma coisa precisa mudar”.
Para ela, a indenização de R$ 50 mil é “mais educativa do que punitiva”. “Eles [a emissora] fazem novela e programas pregando regras ‘bonitinhas’, mas desrespeitam os nossos direitos no quintal de casa. É ‘jogar pra galera’ e esconder a sujeira debaixo do tapete”, criticou.
Entenda o caso
A Rede Globo foi condenada a pagar uma indenização de R$ 50 mil por danos morais à ex-repórter Veruska Donato, que alegou que a imposição de padrão de beleza da emissora teria agravado um quadro de burnout. A sentença, assinada pelo juiz Adenilson Brito Fernandes na última segunda-feira, 1º, também exigiu que a emissora pague R$ 70 mil à jornalista por direitos trabalhistas. A informação foi confirmada pelo Tribunal de Trabalho da 2ª Região ao Estadão, que teve acesso ao processo. Cabe recurso.
Um dos advogados responsáveis pela acusação, Hamilton Oguma afirmou à reportagem que a sentença é “bastante satisfatória”, mas a própria equipe da jornalista pretende recorrer da decisão, pois alguns pontos foram indeferidos pelo juiz, como dano imaterial em razão da perda de capacidade ao trabalho.
O advogado também disse que a indenização de R$ 50 mil, com caráter pedagógico, também é uma das questões que a equipe pretende que seja reavaliada. Inicialmente, a jornalista pedia R$ 13 milhões em indenização.
Oguma alegou que Veruska teria sido contratada como funcionária da emissora, mas, mais tarde, teria tido o modelo do contrato de trabalho alterado para pessoa jurídica (PJ). O juiz responsável declarou a nulidade do contrato PJ da jornalista, além de avaliar que a emissora deve pagar benefícios como adicional por tempo de serviço, hora extra e adicional noturno. Leia mais sobre o caso aqui.
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