Titãs mais uma vez reinventado: Britto, Mello e Bellotto apresentam o álbum ‘Microfonado’

Em busca de ineditismo, grupo chama convidados como Ney Matogrosso, Lenine, Preta Gil e Vitor Kley para novas versões de sucessos e uma segunda chance para músicas do álbum ‘Olho Furta-Cor’

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Foto do author Danilo Casaletti
Atualização:

Os Titãs lançam nesta quinta-feira, 27, o projeto audiovisual Microfonado. O primeiro depois do mega sucesso da turnê Encontro. Com nove faixas, o trabalho também é uma nova chance para o álbum Olho Furta-Cor, lançado no final da pandemia e atropelado pela reunião temporária - e histórica - de Sérgio Britto, Branco Mello e Tony Bellotto - os remanescentes do grupo - com os antigos parceiros Arnaldo Antunes, Nando Reis, Charles Gavin e Paulo Miklos e a ausência mais que sentida de Marcelo Fromer (1961-2001).

Os Titãs no projeto 'Microfonado' Foto: tony santos

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“Nunca paramos, antes ou depois da turnê. Titãs é uma banda em atividade. Queremos reafirmar isso. O Encontro foi especial, mas continuamos funcionando como banda. E não deixaremos de fazê-lo. Resolvemos não brigar com o óbvio. Escolhemos outro caminho”, diz Britto, de início.

Microfonado, em tese, não deixa de ser mais um trabalho acústico - ou eletroacústico - dos Titãs. Um percurso natural da banda que, em 1997, protagonizou um dos mais bem sucedidos Acústico MTV - e mudou os rumos do pop rock brasileiro. E também a cara da banda, naquela altura, totalmente elétrica, contestadora e com o peso do rock.

Os Titãs é um banda em atividade. Queremos reafirmar isso. O Encontro foi especial, mas continuamos funcionando como banda

Sergio Britto

O Acústico MTV foi uma oportunidade para a aproximação de muitos ouvintes que ainda não haviam assimilado Cabeça Dinossauro, o emblemático álbum lançado pelo grupo em 1986, com a ‘porradaria’ que eram Bichos Escrotos e Polícia - essa última, motivada pelas prisões de Arnaldo Antunes e Bellotto, já no fim da ditadura militar, mas ainda com os métodos praticados por ela.

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Para Britto, dessa vez, em Microfonado, o som é ainda mais “cru”. “Com isso, as sutilezas (do som) aparecem muito mais. Tem uma dose de ineditismo, sim, sobretudo depois de uma mega turnê, com aquela parafernália toda, tocando em estádios”, diz. “Depois de 42 anos, tendo feito tanta coisa, nem tudo pode parecer absolutamente novo”, concorda.

Pilotado pelo produtor Rick Bonadio, o projeto foi gravado no estúdio Midas, em São Paulo. Na plateia, poucos convidados, como amigos e familiares. O Estadão acompanhou a gravação ocorrida no dia 3 de abril. Os músicos Beto Lee e Mário Fabre completaram o trio.

Para apresentar novidades, além de novas versões deles para músicas consagradas (leia mais abaixo), Microfonado também se põe de pé com participações especiais. A primeira delas, para quem ouvir ou ou assistir ao audiovisual na ordem, é a de Ney Matogrosso que escolheu Apocalipse Só, composição de Britto e Bellotto presente no álbum Olho Furta-Cor.

“Mandamos uma lista de música do Ney. Algumas já bem conhecidas. Mas ele escolheu essa logo de cara”. Na gravação - Ney fez sua parte antes, sem a plateia de convidados - o cantor diz que entendeu “tudo” da canção.

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De fato, o cantor parece muito à vontade no registro. Um próprio titã, com a autoridade de ter olhado para a banda em 1989, ao incluir Comida em seu show. “Foi importantíssimo. Ganhamos certo verniz que só a MPB tinha naquela época. Ney nos colocou em meio as coisas que ficam”, analisa Britto.

Os Titãs receberam convidados como Ney Matogrosso Foto: tony santos

Outra participação que se encaixou perfeitamente no espírito do projeto foi a de Lenine. Ele canta no rock baião Raul, também de Olho Furta-Cor, que aborda a suposta semelhança entre os dois gêneros, algo difundido e explorado por Raul Seixas, o homenageado na canção.

Como no rock sempre foi dominado por homens, os Titãs, que lá atrás já haviam aberto espaço para as mulheres, chamaram a amiga Preta Gil (em Como É Bom Ser Simples), a roqueira Cyz Mendes (em Um Mundo) e a paraense Bruna Magalhães (Porque Sei Que É Amor).

Mais uma vez, a banda pensou em fazer com que tudo soasse novo. Para Bellotto, a participação de Cyz - que já havia atuado com eles na ópera rock Doze Flores Amarelas - fez com que Um Mundo, feita na época da pandemia, inspirada pela polarização política e o afastamento de quem tem opiniões diferentes sobre o tema.

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“Com a Cyz, também percebi que a música poderia ser interpretada sob o ponto de vista de um relacionamento amoroso”, analisa Bellotto.

Os Titãs já estão em turnê com Microfonado. A pré-estreia ocorreu em Curitiba e uma reestreia está marcada para 19 de julho, no Vivo Rio. Um show pensado para teatro, com cenografia meio vintage e repertório ampliado, com músicas que ficaram de fora até mesmo da turnê Encontro, entre elas, Enquanto Houver Sol e Isso.

Novas vozes para antigos sucessos

O registro audiovisual de Microfonado traz outras novidades para dentro dos Titãs. Dois hits do grupo, Sonífera Ilha e Marvin, consagrados pelas vozes de Paulo Miklos e Nando Reis, respectivamente, ganharam seus primeiros registros oficiais com Bellotto - ele é autor de Sonífera Ilha ao lado de Mello, Marcelo Fromer, Ciro Pessoa e Carlos Barmack - e Britto - ele é um dos compositores da versão de Marvin, juntamente com Nando.

“Os Titãs sempre foi uma banda de muitos cantores. Tinham cinco. E nenhum líder. Todo mundo fazia tudo. Ficava essa coisa meio de fazer uma música, mas sempre tinham vários cantores para cantar”, diz Bellotto, sobre como a divisão era feita quando a banda tinha sua formação original. “Agora, depois da turnê encontro, com a imagem de Paulo e Nando cantando Sonífera e Marvin novamente, era importante mostra que os Titãs continua com esse espírito. É uma banda camaleônica”, completa.

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Ao contrário de Sonífera Ilha, cantada apenas por Bellotto, Marvin, no projeto, contou com a participação do cantor e compositor Vitor Kley, de 29 anos - a versão da canção tem 36 anos - conhecido por sucessos como O Sol e Morena.

Kley, inspirado também pelo arranjo, fez uma versão mais leve, afastada do certo tom mais áspero, até meio marginal, que Nando imprimiu na versão que ficou consagrada. Kley fica em algo mais juvenil. Um ato de coragem do cantor. Britto enxerga algo além disso.

“Ela comprou a bronca. Segurou a onda. E deixou a marca dele, fez um vocalize na segunda parte. Não se intimidou. Eu ainda não tinha pensado nisso, mas o Marvin é uma conversa entre pai e filho. E sou eu, mais velho [Britto tem 64 anos], cantando com um cara mais novo. Há um significado especial”, diz.


No entanto, ainda dentro do tema voz, não há nada mais significativo do que ouvir Mello cantar duas canções. O músico enfrentou um câncer na garganta e na base da língua e retirou a laringe, em 2021.

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Em Microfonado, assim como na turnê Encontro, ele canta Cabeça Dinossauro. Levou com ele o rapper carioca Major RD, que lhe foi apresentado por seu filho Joaquim.

Major faz uma letra, pouco antes da gravação, para encerrar Cabeça. Os versos do rapper, que falam em “seu problema é sua cabeça dinossauro que te atrasa que tua voe, na pista” e máscaras de fascistas, encontram o mesmo espírito do álbum laçado pelos Titãs em 1986.

“Encaixou tudo muito bem. É o talento dele. Foi perfeito. Caiu como uma luxa de boxe”, diz Mello. “O rap é o herdeiro da virulência e da rebeldia do rock’n’roll. Contém esse gene, até muito mais forte do que o rock atualmente”, completa Bellotto.

O trabalho não é o fardo para nós. Trabalhamos com o impulso de fazer coisas novas, há quatro décadas. Carregamos esse espírito coletivo dos Titãs.

Tony Bellotto

Mello também encara, desta vez sozinho, A Melhor Banda de Todos os Tempos da Última Semana. “Poder cantar, com essa minha nova voz, é uma alegria. Eu nem saberia se poderia fazê-lo depois da cirurgia”, diz. Bellotto completa: “Você não sabia nem se iria sobreviver. Sobreviveu, falou, cantou e está tirando onda”.

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A persistência de Mello inspira uma analogia para a insistência dos Titãs. Um tipo de núcleo duro formando por Britto, Mello e Bellotto que segue adiante, após mais de 40 anos de estrada, para manter ao menos algo que se tornou uma capacidade e uma sina da banda: o de se recriar.

“O trabalho não é o fardo para nós. Trabalhamos com o impulso de fazer coisas novas, há quatro décadas. Carregamos esse espírito coletivo dos Titãs. O tipo de energia é o mesmo. Ninguém questiona se os Titãs são esses ou aqueles”, afirma Bellotto.

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