A menos de três dias do segundo turno das eleições presidenciais, a política entrou na pauta do São Paulo Fashion Week de maneira mais veemente – depois da poética apresentação sobre tolerância de Ronaldo Fraga na terça, 23. Ontem, 25, estilistas de três marcas tocaram espontaneamente no assunto, cada um à sua maneira.
Luiz Cláudio, da Apartamento 03, de um jeito metafórico. Um apaixonado pelo preto, cor que considera a mais apropriada para esse momento político, ele se rendeu a uma demanda comercial investindo nas cores e nas flores. “Comecei a desenhar a coleção e as estampas a partir do feedback do inverno: as clientes me pediam cor”, diz.
Conhecido por misturar decorativismos barrocos com modelagens minimalistas normalmente em tons sóbrios, Luiz mostrou desta vez looks lindos em dégradés do verde para o vermelho e do pink para o azul cobalto, decorados com babados de ondulações delicadas e franjas, que conferiam leveza e movimento às peças. Estampas florais, quase abstratas, geométricas, renderam vestidos e conjuntos de alfaiataria com bermuda ciclista.
“Quis terminar o desfile com vestidos que remetem a flores”, diz ele sobre a sequência de longos de seda em tons vibrantes de amarelo, rosa, verde e laranja, com aplicação de pequenos babados que lembravam pétalas. O casting todo de modelos negras foi outro gesto significativo de defesa da diversidade.
Na Handred, o carioca André Namitala veio inspirado por uma viagem a Ouro Preto, destacando também a dualidade entre leveza e rigidez.
Num poema-manifesto em que falava da coleção, mencionou o “país que hoje sangra realidade”. Ao som de músicas de protesto de Chico Buarque, gravadas no início dos anos 70, abrindo com Construção e encerrando com a emblemática Apesar de Você, mostrou roupas fluidas em linho, trabalhadas com pregas e dobras.
Na Cotton Project, os responsáveis pela grife, Rafael Varandas e Acácio Mendes, receberam os aplausos com adesivos de Haddad 13 colados no peito. Foi um desfile mais maduro e a estreia oficial de sua linha feminina na passarela. Desta vez, o mote da coleção é um documentário da BBC sobre hiper-realidade Hypernormalisation, de Adam Curtis) e como ela vem borrando a apreensão do que é verdadeiro e falso, de real e ficção. Em tempos de fake news nas redes, assunto mais pertinente impossível.
Na coleção, a alfaiataria ganha destaque em criações de leitura tropical, informal e suave, que emulam uma elegância acessível e possível para as altas temperaturas do verão.
Se Apartamento 03, Handred e Cotton Project foram pontos altos entre as apresentações de ontem, também houve um ponto baixo. A passarela não perdoa. Com todos os holofotes e olhares voltados para os modelos, o talento se sobressai e a falta dele também se amplifica. Principalmente nesta temporada, na qual poucos têm orçamento suficiente para montar cenários e investir em artifícios que tirem o foco da roupa.
Como o próprio nome sugere, a principal plataforma da grife Two Denim é o jeans – o que gera uma certa expectativa em relação às interpretações dadas ao material. A roupa mostrada na SPFW, no entanto, não trouxe o frescor que se espera em uma semana de moda, com lavagens e modelagens comuns e óbvias. Apesar de algumas peças metalizadas e com aplicações de cristais trazerem (literalmente) algum brilho à passarela, a sensação é de que o desfile deixou a desejar.
Projeto estufa
Na incubadora de talentos promovida pelo evento, o carioca Victor Hugo Mattos mostra adereços de cabeça e colares maximalistas, assim como as roupas com aplicações de pedrarias que passeiam por um território que mistura etnia, street e glamour noturno.
Formado em moda na Bélgica e estagiando na Louis Vuitton Paris, o mineiro Fernando Miró, da marca Mipinta, fez um mix de aviação, sportswear e cultura queer. Na sua passarela, entram em cena macacões esportivos com náilon de paraquedismo, calças assimétricas, bombers, saias e capas desconstruídas infladas de ar.
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