O movimento de ocupar a rua tem uma relação intrínseca com o ato de conhecer a própria cidade. Fazer exercícios em um parque muitas vezes exige que os esportistas dêem voltas em um mesmo circuito, enquanto na rua é possível descobrir novos caminhos e espaço na vizinhança. Em São Paulo, opção não falta para isso. Desde grandes avenidas como a Sumaré, na zona oeste, e a Brás Leme, na zona norte, até praças, ruas desertas ou até mesmo ao redor de parques como o Ibirapuera.
Há oito anos, o grupo Corredores da Zona Norte, criado pelo corredor amador Marcelo Avelar se junta para praticar o exercício na Avenida Brás Leme. Durante grande parte da pandemia, os treinadores trabalharam o condicionamento físico dos alunos em sessões no Zoom, mas já voltaram para os encontros presenciais. Segundo Lúcio Gustavo, coordenador e professor do grupo, não é fácil manter as recomendações de segurança contra a covid-19 durante os encontros, mas estão se adaptando. “A gente evita passar exercícios aglomerados. Preferimos os mais aleatórios, pedindo para cada um correr para um lado, por exemplo. Se alguém chegar sem máscara, não pode treinar”, diz.
Entre as vantagens de correr na rua, está a facilidade. “Você aprende que pode correr em qualquer lugar”, brinca a personal trainer e corredora de rua Julia Ornelas. O pessoal do Corredores da Zona Norte compartilha do mesmo pensamento. “Aqui é muito mais acessível para os alunos. Mas, ao mesmo tempo, isso não impede que eles corram em outros lugares”, conta Lúcio.
É também o lugar certo para realmente perceber o seu condicionamento físico, afinal calçadas, asfaltos e ladeiras exigem mais do físico do que uma esteira ou pista de corrida. No entanto, “os desníveis que você enfrenta no asfalto, ao menos em São Paulo, não são muito fortes a ponto de causar lesão no esportista”, acalma Julia.
O corredor amador Rodrigo Santos segue às ordens do seu personal. “O lugar não é uma restrição. Assim como a quantidade de quilômetros e periodicidade de treinos.” Ele, que mora em Piracicaba, no interior de São Paulo, mas vem para a capital regularmente visitar a namorada Deborah, confessa que a falta de trânsito é um atrativo para a corrida de rua. “O tempo que eu demoraria para pegar o carro e ir até um parque, por exemplo, seria o tempo de fazer o treino. Então, a rua, às vezes, é mais fácil.”
Também passou a se exercitar fora de casa o casal Janice Corrêa e Leandro Henrique. “Antes, eu estava fazendo exercícios pelo YouTube de alto impacto e tive um desgaste patelar. Por isso, voltei para a caminhada”, comenta Janice. “É algo que os dois precisam, por questão de saúde”, completa Leandro.
Bike e boxe. O isolamento fez com que a saída de casa quase se tornasse um evento. Seja para ir ao mercado ou passear com o cachorro. A prática de exercício físico, porém, traz também a vantagem do combate ao sedentarismo e a melhora do condicionamento físico. Um empresário, que preferiu se identificar apenas como Josimar, passou a andar de bicicleta para garantir a saída de casa e também a prática do exercício físico. “Antes, fazia academia, mas parei, pois fiquei com medo de ser contaminado. A bike foi uma oportunidade de fazer algo”, observa ele que, há um mês, passou a andar pela Avenida Brás Leme durante o período noturno.
Para quem gosta de praticar o esporte, as ciclovias ajudam muito. O cuidado, no entanto, é redobrado devido ao trânsito. “A gente tem que dividir a cidade. Tem gente correndo, caminhando e pedalando. Quem está no dedal tem que ter respeito por aquele que está correndo e andando e entender que a gente, às vezes, vai ter que dividir a ciclovia”, opina Julia. Exercícios na rua podem, também, ir além da corrida, caminhada e bike. O professor de boxe Ítalo Souza passou a dar aulas em uma praça da rua Baroré, na Casa Verde, e no parque Jardim das Perdizes, no Pacaembu. “No começo da pandemia, quando as academias fecharam, os alunos passaram a me procurar para aulas particulares. Comecei na residência das pessoas, mas achei melhor treinar ao ar livre pela segurança”, diz ele. Para garantir a segurança, Ítalo dá aula a um grupo pequeno de alunos por vez, todos com máscara e distanciamento.
Cuidados. Diferente de parques e clubes, onde não existe preocupação com carros, a segurança é prioridade no asfalto. Certifique-se de que o volume do áudio esteja mais baixo do que você costuma escutar em lugares fechados, garantindo que você escute buzinas, motos e o trânsito em geral. “É preciso redobrar a atenção para pedestres, carros, bicicletas e, por isso, seu foco no treino não será tão concentrado”, alerta Júlia. Uma das dicas é sempre correr na contramão dos veículos. Para garantir ainda mais atenção ao redor, a personal recomenda que os corredores diminuam a velocidade ao praticar o exercício na rua.
Os alongamentos são recomendados para serem feitos depois do treino. “Ele estimula o relaxamento muscular. E, quando vamos fazer qualquer tipo de atividade física, é interessante que a musculatura esteja mais ativa”, explica a profissional. Antes, é recomendado um aquecimento, que tende a ser a mesma atividade numa intensidade menor.
A hidratação é sempre recomendada. Para o corredor amador Rodrigo Santos, ela é pensada ao longo do dia, não só antes do treino. “O legal é tomar água o dia todo. Se eu for correr bem cedo, reforço a hidratação à noite.” Com o calor de fevereiro, é interessante também levar um isotônico ou água de coco para repor os minerais perdidos no suor.
Entre os mais polêmicos dos cuidados, está a máscara. O Estadão já descobriu qual a melhor máscara para correr, mas é sempre bom lembrar que o ideal é que ela seja feita com um tecido que reduz a transpiração, como aqueles usados em camisetas esportivas. “O uso da máscara depende mais da presença ou não de outras pessoas. Se eu estiver muito distante de outros, como num jogo de tênis, não preciso usar máscara, porque o vírus não vai ficar disperso ao ar livre e o parceiro de jogo estará bem distante”, explica Marcia Hueb, médica e professora de infectologia na UFMT.
É importante tirar um tempo para descobrir uma máscara minimamente confortável e que se encaixe bem no seu rosto. No entanto, é normal sentir uma certa fobia pela sensação de falta de ar. “Nesse caso, vale a pena reduzir um pouco a intensidade, dar pausas no treino para você se acostumar”, afirma Julia.
Marcia explica também que existe diferença na dispersão de gotículas, conforme o exercício. “Quanto mais exaustivo, maior a quantidade emitida de gotículas e mais necessária a máscara e o distanciamento. Se numa caminhada uma distância de 1,5 m de um para o outro é suficiente, numa corrida cada um deve estar distante do outro cerca de 5 metros”, diz ela.
Para Vitor Fontes, designer de arte do Estadão, a proteção é tão importante que ele leva duas para garantir. “Saio de casa com um dinheiro e outra máscara, caso a primeira molhe.” Ele, que já chegou a correr maratonas, hoje gosta de praticar o esporte por hobbies. Seu lugar favorito é o Minhocão, mas, quando o elevado está fechado, opta pela Avenida Higienópolis, que tem calçadas largas. “No começo, corria muito para bater metas, tanto que escutava músicas mais ‘pauleiras’ para dar um gás. Hoje, escuto um podcast de notícias, de entretenimento”, conta.
Já para as amigas Barbara Appolinário e Caroline Brito, a não obrigação do uso da máscara é justamente o atrativo da rua. “É muito difícil manter uma rotina com essas mudanças de ‘abre parque, fecha parque’ que estão acontecendo. Além disso, dentro desses lugares, é obrigatório o uso de máscara e, na minha opinião, é muito difícil usá-la o tempo todo”, diz Caroline. A rotina de correr de três a cinco vezes por semana na Avenida Luiz Dumont Villares pela manhã melhora o rendimento do dia das amigas. “A corrida deu uma motivação para nós duas. Além de ser uma válvula de escape para conversar e ter uma interação que está muito difícil de ter durante a pandemia”, diz Barbara.
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