Você cresce sem um pai, sem saber nada sobre ele, inventando histórias e também motivos para aquela ausência até que um dia para de pensar nisso. E então o telefone toca. Você ouve uma língua estranha e ao mesmo tempo familiar. Não entende nada até que entende tudo: houve sim um pai, e ele está morto. Mais um abandono. Agora, aos 38 anos.
É assim que começa João Maria Matilde, segundo romance da escritora mineira Marcela Dantés (1986), que chega às livrarias em maio pelo selo Autêntica Contemporânea. Um livro bonito e triste que começou a ser escrito durante uma residência literária no Festival de Óbidos, em Portugal.
Quem nos conta esta história é a própria Matilde, uma tradutora que vive no Brasil e se vê, de repente, às voltas com uma viagem a Portugal, país desse seu novo pai, João Maria, para a leitura do testamento. O namorado diz que não vale o esforço. Que ela vai remexer em coisas complicadas e vai voltar de lá com um faqueiro de prata. Ela sabe que tem que ir, que vai doer, que ela vai chorar. Vai não pela herança, mas porque está prestes a conhecer, enfim, uma história que sempre lhe foi negada pela mãe – uma mãe que agora, mesmo que quisesse, já não poderia voltar atrás e dar um sentido a tudo isso, à existência de Matilde. Beatriz ainda vive, mas, com seu olhar perdido e sua angústia, está presa a um passado em que Matilde não existe ainda e a uma poltrona numa casa de repouso, sofrendo as consequências de um Alzheimer precoce e devastador.
Matilde canta uma última música para a mãe e vai. Vai sem saber quando volta, culpada porque sente que está traindo a mãe que silenciou esse passado. Mas por quê? Quem foi esse homem? O que ele fez? Que herança é essa que ele deixou? Como a vida teria sido se as coisas tivessem tomado outro rumo? Como a vida será dali em diante? Ao buscar essas respostas, a personagem acaba mergulhando em um mundo que ela conhece bem, que tenta contornar desde muito jovem: a ansiedade e o pânico.
No quarto de hotel “tão clichê quanto uma filha em busca de um pai”, ela vive momentos de muita angústia sem saber, às vezes, o que daquilo é real.
Fora dali, numa cidade cercada por uma muralha que guardou parte importante de sua vida, desamparada, ela vive esse luto e essa ausência, digere histórias de amor e trauma, se confronta com heranças muito maiores do que um faqueiro – genéticas principalmente –, e se reconhecendo num pai que ela nunca viu, conhecendo o afeto por meio de estranhos, talvez encontre um sentido e seu lugar.
João Maria Matilde Autora: Marcela Dantés Editora: Autêntica Contemporânea (160 págs.; lançamento previsto para maio)
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