Participei de muitas outras sessões de fotos para divulgação de livros ou colunas de jornal, todas marcadas por certo grau de tortura e constrangimento social, mas os fotógrafos costumam estar cientes da natureza invasiva de seu trabalho e tentam agir como hábeis depiladores: só mais um pouco, estamos quase acabando, muito bem, vai ficar ótimo. A foto que acompanha esta coluna, por exemplo, foi tirada em quinze minutos pelo experiente José Patrício, do Estadão, que só pediu que eu me postasse diante de uma coleção de enciclopédias, e ficou me distraindo com histórias sobre a cobertura política das eleições. Dois ótimos fotógrafos ligados a editoras, Fernanda Fiamoncini e Nino Andrés, costumam contar piadas e escolher paredes diferentes da casa para usar como fundo.
O máximo que fazem é arrumar uma mecha de cabelo fora do lugar.
Não foi o caso dessa sofrida sessão de fotos na Heitor Penteado, que durou entre três e quatro horas – ou dias, ou meses.
Primeiro, uma moça analisou as blusas e foi passá-las. Fiquei realmente apavorada quando ela disse que, enquanto isso, um assistente iria “fazer o meu cabelo” – um conceito que não consigo entender, sobretudo porque achei que ele havia acordado num dia ótimo e estava pronto para brilhar diante das câmeras. O assistente abriu malas enormes cheias de secadores, grampos e bobes, sacou uma escova gigante e se pôs a jogar uns gases tóxicos ao meu redor. (Mais tarde, em casa, posso jurar que saiu uma mosca do meu cabelo, provavelmente fossilizada numa camada de laquê.)
Depois ele cuidou da maquiagem. Pedi que fosse o mais leve possível, sem cílios postiços, e me garantiram que seria quase imperceptível. Passei um tempo com a cabeça para trás sendo coberta por pincéis, batons, sombras e uma nuvem cor-de-rosa. Quando ergui o rosto, parecia uma atriz dos anos 80 ou uma capa da finada revista Nova. O leitor imagine o cabelo da Melanie Griffith em Uma Secretária de Futuro e a maquiagem da Farrah Fawcett na capa da Cosmopolitan de abril de 1975. Fui ao banheiro para tirar uma das demãos de pó, abaixar o cabelo e procurar uma rota de fuga – só não saí correndo por pura covardia.
Passei as horas seguintes seguindo orientações de onde colocar as mãos e como dar ares de inteligência. Cogitou-se a possibilidade de tirarem meu sapato e me fotografarem com os pés descalços (só sobre o meu cadáver). Por fim, botaram vento no meu cabelo. Vento. No cabelo.
Quando as fotos saíram, nenhuma daquelas mulheres se parecia comigo.
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