Entre os novos hábitos que a pandemia obrigou o mundo a adotar, os museus tiveram de estudar alternativas para mostrar seus acervos. No caso da Pinacoteca do Estado, uma ideia que surgiu durante o confinamento foi a de expandir sua área, construindo um museu integrado (de forma ecológica, ao ar livre) ao bicentenário Jardim da Luz. Com um acervo de 11 mil obras e apenas 1 mil delas em exposição permanente, a velha Pinacoteca ganha, a partir do dia 4 de março, uma nova irmã no bairro da Luz: a Pina Contemporânea, finalmente aberta para exibir a coleção de contemporâneos guardada na reserva técnica.
Detalhe: com o novo prédio, o complexo Pina (formado pela Pina Luz, a Estação Pinacoteca e a Pinacoteca Contemporânea) passa a ser o segundo maior museu da América Latina, atrás apenas do Museu Nacional de Antropologia do México. Juntos, os museus do complexo Pina contam com mais de 22 mil metros quadrados de área, 9 mil deles para exposições. O Estadão visitou o novo espaço.
A Pinacoteca Contemporânea tem 6 mil metros quadrados de área construída desse total e dois grandes espaços expositivos – a Grande Galeria, com 1 mil metros quadrados, e a Galeria Praça, que tem 200 metros quadrados. Ela abre suas portas para o público ainda sem todos os equipamentos em pleno funcionamento (o café e o restaurante, por exemplo), mas com duas exposições de peso.
Na Grande Galeria, estarão na coletiva inaugural obras de grandes dimensões assinadas por 48 artistas – caso de Ttéia, uma sala com uma instalação de Lygia Pape (1927-2004) que utiliza fios metálicos brilhantes. A Galeria da Praça será aberta com a primeira grande mostra da artista sul-coreana Haegue Yang, de 52 anos, na América Latina.
O diretor-geral da Pinacoteca, Jochen Volz, revela as diretrizes que organizam a linha curatorial da nova instituição, um prédio projetado para receber também o público que frequenta o parque da Luz: “A nova Pinacoteca foi pensada para valorizar a produção contemporânea brasileira, os artistas do nosso tempo, em particular os contemporâneos indígenas, os descendentes de negros e as mulheres”.
A nova Pinacoteca foi pensada para valorizar a produção contemporânea brasileira, os artistas do nosso tempo, em particular os contemporâneos indígenas, os descendentes de negros e as mulheres
Jochen Volz, diretor da Pinacoteca
De fato, na coletiva inaugural da Grande Galeria é possível notar a presença de artistas negras como Rosana Paulino e de representantes das comunidades indígenas, como Daiara Tukano, dialogando com a obra Tríade Trindade (2001), uma escultura monumental do artista pernambucano Tunga instalada na grande praça aberta da Pinacoteca Contemporânea, projetada para receber peças de grandes dimensões.
A praça é um espaço aberto entre dois edifícios, um mais antigo, atribuído ao escritório de Ramos de Azevedo, remanescente da primeira escola lá construída, e outro mais moderno, da década de 1950, de autoria do arquiteto Hélio Duarte, onde funcionou uma escola até 2015. A ideia de ocupar esse espaço surgiu em reuniões da Associação Pinacoteca Arte e Cultura (Apac), organização social que administra a Pinacoteca. Segundo Volz, “foram três anos de negociações com a Prefeitura e o governo, até que o terreno fosse oficialmente cedido à Secretaria da Cultura e Economia Criativa, em 2018″.
O governo de São Paulo aplicou na obra R$ 55 milhões (uma composição de recursos oficiais e patrocinadores). A família Gouvêa Telles (do empresário Marcel Telles, um dos fundadores da Ambev) completou os recursos necessários, R$ 30 milhões, sem lei de incentivo, ou seja, do próprio patrimônio.
O projeto de expansão da Pinacoteca, assinado pelo escritório Arquitetos Associados, que realizou obras em Inhotim, foi pensado para integrar o novo edifício e o tradicional da Pina Luz de maneira harmônica. Tanto que até a cobertura translúcida desenhada pelo arquiteto Paulo Mendes da Rocha para o teto da Pina Luz foi replicado em menor escala pela empresa de arquitetura responsável pelo projeto da Pinacoteca Contemporânea.
O edifício da antiga Escola Estadual Prudente de Moraes, transferida para outro local, agora abriga a biblioteca, o centro de documentação e as reservas técnicas da Pinacoteca Contemporânea, que será inaugurada no dia 4. Num antigo pavilhão com arcos de ferro foi instalada a nova Galeria Praça. Entre esses prédios, a terra foi escavada e surgiu a Grande Galeria subterrânea com uma rampa que conduz à entrada da Rua Ribeiro de Lima, ligando o museu ao Bom Retiro e reconfigurando sua relação com o bairro. Tradição e modernidade convivem, enfim, sem conflito.
“As pessoas poderão circular livremente por todo o espaço do Parque da Luz, e isso vai trazer futuros visitantes ao museu”, observa o diretor-geral da Pinacoteca, Jochen Volz. Hoje, a Pinacoteca atrai 600 mil visitantes por ano, número que deve ultrapassar 1 milhão com o novo espaço, conforme projeção da diretoria.
Segundo Volz, cerca de 70% dos frequentadores da Pinacoteca tiveram seu primeiro contato com a arte por meio do museu, o que faz supor que muitas delas visitaram o Jardim da Luz e tiveram a curiosidade de entrar por acaso na Pina Luz. Para atrair novos visitantes, a Pinacoteca Contemporânea não vai cobrar ingresso no primeiro mês.
Se houve uma mudança positiva provocada pela pandemia foi a de que os espaços de convivência com áreas abertas estão sendo redescobertos e valorizados pela população. E a nova Pinacoteca Contemporânea, conclui o diretor Volz, ganha novas finalidades, oferecendo ao público uma praça com arte e um lugar arborizado para respirar.
As pessoas poderão circular livremente por todo o espaço do Parque da Luz, e isso vai trazer futuros visitantes ao museu
Jochen Volz, diretor da Pinacoteca
“Quem sabe, no futuro, possamos até ouvir música na nova praça da Pinacoteca Contemporânea”, sugere Volz. “Ela vai promover o encontro e o diálogo de forma inclusiva, fomentando a diversidade e a educação artística”, diz ele, complementando que todos os programas desenvolvidos pela instituição “refletem o espírito de integração social traduzido nessa arquitetura acolhedora”.
O escritório Arquitetos Associados, que assina a obra, foi o selecionado entre dez convidados por um comitê composto por representantes da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo, dos órgãos de patrimônio e da Pinacoteca de São Paulo. O projeto buscou soluções ecológicas como a grande cobertura de madeira na praça central, que explora a luz filtrada, como a do parque, refletindo preocupação ambiental, além da formal.
O ano da Pina Contemporânea começa com a mostra Quase Coloquial, de Haegue Yang e Chão da Praça, com obras do acervo da Pinacoteca. Primeira sul-coreana a expor na instituição, Yang exibe uma instalação composta de esculturas feitas com persianas industriais que pendem do teto da Galeria da Praça, como móbiles, combinadas a outras esculturas móveis dispostas sobre o piso.
A mostra coletiva Chão da Praça, com coordenação de Ana Maria Maia, curadora-chefe da Pinacoteca, e Yuri Quevedo, reúne cerca de 60 obras do acervo de arte contemporânea do museu como Parede da Memória (1994-2015), de Rosana Paulino, sobre a questão de identidade dos afrodescendentes, e Yiki Mahsã Pâti (Mundo dos Espíritos da Floresta), da artista indígena Daiara Tukano. l
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