Vivienne Westwood, a engajada estilista inglesa vem ao Brasil

Estilista lança exposição 'Shoes' no São Paulo Fashion Week e dois sapatos de plástico produzidos pela Melissa

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Por Lilian Pacce
Atualização:

Vivienne Westwood chega na semana que vem ao Brasil e tem muitos compromissos. Sua exposição Shoes, já exibida em Milão, faz parte da programação do São Paulo Fashion Week, que começa na próxima quarta. A exposição reúne mais de 140 modelos criados por Vivienne desde 1973, quando ela inventou o estilo que se consagraria como punk ao criar o look do grupo Sex Pistols, ao lado do então marido Malcolm McLaren. Entre os hi-lights, o sapato mais comentado dos anos 90: o modelo meia-pata com plataforma vertiginosa do qual a top inglesa Naomi Campbell despencou em plena passarela. Sapatos, aliás, são a base de sua vinda, já que ela está lançando dois modelos de plástico produzidos pela Melissa. Veja também: Fotos dos desfiles de Vivienne Westwood  Em outro evento, restrito a poucos convidados, ela promete uma performance contestadora com a leitura de seu Manifesto AR (Active Resistance to Propaganda). Nele, a estilista engajada de 66 anos lança mão de personagens do imaginário infantil, como Pinóquio e Alice, e filósofos como Aristóteles, e defende que só a cultura pode nos tornar mais humanos e menos destrutivos. Vivienne assina as marcas Gold Label (que desfila em Paris), Red Label (que vai estrear nas passarelas de Londres na próxima temporada em fevereiro), Man (masculina, desfila em Milão) e Anglomania. São oito lojas na Inglaterra e 500 pontos-de-venda no mundo. Em fevereiro também ela lança um megalivro de fotos em parceria com a Opus, máquina da Polaroid que faz megafotos de 50 x 60 cm: "O resultado destas polaróides gigantes é impressionante", disse ela nesta entrevista exclusiva ao Estado. O livro de peso tem tiragem limitada e cada exemplar deve custar US$ 5 mil. A estilista inglesa, que é avessa a longas viagens, esteve no Brasil em 1991 pela primeira vez, acompanhada de seu assistente e marido Andreas Kronthaler, que é 25 anos mais novo que ela, e de seu diretor comercial Carlo D’Amario. O trio estará junto novamente em São Paulo, de onde ela pretende viajar em seguida para conhecer algum lugar do país - a Amazônia talvez. Como surgiu o convite da Melissa? A criação de um sapato de plástico é diferente da de um sapato comum? A Melissa é uma marca brasileira que faz sapatos há mais de 30 anos e já teve parceiros importantes como Jean Paul Gaultier e Thierry Mugler nos anos 80. Este projeto surgiu graças ao meu diretor comercial, Carlo D’Amario, que está sempre no Brasil, e nosso agente na América Latina, Lorenzo Ferrara. Vamos fazer o modelo Mary Jane, um dos meus clássicos favoritos, em plástico e em várias cores. O plástico é um bom material para sapato já que faz o produto ser muito durável. Como mulher e estilista, o que é importante em um sapato? O sapato deve ter salto e plataforma bem altos como se colocasse a beleza feminina num pedestal. Qual é seu sapato preferido na exposição? É o modelo usado por Naomi no desfile de 1993. Ela parecia uma Afrodite dos tempos modernos. É o mais alto que você já fez? Sim, é o mais alto que já fiz. É teatral, lindo. Roupas e acessórios nos dão a oportunidade de interpretar diferentes papéis: você pode se sentir poderosa ou linda, por exemplo. Para andar com um sapato muito alto, com uma plataforma embutida, é preciso manter o corpo ereto e alongado. Muitos estilistas e marcas de luxo contratam artistas para suas campanhas publicitárias. O que você acha desse culto às celebridades? Eu gosto quando mulheres bonitas usam minha roupa, mas minhas clientes são minhas melhores embaixadoras. Para ser sincera, apesar de ter muito orgulho das minhas clientes, eu também adoro vestir as supermodelos. Glamour tem a ver com arquétipo e eu adoro estas belezas arquetípicas. A moda está viva quando é usada e quando falam dela. Muitas vezes você é a modelo de suas campanhas. Você é sua melhor modelo? A melhor coisa do meu trabalho é que posso usar roupas incríveis. Sou o epicentro do meu estilo do mesmo jeito que Chanel era - é mais fácil uma mulher fazer isso do que um homem, e eu tenho consciência disso. É muito útil. As pessoas se interessam também pelo que eu faço e para mim é importante entender o mundo em que vivo. Mas embora a moda faça parte disso, exercito meu cérebro de várias outras maneiras. Sua marca não pertence a nenhum grupo de luxo, como o LVMH ou PPR. Qual o segredo dessa independência? Acho que quanto mais você anuncia, menos verdadeiro você é. Meus produtos falam por si só. Eu não teria escolhido a moda como profissão. Aconteceu, e é preciso ganhar a vida. E continuei nela porque tinha muitas idéias e queria realizá-las. Ao longo da minha carreira as pessoas estão sempre me inundando com perguntas. As pessoas muitas vezes se preocupam mais com minhas opiniões do que com a minha roupa e há motivos para isso. Sou uma empresa relativamente pequena e independente. Não tenho um executivo me dizendo o que devo fazer. Eu não rejeito a publicidade. Mas sou respeitada por quem percebe que minha roupa é de verdade e não apenas um hype. O tempo tem sido meu aliado e a esta altura já tenho bastante credibilidade. Para ser honesta, tento comunicar o que eu penso. Não me vejo como uma estrela ou propriedade pública. Você vai desfilar a Red Label pela primeira vez na semana de moda de Londres, em fevereiro. O que Londres significa pra você? Londres é uma cidade incrível. Não há nada igual no mundo. É tão grande! Londres foi construída ao longo do tempo, ou seja, não é um lugar de concreto que surgiu velozmente nos últimos anos. Você sente a história. Londres foi erguida em torno de um rio cercado por colinas e sua arquitetura reflete isso: conforme você se desloca, você se sente numa nova cidade. Desde a Revolução Industrial, passando pelo Império Britânico, sempre foi um centro importante. Teve todo tipo de migração, o que faz dela um lugar de grande tolerância - talvez nem sempre, mas é como ela acabou se desenvolvendo. Há muita gente dos países da Comunidade Britânica, como os australianos por exemplo. Há muitos negros, especialmente os da Jamaica, que estão sempre vestidos com muito estilo. E além de tudo, há muitos museus, shows e concertos. Por ser uma cidade globalizada, é muito rica, pois há demanda para tudo - até para a miséria. É o que nós chamávamos nos anos 60 de "Swinging London" - e acho que ainda é, por isso desperta tanto fascínio. A diferença é que os jovens eram mais politizados nos anos 60 graças a dezenas de livrarias underground, enquanto hoje tudo tem a ver com revistas e estilo. Há uma verdadeira pletora de revistas! Estou tão overdosada por tantas imagens que nem olho mais para elas. É tanta mídia imagética e superficial! Nos anos 60 a mídia era mais engajada politicamente. Mas felizmente a crise que vivemos hoje, inclusive em termos ecológicos, está despertando as pessoas para assumirem um papel político no mundo. Nós descobrimos o punk e o desenvolvemos - eu e Malcolm McLaren. Foi uma reação ao movimento hippie que, àquela altura, parecia ter perdido seu Norte - o "flower power" já não era mais a solução. Quando abrimos a loja, a Guerra do Vietnã ainda pairava sobre nós e as pessoas ainda se engajavam. Conte como foi começar na moda como mentora do punk. O punk foi um movimento que surgiu contra o establishment nos anos 70, articulado pelos jovens da classe operária que estavam cansados de ser ignorados. As roupas que eu e Malcolm fazíamos e a música do Sex Pistols eram contestadoras - e heróicas. Eram feitas para chocar, para chamar a atenção. Sabe lá o que teria acontecido se não fosse esta conjunção de fatores. Vendíamos roupas de rock dos anos 50 na loja World’s End, na Kings Road. Naquela época o nome era Let It Rock, depois mudamos para Sex. Nossa inspiração era o sadomasoquismo: eu rasgava as camisetas, amarrava as duas pernas da calça juntas e enchia as roupas de alfinetes, inclusive na boca da rainha (VW fez camisetas com o rosto da rainha Elizabeth). Toda a parte gráfica era inspirada nos Seditionaries, um movimento de arte francês dos anos 60. Minha revolta era uma reação visceral contra os maníacos corruptos do poder, que a cada dia se tornam mais poderosos. Eu usava roupas S&M numa época em que ninguém usava. Hoje tudo é muito mainstream. Me pergunto onde existe algum tipo de rebeldia... Eu não queria ser um símbolo de rebeldia e percebi que o punk estava se tornando mais uma commodity de marketing. Tudo era muito instintivo para mim e queria ser mais racional e eficaz. Sempre gostei de ler, então passei a buscar idéias na história e em outras sociedades. Só assim podemos ter opiniões que valham a pena ser ditas. Hoje, olho para roupas em museus e ao longo da história assim como para a alfaiataria tradicional da Saville Row (Tradicional rua de alfaiates em Londres). Quando você se cansou do punk e como foi sua evolução até se tornar uma das criadoras de moda mais influentes? Naquela altura, eu estava cansada de olhar para as roupas sob o prisma da rebeldia - e já não sabia se aquilo fazia sentido. Até surgir o Sex Pistols e o punk rock, nunca tinha me imaginado uma estilista - eu apenas ajudava o Malcolm nesse projeto. Comecei a me interessar por formas e cortes, exageros e restrições. A moda tem muito a ver com restrição e também com formas radicais de olhar o corpo. Qualquer outra coisa, eu considero estilo - juntar coisas que não têm nada a ver com moda. Como estilista, você se preocupa com algo em particular? No meu Manifesto (disponível no meu site www.activeresistance.co.uk), mostro que minha moda pode ser uma alternativa numa época de conformismo. Gostaria de responder a uma das críticas que me fazem, que meu Manifesto é contra o consumo de porcarias e o consumo obsessivo, mas não contra o consumo em si. Mas, afinal, você quer sair pelado ou vestido? Eu apenas ofereço opções. Minha máxima é: compre algo incrível em vez de ficar comprando tudo. Se você pode pagar, que seja durável. E vai durar, porque vai fazer você se sentir sempre bem. Não é que minha moda seja consciente, defendo apenas que as pessoas busquem a arte, só assim elas vão parar de consumir tanta porcaria e vão ter mais discernimento - e isso vale para moda também. Não quero ir mais longe com isso porque cabe a cada um comprar ou não minha roupa. Eles têm toda a liberdade de escolha. Em tempos de conformismo, a escolha não deixa de ser política. Escolha - em vez de ir em frente com tanta porcaria. E se você quer ser ainda mais explícito, usar palavras ajuda - o Manifesto expressa esta minha necessidade. Não sei quanto moda e política têm a ver, mas de alguma maneira sempre tiveram - são os historiadores de moda que dizem isso, não eu. O lado bom de fazer moda e de ter credibilidade como estilista de vanguarda é que as pessoas me ouvem, e agradeço por ter esta oportunidade que poucos têm. Por isso procuro fazer o máximo, compartilhando meu ponto de vista. Para terminar, você continua a ir de bicicleta todos os dias para o trabalho? Sim. É seu segredo de beleza? Não sei...

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