'Crescimento, só em outro governo'

Para o ex-presidente do BC, País precisa de reformas estruturais para sair da crise, mas não há nenhum sinal vindo do governo Dilma de que isso será feito

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Para o economista Affonso Celso Pastore, o Brasil está num “impasse”: precisa mudar a política econômica e fazer reformas para voltar a crescer, mas ele não percebe interesse do governo para tocar essa agenda. “Basta ver as últimas medidas do ajuste”, diz. “São paliativas.” Sem as devidas reformas, ele acredita que a economia vai amargar a recessão, seguida de estagnação. “O que eu espero agora é votar na próxima eleição”, diz. A seguir, os principais trechos da entrevista que concedeu ao Estado

Para Pastore, depois da recessão, País viverá um período de estagnação. 'Com esse tipo de política econômica, a economia cai e depois não se recupera', diz Foto: Patricia Santos/Estadão

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Como o sr. viu as novas medidas do ajuste fiscal? O governo fez um anúncio que não deu nenhuma confiança. Não tem uma reforma. Não tem um ajuste estrutural. Não tem nenhuma tentativa de resolver o problema que está sendo apontado, eu diria que pela unanimidade dos economistas quem têm uma postura mais crítica ao governo. Há um crescimento de despesas que é absolutamente incompatível com o crescimento da receita. O País precisa de reformas estruturais: na Previdência, na educação, no sistema tributário, naquilo que o Marcos Lisboa (economista, ex-secretário de Política Econômica) chama de meias entradas, os benefícios que o governo dá a empresários, os subsídios, os controles de preços. Enfim, toda aquela parafernalha de erros que, primeiro cessou o crescimento econômico a partir de 2013, depois, levou ao início da recessão em 2014 e ao seu aprofundamento agora. Não há nenhuma tentativa de mudança. Apenas pequenas medidas que postergam gastos, e o grosso do ajuste é feito em cima de aumento de impostos. É um ajuste fiscal absolutamente paliativo.

Mas não há o menor sinal de mudança, na sua opinião? Não. Não vinda da Dilma, nem de seus ministros. Não vinda daí. Não vejo nenhuma mudança. Olha, no domingo vocês publicaram dois artigos: o do Armínio (Fraga, ex-presidente do Banco Central, Respostas à Altura da Crise) e outro, mais longo, do Bernard Appy, Marcos Lisboa, Marcos Mendes e Sérgio Lazzarini (os economistas apontaram saídas para a crise, como a reforma da previdência). Não é a primeira vez que esse tipo de agenda aparece. Já tinha também aparecido na Folha, em outro artigo assinado também por Marcos Lisboa, Mansueto Almeida e Samuel Pessôa. Nos artigos que tenho publicado no Estado, faço críticas fundamentadas em um diagnóstico muito semelhante. Esses economistas não são juniores. Existe quase um consenso sobre qual é a agenda que o País precisa implementar para reverter, gradativamente, esse tipo de crise. A agenda passa por uma revisão profunda na política fiscal. Temos de reduzir a pobreza, mas não podemos desperdiçar recursos. Não podemos continuar aposentando mulheres com 52 anos e homens com 54 anos. Não podemos continuar a elevar o salário mínimo acima da produtividade média da mão de obra. No ano que vem, vamos ter crescimento abaixo de zero e o salário mínimo vai crescer 10%. Não dá para continuar a fazer transferência de renda e a dar subsídios a determinados setores da economia. Estou apenas dando alguns exemplos do que está lá dentro daqueles artigos.

Na sua avaliação, porque, apesar de tantos economistas insistirem nessa agenda, Brasília parece não ouvi-los? Por um tempo, eu pensei que Brasília não ouvisse porque não tinha apoio político. Minha impressão é que ainda que tivesse apoio, não faria. Há duas vedações à retomada do bom caminho. Uma é a crise política – e não fui eu que fiz. Quem fez foi a Dona Dilma. Essa crise foi gerada por ela. Depois posso até elaborar isso melhor. A segunda questão é puramente ideológica: achar que se resolve problemas gastando e dando estímulos.

Por que a presidente Dilma gerou a crise política? Quando a presidente foi eleita, não olhou para a oposição. No discurso de posse, não mencionou a oposição. Ela não chamou a oposição. Fez uma tentativa de isolar o PMDB. Tentou criar um novo partido. Naquele momento, ela gerou uma reação do PMDB – e o PMDB elegeu o presidente da Câmara e começou a fazer oposição firme à presidente. A presidente, em vez de partir para o diálogo e tentar uma composição, foi para o confronto. Tentou no fundo, enfim, por todas as formas, adquirir o controle sobre a Câmara e não conseguiu. Conseguiu foi ter o Congresso contra ela. Isso gerou um impasse político. Se esse impasse não tivesse existido e tivesse havido uma tentativa de acordo, talvez ela conseguisse levar adiante um programa de reformas – mas isso se ela, ideologicamente, tivesse a crença de que o programa de reformas é o caminho para o crescimento econômico. Não há na cabeça dela, nem na cabeça do ministro do Planejamento dela, nenhuma ideia de que reformas conduzem ao crescimento econômico. Basta ver as últimas medidas do ajuste fiscal: indicam que o caminho para eles é continuar distribuindo, distribuindo, distribuindo, para no fundo continuar recebendo o apoio. Mas não está conseguindo apoio e também não está conseguindo crescimento econômico. 

Muitos dizem que este não é o ajuste defendido pelo ministro Levy... Desculpe. O Levy é ministro. Ele está lá. Então, é o ajuste dele. Não fui eu que fiz esse ajuste. Não foi o Marcos Lisboa, não foi o Samuel, o Lazzarini. Não foi nenhum desses caras. O ajuste que cada um deles indicou e com o qual eu concordo, não é o ajuste do Levy que está aí. 

Há quem defenda a saída de Dilma, um impeachment ou a renúncia. Como o sr. vê esse cenário político? De política, eu não entendo. Não sei para onde vai. A crise econômica vai se aprofundar, mas eu não sei se a sociedade ou o sistema político vai ter alguma reação e mudar o governo. Não tenho como prever ou como analisar algo assim. A única coisa que eu coloco é o seguinte: ou esse governo muda – muda a política econômica, muda a sua aproximação com os investimentos, muda como estimular a economia e passe a usar os recursos de forma que caiba dentro do que tem de receita, enfim, muda a política econômica – ou realmente o País não vai crescer. E mais: vai ter uma recessão mais longa. A recessão já uma das mais longas da história. Começou no segundo semestre de 2014. O Codace (Comitê de Datação de Ciclos Econômicos, da Fundação Getulio Vargas) datou isso lá atrás. Agora, a recessão vem se aprofundando. Acho que ela continua no terceiro e no quarto trimestres deste ano e entra pelo ano que vem. Já temos várias instituições que fazem contas mostrando uma grande probabilidade de que em 2016 teremos queda do PIB (Produto Interno Bruto, que mede a geração de riqueza de um país). Do ponto de vista de tamanho, essa é uma das recessões mais longas da história do Brasil. Ela também é muito profunda. Quando essa recessão terminar, é difícil ver como vai se dar a retomada do investimento, como a economia vai voltar a crescer. Ou seja, dadas as informações que temos hoje, a gente vê um período de queda de PIB, seguido por um longo período de estagnação. Eu acho que só vamos retomar o crescimento em outro governo. Não neste. 

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Chegamos a um impasse? Nós estamos num impasse há muito tempo. Não é de agora. E não vejo – eu não vejo mesmo – perspectiva de saída. O que espero agora é votar na próxima eleição, outro governo, para ver se a gente consegue ter uma política econômica diferente. Não vejo isso se alterando com o governo de Dilma Rousseff.

Mas o País aguenta mais três anos no impasse? Corremos o risco de ficar este tempo todo sem crescer? Se o País aguenta, ou não, eu não sei, mas o custo vai ser grande. E é exatamente esta a perspectiva: depois que acabar essa recessão, eu acho que vamos ter um período sem crescimento. Com esse tipo de política econômica, a economia cai e depois não se recupera.

Caminhamos, então, para uma nova década perdida? Eu não sei se é uma década, mas é um período longo.

Nesse cenário, até onde o dólar vai? “O câmbio é uma variável inventada por Deus para desmoralizar economistas.” A frase é atribuída ao Greenspan (Alan Greenspan, ex-presidente do Fed, o Banco Central dos EUA) e eu acho que ele tem plena razão. Depende do prêmio de risco. Tenho enchido a paciência dos leitores do Estado repetindo: no Brasil, o câmbio anda junto com o CDS (sigla para Credit Default Swap, título que funciona como um termômetro de risco de calote de um País). No último artigo até coloquei um gráfico para mostrar. De lá para cá, o CDS andou um pouco mais e o câmbio também. E o CDS andou não porque alguém ficou maluco, mas porque os riscos cresceram. Cresceu o risco de sustentabilidade da dívida. Havia uma probabilidade de a dívida chegar a 72% do PIB. Agora, com os números fiscais que estão aí, a probabilidade é maior. Então, na medida que o risco cresce, o câmbio tende a depreciar. 

Economistas dizem que o câmbio fará o ajuste, levando à retomada do crescimento via exportações. Uma hora qualquer a exportação até pode reagir, mas até agora não reagiu – e o câmbio já andou mais do que qualquer economista supôs que fosse andar neste ano. As exportações continuam caindo. E as importações estão caindo dominadas muito mais pela contração da atividade econômica do que pela depreciação cambial, embora a depreciação também afete. 

Como seria um segundo rebaixamento, o cenário piora ou fica como está? Piora um pouco mais. Para crescer, é preciso investimento. Com cenário de incerteza, a tendência é que a taxa de investimento siga caindo.

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