A agência de viagens 123milhas surpreendeu milhares de clientes ao anunciar, na última sexta-feira, 18, a suspensão dos pacotes com datas flexíveis e a emissão de passagens promocionais, que faziam parte da linha PROMO e tinham previsão de embarque entre setembro e dezembro. Segundo a empresa, a medida foi tomada “devido à persistência de circunstâncias de mercado adversas”. Passagens já emitidas, que possuem localizador ou e-ticket, estão mantidas.
A suspensão dos pacotes causou revolta nos clientes e levou a 123milhas a ser notificada pelo Procon-SP e a se tornar alvo da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Pirâmides Financeiras, segundo o deputado federal Aureo Ribeiro (Solidariedade-RJ). Os ministérios da Justiça e do Turismo também investigam a empresa. Entenda abaixo os detalhes do caso.
Reembolso
Até o momento, a 123milhas está oferecendo aos clientes afetados pela suspensão somente a opção de reembolso em vouchers, ou seja, cupons para uso na própria empresa. A agência diz que está devolvendo os valores integralmente, “acrescidos de correção monetária de 150% do CDI, acima da inflação e dos juros de mercado”. Os canais de comunicação para solicitar os vouchers são os seguintes: www.123milhas.com ou www.123milhas.com.br, na aba PROMO 123, ou através do WhatsApp verificado (31) 99397-0210.
Especialistas em direito do consumidor, no entanto, afirmam que o cliente também tem o direito de optar pela devolução integral dos valores corrigidos sem estarem atrelados a serviços da empresa.
“Havendo falha na prestação de serviço, o consumidor tem direito a escolher entre três opções”, diz a advogada Renata Abalém, membro da Comissão de Direito do Consumidor da OAB/SP. “A devolução do valor pago, devidamente corrigido; a troca do crédito por outra mercadoria ou serviço da empresa (no caso, o voucher); ou a exigência de que esse serviço seja prestado. Como o serviço evidentemente não tem como ser prestado, restam as outras duas alternativas. Essa opção é do consumidor, não é da empresa”, explica.
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Questionada sobre a possibilidade de disponibilizar o reembolso em dinheiro aos clientes, a 123milhas não respondeu.
Impacto
A decisão da 123milhas causa transtornos a vários clientes, que se organizaram para realizar as viagens, programando férias e fazendo reservas no destino, como em hotéis e passeios. É o caso de Estéfani Caroline Reis Pinto, que havia adquirido, há quase um ano, três passagens de ida e volta para Madri, na Espanha, por R$ 3,6 mil, valor pago em seis parcelas. Ela comprou somente as passagens aéreas com a 123milhas e adquiriu separadamente um cruzeiro e reservas de hotéis para a viagem, que ocorreria em novembro. “Com o voucher que a empresa está oferecendo, que equivale ao valor pago e mais 150% do CDI, não vou conseguir comprar nem sequer uma passagem”, diz ela, que já fez buscas em sites de viagens e o mais barato que encontrou foi R$ 3,6 mil por passageiro.
É possível encontrar reclamações parecidas com a de Estéfani nas redes sociais: o valor do reembolso, mesmo com correção, não seria suficiente para uma nova compra equivalente à que foi cancelada, nas datas para as quais os clientes se planejaram para viajar, já que as passagens ficam mais caras “em cima da hora”.
Outra reclamação dos clientes é a divisão do valor do reembolso em mais de um voucher. Relatos no X (antigo Twitter) apontam que o valor total estaria sendo disponibilizado para o cliente dividido em vários cupons: o problema é que só seria possível utilizar um voucher por compra - ou seja, não haveria como acumular todos os vouchers para usar de uma vez o valor total do reembolso no pagamento de uma nova compra. A 123milhas também foi questionada pela reportagem sobre a divisão do valor do reembolso em mais de um voucher, mas não retornou.
A advogada Renata Abalém afirma que os consumidores podem e devem registrar reclamações, tanto nos Procons de suas cidades ou Estados e no consumidor.gov.br, do Ministério da Justiça, como em outras plataformas. “O consumidor pode registrar reclamação na plataforma Reclame Aqui também, além de suas próprias redes sociais. Se houver um prejuízo que realmente penalize o consumidor, ele também pode entrar na Justiça”, diz. Ela acrescenta que, caso o cancelamento por parte da empresa tenha impacto em ocasiões especiais, como em uma festa de casamento ou lua de mel, por exemplo, o consumidor também pode ter direito a uma indenização moral.
Veja orientações do Procon para os consumidores
- Entrar em contato diretamente com a empresa, pedindo para que esclareça sua situação específica e as demais condições que forem apresentadas;
- Registrar essa comunicação com a empresa (por meio de gravação ou por mensagem de e-mail);
- Se o consumidor não concordar com as medidas, deve registrar uma reclamação no Procon de suas cidades ou Estados. Em São Paulo, o registro pode ser feito pelo site oficial do órgão: www.procon.sp.gov.br;
- O consumidor que ainda estiver pagando o pacote ou passagem, não deve interromper os pagamentos. Mesmo diante da suspensão da oferta, é aconselhável continuar cumprindo sua parte no contrato. Esta medida é importante caso a questão precise ser judicializada, pois demonstrará boa-fé por parte do consumidor;
- Consumidores lesados também podem fazer registro na plataforma consumidor.gov.br, do Ministério da Justiça.
Como funciona a 123milhas?
A 123milhas é uma agência de viagens online que oferece passagens aéreas e outros serviços de viagem, como pacotes completos, hospedagens, aluguel de carros e seguro. Segundo o seu site, a agência trabalha adquirindo milhas acumuladas de pessoas que não irão usá-las para conseguir oferecer “voos até 50% mais baratos” para os clientes. “Nós usamos milhas para emitir suas passagens diretamente com as companhias aéreas e em seguida disponibilizá-las para você”, diz o texto.
As companhias aéreas, no entanto, têm regulamentos que proíbem a venda de milhas ou limitam a quantidade de transferências possíveis, com algumas empresas bloqueando clientes que burlam as normas e alguns casos indo parar na Justiça. Em janeiro, a 123milhas anunciou sua fusão com a MaxMilhas, do mesmo segmento, tornando o grupo a maior agência online do País. As operações se mantiveram independentes.
Os pacotes que foram cancelados pela 123milhas na semana passada fazem parte de outra modalidade oferecida pela empresa, que tem datas flexíveis, na qual o consumidor não escolhe uma data fixa para a viagem, possibilitando que a empresa busque preços mais competitivos para marcar a data de embarque, justificando assim os preços mais baixos cobrados pelo pacote.
Neste ano, outra agência de viagens, a Hurb, foi alvo de processo administrativo sancionador da Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), por cancelamentos inesperados de pacotes flexíveis, levando o governo a suspender a venda desses pacotes pela empresa.
Consequências
Após a 123milhas anunciar a suspensão dos pacotes, os ministérios da Justiça e do Turismo anunciaram uma investigação da empresa, com apuração feita pela Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon). O órgão informou que, dependendo das informações da empresa, poderá abrir um processo administrativo que pode resultar em multa. Ainda no fim de semana, o presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Pirâmides Financeiras, o deputado federal Aureo Ribeiro (Solidariedade-RJ), afirmou que quer convocar os donos da 123 Milhas para cobrar explicações. “Vamos convocar [os donos] pois isso é uma pirâmide. Venderam, venderam e venderam, e agora acontece isso”, disse.
Na segunda-feira, 21, ministro do Turismo, Celso Sabino, afirmou que a 123milhas foi suspensa do Cadastur, um programa que facilita a obtenção de empréstimos e financiamentos no setor, e que o modelo de negócio da empresa está “sob análise” da pasta. De acordo com Sabino, estão sendo apurados as condições da 123milhas e também o modelo de negócio executado por empresas similares.
No mesmo dia, o Procon-SP notificou a agência de viagens, pedindo esclarecimentos sobre a suspensão de pacotes e passagens. O órgão pediu o detalhamento das condições adversas citadas como justificativa para o cancelamento dos pedidos dos clientes, além de número de clientes impactados, opções oferecidas além dos vouchers e como está sendo o atendimento. Há relatos de consumidores que não estariam sendo atendidos, afirmou Rodrigo Tritapepe, diretor de Atendimento e Orientação do Procon-SP. “A empresa, além de ter feito uma mudança unilateral das regras, não pode deixar os consumidores sem informação”, diz.
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