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Opinião|Trinta anos do Acordo Trips: importância do bem-estar social precisa garantir acesso a medicamentos

O futuro exigirá uma abordagem mais igualitária, em que a remuneração por patentes conviva com a transferência de conhecimento

Por Gonzalo Vecina

O Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (Trips), principal marco regulatório de propriedade intelectual (PI), completa 30 anos em 2024. Embora tenha sido um importante avanço para o setor, o cenário atual exige nova reflexão, mais voltada ao bem-estar da população, e menos à proteção excessiva das invenções.

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O Acordo Trips foi assinado em abril de 1994 por 164 países, incluindo o Brasil, para harmonizar os direitos dos inventores. Ao definir um conjunto de regras de proteção à PI, o Trips proporcionou um ambiente de competição mais civilizado. Um dos pontos centrais é a proteção das patentes, garantindo aos titulares um período de exclusividade, normalmente de 20 anos, para explorar comercialmente as invenções.

Mas há países como Índia e China que são signatários do Trips e, diferente do Brasil, aproveitaram o período de cinco anos para implantação das normas. Com isso, se tornaram referência no setor farmacêutico. Além de leis mais flexíveis de proteção à PI, os dois países são reconhecidos pela produção em larga escala de genéricos.

O mundo enfrenta desafios na distribuição equitativa de medicamentos. A cada ano, surgem novos remédios com grande capacidade de curar pacientes, mas com preços altíssimos, o que impacta não somente o acesso aos melhores tratamentos, como também o orçamento do sistema público de saúde. Por isso, mais importante que apenas investir em proteção à PI, é focar no bem-estar social, em conhecimento e tecnologias que contribuam com a qualidade de vida das pessoas.

Mudanças no acordo podem facilitar a distribuição de medicamentos pelo globo Foto: Mariana Machado / Estadão

Mas o que se vê no Brasil são frequentes pressões por mais medidas de proteção, chamadas Trips Plus, como extensão de prazos de patentes e proteção de dados regulatórios. Tais medidas não atendem ao interesse público e atrasam o lançamento de genéricos e similares. Não é exagero dizer que o maior benefício à população está na concorrência, não em medidas protetivas excessivas.

Apesar de o Trips ter sido um importante marco civilizatório, é hora de pensar em uma nova ordem mundial em que o acesso a medicamentos esteja acima da discussão sobre a posse de ideias. É preciso, sim, remunerar as patentes, mas a transferência de conhecimento deve ser algo natural, e não uma luta, como tem sido com genéricos e similares.

O futuro exigirá uma abordagem mais igualitária, em que a remuneração por patentes conviva com a transferência de conhecimento. Afinal, se é civilizatório ter um bom comércio, muito mais civilizatório é ter uma boa vida.

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Opinião por Gonzalo Vecina

Médico sanitarista e professor da Faculdade de Saúde Pública da USP

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