BRASÍLIA - Nos sete primeiros meses do ano, o Brasil recebeu uma enxurrada de itens importados baratos, com preço médio de até US$ 50: foram 3,3 bilhões de produtos, uma alta de 11,4% na comparação com o mesmo período de 2022 - a maior parte vinda da China. Os dados integram um levantamento da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), obtido com exclusividade pelo Estadão.
Essa lista vultosa é composta, por exemplo, por 232 milhões de meias-calças e pares de meia, 82 milhões de mochilas, quase 50 milhões de brinquedos e mais de 10 milhões de blusas femininas.
Para realizar o estudo, que serve como um termômetro da atividade de varejistas internacionais no País, a CNC se baseou em microdados da Secretaria de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC). No total, foram analisados 10 mil tipos de bens de 145 países.
A entidade pondera que não é possível saber qual parcela desses produtos entrou no País sem pagar impostos. “O volume de importados é gigantesco, mas ainda não temos a dimensão exata do problema, de quantos itens chegaram ao Brasil de maneira fraudulenta”, afirma Fabio Bentes, economista da CNC e responsável pelo levantamento.
Ele afirma, porém, que, antes da mudança nas regras tributárias (leia mais abaixo), muitas varejistas internacionais aplicavam “rasteiras fiscais” no governo, se passando por pessoas físicas para não pagarem os tributos.
“Tinha pacote que chegava com nome de artista de Holywood e até empresa que enviava primeiro um pé do tênis e depois o outro, para se enquadrar, indevidamente, na isenção de até US$ 50″, diz Bentes, que frisa que a legislação atual ainda precisa de ajustes para garantir isonomia tributária aos empresários nacionais.
A avaliação é corroborada pelo vice-presidente da Confederação das Associações Comerciais e Empresariais do Brasil (CACB), Anderson Trautman: “A tendência é que grande parte desses itens não tenha sido tributada nem pela União e nem pelos Estados”.
A CACB se reúne nesta quarta-feira com o secretário da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, para tratar exatamente desse tema. “Há uma concorrência desleal, mesmo com a mudança nas regras, e ainda não temos uma perspectiva de quando os ajustes serão feitos”, afirma Trautman.
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China na liderança
Dentre as 145 nações pesquisadas, a China lidera com folga: é responsável por praticamente 40% de todos os produtos até US$ 50 que entraram em território brasileiro nos sete primeiros meses do ano. O país asiático - conhecido por marketplaces populares como Shein e AliExpress- vendeu 1,3 bilhão de itens aos consumidores nacionais, uma alta de 38% na comparação com 2022.
A Argentina aparece em segundo lugar, mas com números bem mais modestos: nosso vizinho exportou 331,3 milhões de unidades, um quarto do montante dos chineses.
“Essa alta nas importações, principalmente da China, foi puxada pela valorização do real frente ao dólar, que deixou os importados mais acessíveis, e pela iminência de mudanças na tributação desse tipo de compra”, explica Bentes, da CNC.
Em abril, o ministério da Fazenda chegou a anunciar que acabaria com a isenção até US$ 50 do Imposto de Importação no envio de itens entre pessoas físicas. O objetivo era elevar a arrecadação, em meio a um cenário fiscal desafiador, e coibir a sonegação, já que parte das varejistas se aproveitava indevidamente do benefício e deixava de pagar o tributo federal -- que tem alíquota salgada, de 60%. O anúncio, porém, foi mal recebido nas redes sociais e a equipe econômica recuou devido à pressão da ala política.
Mudanças na tributação
Em meio a esse imbróglio, a Receita Federal colocou de pé um plano que ainda deve sofrer ajustes. Batizado de Remessa Conforme, ele dá isenção de Imposto de Importação nas compras até US$ 50 para as varejistas internacionais que cobrarem os tributos de forma antecipada, no momento em que o produto é adquirido. Hoje, essa cobrança só ocorre quando a mercadoria chega ao País.
O benefício, porém, não se estende ao ICMS (Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços), que é estadual e passou a ter alíquota padrão de 17% nessas operações.
O desenho do programa irritou as varejistas nacionais, que cobram isonomia tributária e pressionam por mudanças. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que a pasta estuda ajustes, mas não deu prazos.
“Pensa no varejo de rua, que comercializa esses mesmos itens que chegam sem Imposto de Importação aqui ao Brasil. É um setor que está sofrendo enormemente. E uma coisa é sofrer porque esses marketplaces ofecerem praticidade nas vendas. A outra é concorrência desleal, já que esses sites não pagam os mesmos tributos que as empresas nacionais”, diz Trautman, da CACB.
Além do foco na sonegação, o programa da Receita Federal também busca agilizar o fluxo das mercadorias e a entrega final aos consumidores. Isso porque os itens que estiverem em conformidade com as novas regras seguirão, após serem escaneados, para o chamado canal verde da Receita Federal, o qual dispensa exame de documentos e verificação física da mercadoria. De lá, são enviados ao endereço do destinatário.
Já as mercadorias fora dos parâmetros são encaminhadas ao canal vermelho, e passam por fiscalização mais detalhada. A depender do resultado da inspeção, podem ser apreendidas, devolvidas ou liberadas.
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