Pelos menos em tese, em meados dos anos 90, a vida profissional de Sylvia Bianco estava planejada. Ela deixaria o Brasil como arquiteta formada, passaria um período na Itália e, depois, tentaria atravessar novamente o oceano para os Estados Unidos. O sonho da jovem profissional era trabalhar com cenografia no cinema.
O roteiro estava todo escrito. Mas, antes de esse hipotético filme rodar, Henrique Bianco, dono da HM Engenharia, alterou totalmente o desfecho da vida da filha, a única que tinha se formado em uma área que se encaixava no negócio que ele dirigia. “O sentimento familiar falou mais alto e, assim que o meu pai me chamou, resolvi voltar”, diz Sylvia.
Apesar de ter cursado arquitetura para seguir outro caminho, e não para suceder o pai na HM Engenharia, a conversa com Henrique Bianco acabou sendo determinante para o futuro profissional dela. “Estava indo embora para a Itália, depois iria para os Estados Unidos, quando ele disse que precisava de mim aqui, porque a empresa queria desenvolver uma nova família de produtos e ele gostaria de racionalizar a produção.”
A visão do pai aliada à disposição da filha colocou a empresa no caminho de incorporação imobiliária voltada para famílias de baixa renda, um segmento do mercado imobiliário que se mostraria lucrativo nos anos seguintes. “Preciso de você aqui. Nós precisamos fazer isso e temos de desenvolver um sistema de gestão”, diz Sylvia se lembrando da fala do pai.
Nos sete anos seguintes, o conflito de gerações estaria instalado na HM Engenharia. O que não significa que as coisas não deram certo, muito pelo contrário. “Acabei implantando todo o núcleo de arquitetura dentro da companhia. Montamos uma família de produtos, fizemos a racionalização da produção. Fiquei todo o tempo à frente da parte de projetos e incorporação”, diz Sylvia.
Novo salto
Segundo ela, foram anos de mergulho intenso no trabalho do pai. “Vivi um ciclo de conhecimento aprofundado do negócio, mergulhei mesmo para entender tudo. Como o meu conhecimento era muito técnico, passei a estudar a parte administrativa.”
Mas a carreira de Sylvia, até por causa do sucesso dos negócios, ainda daria um outro salto. Em 2008, o Grupo Camargo Correa, que entrou na verdade para ser sócio da HM Engenharia para compra de terrenos, acabou adquirindo toda a companhia.
Dentro do Grupo Mover, da Camargo, onde a empresa fundada há 40 anos está até hoje, Henrique Bianco resolveu sacramentar a sucessão há três anos. “Meu pai fez a transição em 2017, quando deixou a presidência, e eu e o Mauro Bastazin passamos a fazer uma cogestão. Ele não é da família, mas trabalha há 17 anos no grupo. Veio como diretor financeiro na aquisição e se apaixonou pelo negócio”, diz Sylvia, que afirma que nunca teve a vaidade de assumir o cargo sozinha e, até por isso, sugeriu o processo de cogestão da companhia.
Não existe regra
O exemplo da sucessão na HM Engenharia, segundo Teresa Roscoe, professora associada da Fundação Dom Cabral e especialista no tema de sucessões empresariais, revela um dos itens que um processo bem-sucedido precisa ter. “Claro que não existe uma regra única e uma receita que sirva para todos. Mas algo importante, em qualquer caso, é que se tenha uma visão de futuro”, afirma a pesquisadora.
Segundo Teresa, outra regra que se mostra atrelada ao sucesso da chegada das novas gerações aos negócios da família tem a ver com o momento em que se começa a pensar no assunto. “É importante o processo começar cedo. Para que as gerações que estão entrando no negócio possam ter um aprendizado tácito do ambiente empresarial”, diz a professora da Dom Cabral.
Quanto mais o processo de sucessão familiar ocorrer dentro de um alinhamento entre os sócios e com o mercado, segundo ela, mais ele tende a ser organizado, maduro e diferenciado. “O que se deve transmitir, desde sempre, é o valor do trabalho. Além de todos estarem sempre abertos ao diálogo. As novas gerações são importantes para a inovação e para os próximos ciclos dos negócios”, afirma a especialista.
A importância de se abrir espaços
A simbiose entre gerações a favor da inovação também vem sendo uma prática cotidiana na Stan Incorporadora. Segundo Stefan Neuding Neto, que é da segunda geração familiar dentro do ramo atual de negócios, não existe uma receita de bolo para uma boa sucessão, mas é importante que a geração mais velha abra espaço para os mais novos.
“A questão da sucessão, conforme ela vai fazendo parte dos nossos diálogos, e até para a pensar na próxima geração,passa a ser uma pauta mais relevante. No nosso caso, temos o privilégio de ter o meu pai no conselho e ele ainda é bastante ativo. A preocupação com a sucessão começa a ficar profissionalizada no momento em que a empresa começa a crescer”, afirma Neuding.
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