A morte das lojas de departamentos: 'Poucas provavelmente sobreviverão'

O fantasma do calote em massa está sendo discutido por grandes empresas do setor de varejo e também pelos analistas, que já projetam cortes e reduções para enfrentar a crise

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Por Sapna Maheshwari e Vanessa Friedman
Atualização:

As lojas de departamentos americanas, outrora mecas todo-poderosas do comércio que ancoravam os shopping centers e a rua principal das cidades de todo o país, sofreram uma série de baques nos últimos dez anos. A J.C. Penney e a Sears foram derrubadas por fundos de investimento. A Barneys New York pediu concordata no ano passado.

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Mas nada se compara ao choque sofrido pelo setor já combalido por causa da pandemia do coronavírus. Em março, as vendas de roupas e acessórios caíram mais de 50%, tendência que deverá se intensificar em abril. Este mês, foi demitida toda a equipe de executivos da Lord & Taylor. A Nordstrom cancelou pedidos e adiou o pagamento de suas fornecedoras. A Neiman Marcus Group, a cadeia de lojas de departamentos mais sofisticada dos EUA, deverá pedir concordata nos próximos dias, tornando-se a primeira importante varejista derrubada pela crise atual. E não será a última.

“As lojas de departamentos, cuja situação vem fraquejando há muito tempo, sem dúvida não sobreviverão a esta”, disse Mark A. Cohen, diretor de estudos do varejo da Escola de Administração de Empresas da Universidade de Columbia. “O jeito é conformar-se e ver o outro lado da moeda, porque são muito poucas as que poderão superar a crise.”

Com uma dívida de US$ 4,8 bilhões, a Neiman Marcus já deixou de pagar juros. Foto: Karsten Moran/The New York Times - 2/4/2019

Nesta época, em que as lojas de varejo deveriam fazer os seus pedidos para a temporada de festas de fim de ano, a mais importante, as lojas estão demitindo dezenas de milhares de executivos e funcionários em geral, acumulando recursos e planejando desesperadamente como sobreviver.

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O fantasma do calote em massa está sendo discutido não só a portas fechadas, mas também nos modelos dos analistas. Se isso acontecer, não há dúvida de que o tumulto causado pela pandemia irá alterar de maneira permanente tanto o panorama do varejo quanto as relações das marcas com as lojas que as vendem.

No mínimo, haverá uma enorme redução do número de lojas de cada cadeia, que outrora se espalhavam por todo o continente americano como uma hidra de muitas cabeças.

As cadeias de lojas de departamentos representam cerca de 30% do total do espaço nos shopping centers, sendo que 10% do total era ocupado pela Sears e pela J.C. Penney, segundo um relatório apresentado em janeiro pela Green Street Advisors, empresa de pesquisa imobiliária. Antes mesmo da pandemia, a empresa previa que cerca da metade das lojas de departamentos baseadas em shoppings iriam fecharnos próximos cinco anos.

Embora elas tenham procurado se transformar para o comércio digital com aplicativos, sites e intercâmbios em lojas, o surto deixou claro até que ponto elas continuam dependentes das lojas físicas. A Macy’s declarou no dia 30 de março que, depois de fechar suas lojas por quase duas semanas, perdeu a maioria das vendas.

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O relatório de março sobre as vendas no varejo do Departamento do Comércio, divulgado na semana passada, foi desastroso. Os números referentes às vendas no varejo em geral desse mês deverão ser piores ainda, considerando que algumas lojas ficaram abertas pelo menos até a metade de março.

As lojas de varejo começaram a adotar medidas extremas para tentar sobreviver. Le Tote, uma companhia de roupas com vendas por assinatura que, no ano passado, adquiriu a Lord & Taylor da Hudson’s Bay, disse em um memorando de 12 de abril que toda a equipe executiva da cadeia, incluindo o diretor-executivo, seria demitida imediatamente. Ela também suspendeu os pagamentos das fornecedoras por pelo menos 90 dias, alegando “a imensa pressão sobre a nossa posição de liquidez”.

A Macy’s, que também é dona da Bloomingdale’s, adiou o pagamento de bens e serviços por 120 dias e não por 60 dias, segundo a Reuters, e contratou banqueiros da Lazard para sondar a possibilidade de novos financiamentos. Jeff Gennette, o diretor-executivo, suspendeu toda remuneração por toda a duração da crise. No mês passado, a companhia foi retirada da lista das 500 da S&P por seu valor de mercado.

A J.C. Penney contratou a Lazard, o escritório de advocacia Kirkland & Ellis e a empresa de consultoria AlixPartners para explorar as opções de reestruturação, segundo duas fontes a par do assunto, e confirmou que na semana passada deixou de fazer o pagamento dos juros de sua dívida. Acredita-se que ela decidirá o que fazer, inclusive um provável pedido de concordata dentro de algumas semanas, segundo afirmou uma das fontes.

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Mas nenhuma delas se encontrava em uma situação tão desesperadora quanto a Neiman Marcus, que tem uma dívida de cerca de US $ 4,8 bilhões, em parte por causa de uma aquisição alavancada em 2013 por seus proprietários Ares Management e Canada Pension Plan Investment Board, e uma quantidade de aluguéis caros nos shopping mais luxuosos, assinadosna época das vacas gordas.

No fim de março, a Neiman parou de aceitar novas mercadorias e deixou de pagar uma grande parcela dos seus cerca de 14 mil funcionários quando os boatos de concordata começaram a se espalhar. O seu diretor-executivo, Geoffroy van Raemdonck, anunciou que abriria mão do seu salário de abril.

A marca negou às fornecedoras e aos seus próprios funcionários da marca irmã Bergdorf Goodman que estivesse contratando assessores para que explorassem a possibilidade de um pedido de concordata, mas no dia 145 de abril, a S&P rebaixou a nota de classificação de crédito da Neiman.

Na semana passada, a varejista não fez um pagamento dos juros que vencia no dia 15 de abril, irritando os detentores de títulos e alimentando ainda mais as suspeitas de uma iminente concordata. Um porta-voz da Neiman Marcus não quis comentar o caso.

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A própria Nordstrom, considerada a loja de departamentos mais forte, disse este mês que talvez entrasse em uma situação “angustiante” se suas lojas físicas fechassem para os clientes por um “longo período de tempo”. Erik e Pete Nordstrom, diretor-executivo e diretor de marca, não estão recebendo o respectivo salário base há pelo menos seis meses. A empresadeixou algumas fornecedorasperplexas comunicando os cancelamentos na última hora por e-mail nestes últimos dias.

Em todas as cadeias, os preços da nova mercadoria vendida pelo e-commerce já foram reduzidos em 40% em alguns casos. Os cancelamentos dos pedidos para a estação que antecede o outono– que normalmente começariam a ser entregues no próximo mês – estão aumentando.

Algumas marcas informaram que as remessas foram devolvidas depois de entreguesaos depósitos, e todas as fornecedoras foram inundadas uma avalanche de pedidos de um prolongamento dos prazos de pagamento, sendo forçadas desse modo a negociar com as próprias fabricantes, agências de marketing,centros de atendimento e senhorios.

“Ninguém imagina como será o quarto trimestre, mas vocês terão de começar a colocar os pedidos agora,” afirmou Sucharita Kodali, analista de varejo, referindo-se às festas de fim de ano, em geral o período mais lucrativo para as cadeias. “Algumas pessoas nem sequer têm o dinheiro para fazer encomendas para o quarto trimestre, em todo caso, talvez acabassem por cancelar estas encomendas, em suma, confusão total. Nunca houve tamanha incerteza.”

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Em seu memorando de 12 de abril, a direção da Le Tote e da Lord & Taylor disse que estavam sendo mantidos somente os funcionários fundamentais para a manutenção do negócio. Um representante da Lord & Taylor e Le Tote não quis comentar a situação ou revelar o número de funcionários que estão em licença e que foram demitidos.

“Parece praticamente certo que a Lord & Taylor liquidará o seu negócio no futuro próximo, com ou sem concordata”, disse James Van Horn, parceiro da Barnes & Thornburg e especialista em concordatas no varejo. “Ela já foi uma das lojas de departamentos mais problemáticasantes da pandemia do coronavírus, e quando a maioria das equipes de direção está saindo, e apenas a minoria dos funcionáriosprecisa ficar de licença, aparentemente não há nenhuma outra estratégia, se não liquidar a empresa.”

Van Horn disse que acredita que outras cadeias possam pedir estrategicamente concordata para despejar legalmente lojas, diminuindo o ônus do aluguel. “Provavelmente será um efeito dominó” , ele disse. “Agora, ou mais tarde, não sabemos.”/ TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

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