Hoje é o Dia Internacional da Mulher. De maneira recorrente, as estatísticas apontam uma incômoda diferença de remuneração entre homens e mulheres. Pelos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2014, o rendimento médio mensal dos homens de 15 anos ou mais de idade foi de R$ 1.987 e o das mulheres, de R$ 1.480. A diferença é 24% em favor dos homens, apesar de as mulheres serem mais escolarizadas. É interessante notar que essa é a mesma diferença encontrada entre os rendimentos de homens e mulheres nos EUA. Será que toda ela é produto da discriminação? Estudos mais acurados mostram que a discriminação pesa bem menos do que se supõe quando se leva em conta a natureza das profissões, a experiência profissional e as horas trabalhadas por homens e mulheres. Vejam os seguintes exemplos. A diferença de remuneração das médicas é quase 30% inferior à dos médicos. Ocorre que nessa categoria profissional estão incluídos médicos clínicos e cirurgiões. Quando se analisam os rendimentos separadamente, a diferença entre mulheres e homens cai para menos de 5%. O mesmo ocorre entre os advogados. A diferença de 15% entre advogadas e advogados se reduz a apenas 4% quando se separam os profissionais que trabalham em empresas e organizações não lucrativas (maioria de mulheres) e os que trabalham em escritórios próprios e na defesa de pessoas físicas e jurídicas que pagam altos honorários (Claudia Goldin e Lawrence Katz, Women in the workplace, citado pela revista The Economist, 5/11/2015). As diferenças vão se reduzindo na medida em que se consideram a experiência profissional, o tempo dedicado à profissão e os afastamentos em razão da gravidez. No conjunto, cai o peso da discriminação. Um estudo realizado no Brasil e usando a mesma metodologia chegou a resultados semelhantes. Ao levar em conta as diferenças nas profissões, experiência, horas de trabalho e outros fatores de controle, a diferença de 20% encontrada entre a remuneração de homens e mulheres no Rio Grande do Sul caiu para 7% (Guilherme Stein e Vanessa Sulzbach, Relatório sobre o mercado de trabalho no Rio Grande do Sul, 2001-13, Porto Alegre: Fundação de Economia e Estatística, 2015). Ao considerar os dados obtidos nos dois estudos, pode-se conjeturar que a discriminação contra a mulher é ligeiramente maior no Brasil do que nos EUA. Mas é importante notar que nos dois países a maior parte das diferenças de remuneração se deve a fatores que nada têm a ver com discriminação. As constatações acima não encerram o longo debate sobre as dificuldades da mulher no mercado de trabalho. Os que valorizam o peso da discriminação argumentam que a própria entrada em profissões (menos rentáveis) e os afastamentos por causa da gravidez não são escolhas voluntárias das mulheres. Na verdade, refletem tendências culturais arraigadas na sociedade moderna. Se os homens dedicassem mais horas aos trabalhos domésticos e se as sociedades oferecessem mais creches, as mulheres poderiam entrar em profissões mais demandantes de tempo e que, por sua natureza, geram mais renda aos seus ocupantes. De fato, a Pnad de 2014 indicou que não mais de 46% dos homens ajudam nos afazeres da casa. Entre as mulheres, essa proporção sobe para 88%. Essa discussão é infindável. Por ora me parece importante destacar que grande parte das diferenças de remuneração entre homens e mulheres decorre de fatores objetivos relacionados às profissões e ao exercício delas. Se fosse tudo devido a gênero, é provável que as empresas, para a realização das mesmas tarefas, contratariam apenas mulheres que ganham menos em lugar de contratar homens que ganham mais. Mas não é bem assim. Isso porque os principais fatores que contam para a referida diferença têm que ver com fatores objetivos como os acima indicados.* Professor da FEA-USP, é presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da Fecomercio-SP e membro da Academia Paulista de Letras
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