BRASÍLIA – Mesmo que a arrecadação tenha um bom desempenho, a equipe econômica só irá lançar mão da abertura de um crédito suplementar para gastos, permitido pelo novo arcabouço fiscal, se ele não prejudicar o cumprimento da meta de déficit zero, afirma o secretário do Tesouro, Rogério Ceron. Ele revela ainda que a abertura do crédito poderá ser parcial e consumida em parte por despesas obrigatórias, como benefícios previdenciários.
Pela regra do novo arcabouço, o governo poderá abrir um crédito extra em maio caso as estimativas de receita sejam maiores do que as atuais. Esse montante vem sendo estimado por economistas na ordem de R$ 15 bilhões.
“Não é só analisar se a receita preenche o pré-requisito (para a abertura de crédito extra), e sim se ela está performando a ponto de uma abertura parcial ou integral – e se esse espaço não vai prejudicar o cumprimento da meta”, antecipa o secretário em entrevista ao Estadão. “Se não tiver espaço primário para poder fazer essa execução, ela é inócua.”
Especialistas em contas públicas têm demonstrado preocupação com a possibilidade de esse crédito “canibalizar” o cumprimento da meta zero, que já é vista com ceticismo pelo mercado. Ou seja, o temor é de que o governo eleve ainda mais o patamar de despesas, que vem crescendo desde a PEC da Transição.
Nesse cenário, Ceron pondera que o governo poderá viabilizar apenas uma parte do crédito – que seja, na avaliação da equipe econômica, compatível com o alvo fiscal. Isso significa que poderá ser aberto um valor inferior ao permitido pela regra do arcabouço.
Leia mais
O secretário também faz outro alerta: parte do eventual crédito poderá ser consumido por despesas obrigatórias, como os gastos com Previdência, que estão em trajetória de alta e, segundo especialistas, subestimados em cerca de R$ 20 bilhões no Orçamento deste ano.
“São despesas que têm uma dinâmica em que qualquer porcentualzinho a mais já soma alguns bilhões”, observa. “Pode haver pressões de despesas obrigatórias que precisam ser cobertas. Então, tem que ter um pouco de cuidado com esse processo (de abertura de crédito).”
Ducha de água fria
Esses alertas, porém, são uma ducha de água fria na Esplanada dos ministérios, uma vez que o novo crédito, apesar de ainda incerto, já é cobiçado pelas pastas. “É normal. Há essa disputa pelo Orçamento o tempo todo”, reconhece Ceron.
A ministra da Gestão e Inovação em Serviços Públicos, Esther Dweck, por exemplo, já sinalizou que gostaria de usar esse espaço para conceder um reajuste salarial aos funcionários do Executivo federal. No ano passado, o governo concedeu um aumento linear de 9%; porém, neste ano, não há previsão orçamentária para reajuste – o que tem levado a greves e paralisações de algumas categorias.
O secretário do Tesouro avalia como legítimo o pleito do funcionalismo, mas reforça que já houve um reajuste no ano passado e que há um processo de negociação em curso. “Todas as demandas são legítimas, não é esse o ponto. O ponto aqui é o que é possível fazer dentro do que for responsável”, afirma.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.