Acordo sobre dívida do setor de óleo e gás com foco na Petrobras pode render até R$ 20 bi à União

Estimativa é da procuradora-geral da Fazenda Nacional, Anelize de Almeida; valores poderão ser parcelados em até dois anos e adesão da estatal ainda não está formalizada

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Foto do author Mariana Carneiro

BRASÍLIA – A procuradora-geral da Fazenda Nacional (PGFN), Anelize de Almeida, afirma que o edital aberto para negociar dívidas tributárias decorrentes de operações de afretamento (espécie de aluguel) de embarcações e plataformas de petróleo deve render até R$ 20 bilhões à União ao longo de dois anos. A Petrobras é o principal alvo da medida.

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“Estamos na expectativa de uma arrecadação entre R$ 10 bilhões e R$ 20 bilhões. Isso se todos os players aderirem em todos os processos”, disse Anelize ao Estadão. O cálculo considera o montante total em litígio no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) e no Judiciário referente a esse tema – cifra que soma cerca de R$ 60 bilhões. “São poucas empresas, mas tem um impacto importante no setor de óleo e gás.”

Os recursos oriundos dessas negociações, segundo a procuradora-geral, significarão dinheiro novo no caixa do Tesouro. Ou seja: as cifras não incluem os valores já depositados em juízo pela Petrobras como garantia para o eventual pagamento das dívidas. “São até R$ 20 bilhões líquidos”, disse Anelize.

Anelize de Almeida, procuradora-geral da Fazenda Nacional, prevê bater meta de arrecadação com transações ligadas a grandes teses tributárias ainda no primeiro semestre. Cifra estimada no Orçamento de 2024 é de R$ 12 bilhões.  Foto: WILTON JUNIOR

Segundo ela, a empresa tem cerca de R$ 6 bilhões depositados no âmbito de dois termos de Negócio Jurídico Processual (NJP), espécie de acordo que estabelece poderes e deveres das partes durante disputas judiciais. Esses depósitos, porém, têm relação com uma série de processos da estatal com a União e apenas uma parte está relacionada à disputa envolvendo as plataformas e embarcações.

No edital do afretamento, aberto no mês passado e com prazo de adesão até 31 de julho, a PGFN determina que os depósitos serão descontados do valor da dívida e só depois será aplicado o desconto negociado. Nesse caso específico, há duas possibilidades de abatimento: 65%, com entrada mínima de 30% e o restante em até seis parcelas mensais; ou 35%, com entrada de 10% e o restante em 24 vezes.

Segundo antecipou o Estadão em agosto de 2023, a expectativa é de que a Petrobras faça a adesão, pondo fim a uma disputa de ampla repercussão no Judiciário e auxiliando no ajuste fiscal via aumento de receitas preconizado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

A reportagem apurou que Haddad deverá se reunir com a nova presidente da estatal, Magda Chambriard, na próxima semana – ocasião em que o assunto poderá ser tratado.

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Se o acordo for fechado até julho, prevendo o pagamento em seis parcelas, isso significará que praticamente todo o valor será contabilizado neste ano, quando a meta da equipe econômica é zerar o déficit nas contas públicas. O alvo, porém, é visto com ceticismo.

Para alcançá-lo, o governo também conta com a distribuição de 100% dos dividendos extraordinários da petrolífera. Por enquanto, porém, o conselho de administração da empresa só liberou metade desses proventos extras, deixando o restante pendente de avaliação.

Procurada pela reportagem, a empresa não se manifestou sobre a eventual adesão ao edital do afretamento.

PGFN espera arrecadar R$ 12 bi e bater meta com três editais

Desde o fim de 2023, PGFN e Receita Federal lançaram três editais de transações ligadas a grandes teses tributárias, por meio das quais governo e contribuinte buscam soluções negociadas para litígios com ampla repercussão no Judiciário brasileiro.

O primeiro tratou de disputas envolvendo lucros no exterior e teve adesão acima do esperado, com R$ 1,3 bilhão em dívidas renegociadas. O segundo é o do afretamento e o terceiro trata das subvenções ligadas ao ICMS, que são concedidas pelos Estados e impactam o recolhimentos de impostos federais – o tema foi alvo de lei no ano passado, a qual já previa a possibilidade de transação.

A expectativa, segundo Anelize, é que a meta de arrecadação com esse tipo de acordo - estipulada em R$ 12 bilhões no Orçamento de 2024 – seja batida apenas com essas três negociações. “Imagino que com esses três editais a gente bata”, disse ela, reforçando que a cifra deverá ser superada.

As transações tributárias também compõem o pacote arrecadatório do ministro Haddad, que vem pedindo à PGFN e ao Fisco para que o calendário das negociações com as empresas seja acelerado, de olho no caixa do Tesouro Nacional.

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‘Ruídos’ em Brasília adiam novos editais para agosto

Apesar do pedido do ministro, Anelize avalia que o momento é de dar um passo atrás e segurar os novos editais. Eram três as transações que tinham previsão de lançamento até julho e que ficaram para o segundo semestre: duas ligadas à base de cálculo do PIS e da Cofins, que são contribuições federais; e outra envolvendo disputas de corretoras e bancos com o Fisco após o processo de fusão da Bovespa com a BM&F, em 2008.

Ela justifica a decisão dizendo que há muitos “ruídos” no ar de Brasília, entre os quais as providências ligadas à tragédia no Rio Grande do Sul, o embate com o Congresso em torno da desoneração da folha de pagamento de empresas e municípios e julgamentos no Supremo Tribunal Federal (STF) envolvendo cifras bilionárias.

“Ouvi uma expressão e gostei: você tem de ouvir os sons. E o fato é que agora tem muito ruído”, diz a procuradora-geral. “Muito ruído vindo do Supremo, com julgamentos importantes em embargos de declaração. Tem o Congresso com medida provisória. A desoneração da folha que também deu muito ruído.”

“Então, sabendo que com esses três editais nós estamos muito perto de bater a meta e colaborar com esse resultado que o ministério está perseguindo, eu tenho mais tranquilidade de dizer: ‘Vamos com calma’”, afirma ela.

Dentre os julgamentos no STF, Anelize cita dois casos que envolvem grandes empresas. Um deles é uma disputa com os bancos em relação à incidência de PIS e Cofins em operações financeiras. A causa foi vencida pelo governo, mas houve embargo de declaração – ou seja, a apresentação de recurso, que agora está sendo analisado. Caso a União consiga encerrar o processo de forma favorável e executar carta-fiança e seguro-garantia, isso poderia render cerca de R$ 6 bilhões aos cofres da União, calcula Anelize.

Outro processo com possível impacto fiscal em 2024, mas pelo lado negativo, é o ligado ao Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural), uma contribuição cobrada de empresas do agronegócio para financiar a Previdência. O caso se arrasta na Suprema Corte há mais de uma década e pode resultar em perdas de até R$ 20 bilhões na hipótese de derrota, projeta a PGFN. “É bem preocupante”, diz a procuradora-geral.

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