Depois de 25 anos de negociações, um acordo comercial amplo entre o Mercosul e a União Europeia deve ser finalmente fechado nesta sexta-feira, 6, em Montevidéu. A perspectiva de fechamento do acordo ganhou força com a presença, na reunião de Cúpula do Mercosul, da presidente da Comissão Europeia, Ursula Von de Leyen, que chegou nesta quinta-feira, 5, à capital Uruguaia.
“O objetivo do acordo UE-Mercosul já está à vista”, anunciou Von der Leyen na quinta-feira na rede social X, pouco depois de aterrissar na região - apesar de o presidente francês Emmanuel Macron ter reiterado que o acordo é “inaceitável” no estado em que está atualmente.
As negociações começaram em 1999, e o acordo tem por objetivo eliminar a maioria das tarifas entre as duas zonas, criando um espaço de mais de 700 milhões de consumidores. Se adotado, o tratado permitirá que os países fundadores do Mercosul (Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai) ganhem o mercado europeu para seus principais produtos, especialmente commodities agrícolas (como carne, açúcar ou soja). A UE, por sua vez, ganharia mais facilidade para exportar produtos industrializados, como veículos, maquinário e produtos farmacêuticos.
Um acordo “político” entre os blocos chegou a ser alcançado em 2019, mas a oposição de vários países europeus acabou bloqueando sua adoção definitiva. Houve muita resistência e cobrança de países da UE em relação a questões ambientais, em um momento em que houve um aumento de queimadas na Amazônia, com muita repercussão negativa entre empresas europeias.
Empresas de ambos os continentes podem passar a ter acesso a 270 milhões de consumidores para grupos europeus e 450 milhões para empresas sul-americanas. O setor agrícola sul-americano poderia se beneficiar bastante do tratado, especialmente porque Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai já exportaram produtos agrícolas e agroalimentares no valor de US$ 24 bilhões para a UE (dados de 2023), especialmente soja.
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Por sua vez, Bruxelas afirma que o acordo representa uma oportunidade para produtos europeus como o vinho (que atualmente tem uma tarifa de até 27%), bebidas alcoólicas e queijos, que podem se beneficiar de um “boom na classe média”. O governo espanhol, que apoia o acordo, destaca os benefícios que ele pode trazer para o vinho e o azeite de oliva. A Alemanha, por sua vez, espera vender mais carros. Além disso, o desafio imposto pelas mudanças climáticas está levando a Europa a tentar se aproximar da América do Sul, que é rica em lítio, cobre, ferro e cobalto, entre outros.
Os criadores de gado franceses, por sua vez, mostram muita resistência ao acordo, assim como os sindicatos agrícolas da Espanha e de outros países europeus. “A pecuária francesa não poderá competir com a pecuária brasileira”, diz o economista Maxime Combes, que se opõe ao tratado. Quanto ao respeito aos padrões ambientais e de segurança alimentar, “há uma dificuldade real em manter o controle de cada animal, não podemos rastreá-lo” porque ele vem de uma região do mundo com regras menos rígidas, diz ele. O acordo prevê cotas de exportação de 99 mil toneladas de carne bovina e a abolição de todos os direitos alfandegários sobre 60 mil toneladas de carne importada do Mercosul.
A Comissão Europeia alega que esses são “volumes pequenos” porque as cotas representam apenas 1,6% da produção anual de carne bovina na UE. Outra das vítimas do acordo pode ser o clima. A França está pressionando para que o tratado inclua as disposições do acordo climático de Paris e para que os compromissos climáticos sejam vinculativos. O Brasil, por sua vez, está pedindo a proteção de setores que considera estratégicos, como a indústria automobilística.
Ainda não se sabe o que será decidido nesta sexta-feira. Se um acordo for assinado, a Comissão Europeia terá de obter a ratificação com a aprovação de pelo menos 15 Estados-membros, representando 65% da população do bloco e a maioria do Parlamento Europeu. A França vem tentando há semanas alinhar vários países europeus para formar uma “minoria de bloqueio”, à qual se juntou recentemente a Polônia. A Itália poderia se juntar a essa frente, assim como a Áustria e a Holanda, que expressaram reservas quanto ao acordo, embora nada seja certo. “Eles não decidem nada, quem decide é a Comissão Europeia”, disse nesta semana o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, que é a favor da assinatura do tratado, em referência à França. / AFP
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