Na manhã desta sexta-feira, 6, em Montevidéu, foi anunciada a conclusão das negociações para o acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia, após 25 anos de conversas e muitas idas e vindas. O anúncio não significa que o tratado já vá entrar em vigor — ainda há algumas etapas burocráticas importantes a cumprir, como a aprovação no Parlamento Europeu.
Ainda há resistências importantes na Europa, especialmente da França — ou, mais especificamente, dos agricultores franceses, que temem a concorrência dos produtos do Mercosul em geral e do Brasil em particular, considerados mais competitivos. Mas, neste momento, as avaliações são de que a França não teria forças para barrar o acordo.
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Apesar do anúncio, os termos finais do tratado não foram divulgados. Por isso, não é possível fazer uma avaliação mais aprofundada do que pode significar para o Brasil. Mas, levando-se em conta o que já havia sido divulgado em 2019, quando as negociações também haviam chegado a termo (depois, esse acordo acabou se perdendo em meio a questões políticas e não chegou a ser votado nos parlamentos europeus), as estimativas são otimistas em relação aos efeitos para o Brasil.
Em termos gerais, o acordo zera ou reduz tarifas no comércio entre os blocos de milhares de produtos, criando uma área de livre comércio com mais de 700 milhões de consumidores e potencial de abrir mercado para empresas de todos os países — desde que se mostrem efetivamente competitivas. Nesse caso, alguns setores têm mais potencial de se dar bem do que outros.
Impacto no agronegócio
Um dos setores que mais têm comemorado o acordo é o da agropecuária. Na avaliação da própria diretora de Relações Internacionais do Ministério da Agricultura, Sueme Mori, é essa a área que mais vai se beneficiar do acordo. “É precoce estimar qual será o tamanho da fatia e a receita que serão geradas, mas, de maneira geral, mesmo cotas pequenas geram potencial positivo. O setor de frutas é um dos que devem ter grandes ganhos”, disse. “A redução das tarifas, mesmo atreladas a cotas, é muito positiva para o setor.”
O acordo anunciado nesta sexta-feira pelos blocos prevê exportação de frutas e café do Mercosul à UE sem tarifas e sem cotas, segundo um documento resumido divulgado pelo governo brasileiro sobre o tratado comercial. Neste escopo, estão incluídas frutas como abacates, limões, limas, melões, melancias, uvas de mesa e maçãs. Outros produtos agropecuários do Mercosul estão sujeitos a cotas e tarifas reduzidas em relação aos tributos atuais, com condições como uma desgravação (retirada da tarifa) mais gradual.
Mori lembra, contudo, que, apesar das cotas e das tarifas definidas, há outras questões a serem negociadas entre os blocos para fomentar o comércio de produtos agrícolas, como protocolos sanitários. Atualmente, por exemplo, o Brasil não exporta carne suína ao bloco em virtude de não haver acordo quanto ao certificado sanitário internacional. “Mas o acordo eleva o patamar até mesmo para negociações fitossanitárias”, disse.
Os produtores de carne também mostraram entusiasmo. A Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) disse que o País deve ocupar a maior parte das novas cotas de exportação que serão abertas quando o tratado estiver efetivamente em vigor.
“A consolidação do acordo abre novas oportunidades de embarques para o mercado europeu, em condições mais vantajosas do que as cotas atualmente existentes para embarques de produtos brasileiros à União Europeia”, disse o presidente da ABPA, Ricardo Santin. “As cotas atuais serão mantidas, e as novas estabelecidas pelo acordo deverão ser ocupadas, em especial, pelas exportações de produtos brasileiros.”
A Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec), por sua vez, classificou como “marco diplomático histórico” o acordo. Para a entidade, o tratado tem potencial de “transformar as relações comerciais entre as regiões de forma duradoura”.
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O entusiasmo do agro brasileiro dá uma pista de por que os agricultores europeus, especialmente os da França, têm sido tão reticentes em relação à assinatura do acordo. O temor dos europeus é de não conseguir concorrer com os produtos brasileiros, com produção mais competitiva.
Ponto de atenção para a indústria
Se nas commodities, especialmente as agrícolas, o efeito do tratado é potencialmente positivo, o mesmo não se pode dizer dos produtos acabados, onde os europeus são mais competitivos. Nesse caso, há um ponto de atenção entre as empresas brasileiras.
O presidente da Associação Brasileira de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), José Velloso, avaliou como “conceitualmente positiva” a celebração do acordo, uma vez que se trata de uma medida que amplia mercados e facilita as exportações do País.
Ele lembra, porém, que, para que o setor de máquinas se beneficie, é preciso que o País faça antes a sua “lição de casa”, aumentando a produtividade e a competitividade de seus produtos. “Não adianta só fazer o acordo externo. Você faz o acordo externo, óbvio, é um passo. Mas é preciso fazer o dever de casa, aqui dentro”, disse Velloso, citando a necessidade de o Brasil reduzir seu custo de produção, ampliar o crédito e trabalhar em mecanismo de financiamentos voltados à exportação.
“O acordo pode ser uma grande oportunidade no sentido de que nós vamos ter acesso a um mercado importante que é o europeu. Mas a gente sabe também que o Brasil tem hoje um problema muito sério de competitividade”, reforça o presidente da Abimaq. Ele cita, por exemplo, que hoje, o saldo comercial entre Brasil e Europa no setor de máquinas é negativo em cerca de US$ 8 bilhões e que, caso não haja melhora no setor, esse déficit corre o risco de ser ampliado.
O presidente da Abimaq também lembra que, com o fim das negociações entre Mercosul e União Europeia, é preciso agora ter atenção com as minúcias e os detalhes que serão discutidos nos próximos anos, antes que a nova realidade comercial passe efetivamente a valer. Ele destaca, por exemplo, que é, desde sempre, um pleito da Abimaq, a questão da chamada “regra de origem” de produtos de fora que chegam ao Brasil.
O falso europeu
“O produto europeu tem muitos componentes de origem chinesa ou indiana, por exemplo. Então, um produto europeu que venha para o Brasil tem de ser europeu, ele não pode ser asiático. Uma preocupação que temos é como será fiscalizada a garantia dessa regra de origem”, explica Velloso.
Outro pleito defendido pela Abimaq no âmbito dessas negociações é a necessidade de o setor contar com um dos períodos mais longos dentro do cronograma de redução de tarifas de importação. “A expectativa é de que o setor tenha sua tarifa de importação reduzida em 10 ou 15 anos, a partir da vigência do acordo”, explica a diretora executiva de mercado externo da Abimaq, Patrícia Gomes.
A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), por sua vez, manifestou satisfação com o acordo comercial, destacando em nota o potencial de ampliação do comércio e dos investimentos produtivos. Diante da perspectiva de abertura à entrada de concorrentes europeus, a entidade diz que seguirá atuante na defesa das ações necessárias para elevar a competitividade dos setores produtivos brasileiros.
“A indústria brasileira recebe com satisfação a conclusão das negociações comerciais entre o Mercado Comum do Sul (Mercosul) e a União Europeia (UE). A finalização do acordo é oportuna, pois garante aos membros do Mercosul um instrumento poderoso para lidar com as mudanças comerciais e geopolíticas em curso”, diz a Fiesp.
“A Fiesp seguirá atuante para que possamos aproveitar este período de reduções tarifárias e viabilizar as ações necessárias para elevar a competitividade dos setores produtivos do Brasil”, acrescenta. / Isadora Duarte, Leandro Silveira, Daniel Tozzi Mendes, Eduardo Laguna e Beatriz Bulla