A aprovação do Acordo entre o Mercosul e a União Europeia – em maiúsculo mesmo, em virtude de suas quase três décadas de negociações – nesta sexta-feira abre espaço para uma reflexão sobre os seus desafios. Esses desafios vão desde a aprovação pelos parlamentos dos países e blocos envolvidos até a efetiva aplicação, o que é motivo de protestos de Buenos Aires a Bucareste, sem esquecer de Paris, com Emmanuel Macron. Contudo, o acordo também é uma razão para celebrar a vitória da diplomacia e refletir sobre as suas possibilidades.
Quando questionado pelos meus alunos de Relações Internacionais, sejam aqueles ingressantes na disciplina de Teoria das Relações Internacionais, sejam aqueles que já vislumbram uma carreira na diplomacia corporativa, sobre a minha opinião em relação ao acordo, sempre fui enfático: trata-se de um sentimento duplo, o qual atribuo à minha formação como economista, geógrafo e cientista político, pelo doutorado em Estudos Estratégicos Internacionais.
Como economista, advindo do racionalismo e ceticismo clássicos da área, os sentimentos em relação a este acordo são nítidos e não tão otimistas quanto os demonstrados pelos entusiasmados líderes do Mercosul e da União Europeia nesta sexta-feira, em Montevidéu. O produtor europeu, sobretudo aquele de commodities como grãos, alimentos e proteína animal, perceberá uma queda brusca na competitividade em prol do preço vantajoso dos produtos importados do outro lado do Atlântico. Para os nossos produtores, a vantagem se dará no médio prazo – uma vez aprovado o acordo pelos parlamentos –, com a obviedade das leis básicas que a ciência econômica nos ensina.
Mas e no longo prazo? Se as vantagens competitivas de preço se restringirem aos mercados chinês e europeu, quem abastecerá os nossos mercados mercosulinos? Sendo economias que apostaram na agroexportação há décadas, como ficará o mercado doméstico com produtos mais caros? No entanto, setores como o coureiro-calçadista, de energia e da própria transição energética têm muito a celebrar com a prometida livre circulação nos mercados europeus, desde que nossas indústrias e seus atores se comprometam de fato com a rígida agenda ESG europeia. Enfim, o nosso valor agregado produzido no Mercosul poderá alçar voos maiores.
Por outro lado, como geógrafo e cientista político, o otimismo é contagiante, haja vista a oportunidade histórica de solidificar as pontes entre Bruxelas e Montevidéu em setores estratégicos como cooperação em educação, ciência, tecnologia e inovação. A Global Gateway europeia enfim se tornará real, podendo ampliar a cooperação em temas ambientais e de mitigação dos impactos das mudanças climáticas, por exemplo.
Os países europeus enfrentam hoje um gap demográfico, que já se traduz na carência de mão de obra qualificada em diversos setores. Os países do Mercosul, por sua vez, formam jovens profissionais, do nível técnico ao superior – e de pós-graduação também –, qualificados e aptos a atuar em setores cada vez mais exigentes, mas que muitas vezes Argentina, Uruguai, Paraguai, Brasil e Bolívia não conseguem suprir. A equação é lógica: o intercâmbio de estudantes e profissionais poderá ser a grande conquista deste Acordo entre a União Europeia e o Mercosul.
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Como professor de Relações Internacionais, aprendi que a Economia Política Internacional, como neste caso, sempre apresenta prós e contras, especialmente em um mundo próximo da fragmentação da multipolaridade e do próprio multilateralismo. Portanto, a aprovação deste acordo coloca os dois blocos em uma posição oposta aos nacionalismos e protecionismos econômicos, que provavelmente pautarão a agenda de curto prazo com a posse de Donald Trump, nos Estados Unidos, daqui a pouco mais de um mês, e também com a ascensão de movimentos ultrarradicais na própria Europa. O acordo também colocará a União Europeia e o Mercosul na vanguarda da cooperação inter-regional, algo que parecia estar esquecido, assim como conceitos como a globalização e a integração regional.
Chegamos à linha de chegada, como prometido pela presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen. O grande ponto de interrogação agora é qual dos caminhos seguiremos após ela. Torço, agora escrevendo como cidadão do Mercosul, pelo caminho do pódio.
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