É acordão que se chama a aprovação pelo Senado de projeto de lei complementar que altera artigo do arcabouço fiscal para tirar do teto de gastos deste ano as despesas que vão financiar a bolsa poupança de incentivo à permanência de estudantes de baixa renda no ensino médio.
Governo e oposição se uniram e aprovaram nessa quarta-feira o projeto, de autoria do senador petista Humberto Costa, relatado pelo líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (sem partido-AP). O placar foi de 61 votos a favor e nenhum contrário.
Com a aprovação do projeto, que precisa passar por mais uma votação na Câmara, acabou a aura em torno do arcabouço em apenas três meses desde a sanção da lei, no dia 30 de agosto passado.
Ficou muito claro também que, com uma rápida negociação de acordos para atender interesses de curto prazo, é possível mudar a regra fiscal, numa votação rápida, sem nenhuma discussão séria. Para mudar o antigo teto de gastos criado pelo governo Temer, era preciso alterar a Constituição, o que é muito mais difícil e exige quantidade de votos maior e dois turnos de votação.
Resultado: temos um arcabouço que foi sancionado faz poucos meses e já estamos discutindo riscos fiscais no Brasil. O arcabouço previu um modelo de transição para o limite de despesas neste ano após a extinção do teto de gastos.
A leitura no Senado é de que o acordo com a oposição ainda reflete o aceno ao líder do governo no Senado, Jaques Wagner, pelo voto favorável à PEC que limita os poderes do Supremo Tribunal Federal em decisões monocráticas. Mas, sem dúvida, estão sendo costurados muito mais acordos por trás, que garantiram também a aprovação do projeto que altera os investimentos em fundos dos super-ricos no Brasil (exclusivos) e no exterior (offshore). Renegociação mais favorável de dívida de Estados e novos “jabutis” a encarecer a conta de luz certamente estão nesses acertos de votações na reta final do ano.
Às vésperas do ano de eleições municipais, o que está acontecendo agora com o programa não é lá muito diferente do que aconteceu no governo Bolsonaro, em 2021, com a aprovação da MP que criou o Auxílio Brasil – que, na época, substituiu o Bolsa Família, e que já se sabia que tinha sido desenhado de olho nas eleições do ano seguinte.
O desenho do Auxílio Brasil foi um horror e seu estrago ainda não foi totalmente consertado com a recriação do Bolsa Família no governo Lula.
O Senado está aprovando a mudança das regras fiscais para passar o programa sem saber o seu desenho, porque o governo quer acelerar a sua implementação.
É lamentável, porque esse tipo de programa é altamente meritório e, em tese, se bem desenhado, sai barato quando comparado ao enorme benefício que pode alcançar para diminuir o elevado abandono escolar no País. Mas os interesses de curto prazo, sobretudo os eleitorais, sempre se sobrepõem.
Governo e Congresso seguem apostando que podem mudar as regras fiscais e que não há custo de credibilidade, bastando repetir o mantra da responsabilidade fiscal. Daqui a pouco esse custo vai ficar mais claro para os investidores. Aliás, já está ficando. É só aguardar um pouco mais com as manobras em curso. Mudar ou não a meta nesse cenário vai virando discussão secundária.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.