Os especialistas de contas públicas estão com as antenas ligadas de olho no compromisso do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de fazer um contingenciamento de “no máximo” R$ 22 bilhões a R$ 26 bilhões das despesas do Orçamento em 2024, como revelou o Estadão.
Esses valores foram sinalizados por Haddad em reunião na quinta-feira, 16, na qual o governo comunicou oficialmente que vai manter a meta de zerar o déficit das contas públicas no ano que vem.
O tamanho do contingenciamento virou uma espécie de carta-garantia do ministro para o voto de confiança que o presidente Lula lhe deu ao bater o martelo e desistir de flexibilizar a meta.
O compromisso funcionou como um aceno para os integrantes do governo e os parlamentares que defendiam a mudança da meta agora para evitar um duro bloqueio no início de 2024. Uma forma de preservar os investimentos do PAC e também as emendas parlamentares.
Mas, para garantir um bloqueio menor, Haddad e equipe terão de fazer uma nova interpretação sobre a regra do arcabouço fiscal, que determina um limite de até 25% para o contingenciamento das despesas discricionárias (as não obrigatórias) necessário ao cumprimento da meta.
De forma simples, para não complicar, esse limite — sem nenhuma nova interpretação da regra — seria de R$ 53 bilhões, de acordo com o valor previsto no projeto do Orçamento de 2024.
O que a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional trabalha é num parecer jurídico para interpretar como se definirá esse limite, combinando com outra regra do arcabouço que diz que o crescimento das despesas não pode ser inferior a 0,6% acima da inflação de um ano para o outro e nem superior a 2,5%.
O que o ministro disse nesta sexta-feira é que é preciso combinar as duas regras. “A regra de 25% não pode afastar o poder público desse canal que foi criado entre 0,6% e 2,5%”, disse. Haddad afirmou ainda que o bloqueio de recursos não passará de R$ 23 bilhões, valor abaixo do citado na reunião de quinta. Outras alternativas para limitar o contingenciamento na faixa prometida pelo ministro também estão sob análise. Cada uma mais complicada do que a outra.
As regras do arcabouço fiscal só entram em vigor para valer em 2024 e já viraram uma areia movediça de interpretações. A leitura que está sendo feita entre os especialistas mais experientes é a de que forçar a barra na hora de interpretar a lei para ter o resultado conveniente e evitar a necessidade de contingenciamento maior tem “cheiro de contabilidade criativa”.
Para defender a meta, o governo começa a tomar decisões que, ao contrário de chancelá-la, vai fragilizando a sua força cada vez mais, gerando desgaste de credibilidade.
Em outras palavras, trata-se de uma gambiarra. A possibilidade de contingenciamento, incluída pelo Congresso durante a votação, foi justamente o ponto que reforçou a credibilidade do arcabouço. A nova regra não tem nem seis meses e já enfrenta o teste da interpretação.
É claro que vai parar no TCU. Será que o tribunal vai aceitar? Os problemas e dilemas antigos se repetindo com uma velocidade impressionante. Enveredar por esse caminho não parece ser uma decisão sábia.
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